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quinta-feira, novembro 21, 2024

Por que tem sido tão difícil retirar cidadãos brasileiros de Gaza?

A falta de critérios claros sobre o processo de liberação leva a uma série de questionamentos e até de teorias conspiratórias no Brasil sobre o assunto. Consultor ouvido pelo MigraMundo refuta boatos e ressalta risco em desacreditar ações diplomáticas e multilaterais

Atualizada às 9h05 de 8.nov.2023

Passados mais de um mês desde o início do conflito no Oriente Médio, envolvendo Israel e o grupo Hamas, que controla o território palestino da Faixa de Gaza, o governo brasileiro já repatriou 1.410 brasileiros de Israel e 32 da Cisjordânia, onde a violência está crescente. No entanto, segue pendente a retirada de cidadãos que se encontram em Gaza, epicentro dos embates, o que tem preocupado as autoridades e sobretudo aqueles que esperam a permissão para deixar o local em direção ao Egito.

Desde 1º de novembro até esta quarta-feira (8), seis listas com cerca de 4.100 pessoas já foram divulgadas, mas nenhuma delas incluía qualquer pessoa de nacionalidade brasileira. O país mais favorecido até agora foi os Estados Unidos, que tinham o maior contingente de não-nacionais na região, estimado em 1.200 de 7.500 pessoas elegíveis.

Ao todo, 34 pessoas aguardam a vez de deixar Gaza dentro da lista enviada pelo Ministério das Relações Exteriores às autoridades egípcias e israelenses: são 24 cidadãos brasileiros e dez palestinos que estão em processo migratório para o Brasil, já autorizado pelo governo.

O processo de retirada de pessoas de Gaza, no entanto, é moroso e requer autorização de todos os países envolvidos na operação. São eles: Egito (que recebe quem deixa Gaza), Israel (que quer monitorar a uma possível evasão de terroristas do Hamas), dos próprios Estados Unidos e do Qatar, estes últimos como mediadores.

Segundo promessa das autoridades de Israel, os cidadãos sob responsabilidade do Itamaraty deveriam ter permissão para cruzar a fronteira de Gaza com o Egito nesta quarta (8), o que não ocorreu.

De acordo com o canal GloboNews, o grupo de brasileiros que está em Gaza recebeu uma mensagem da embaixada afirmando que a saída do território deve acontecer na quinta-feira (9). Essa informação, contudo, ainda não foi confirmada pela Embaixada do país na Palestina.

Falta de transparência

Mas afinal, por que os brasileiros ainda não tiveram permissão para deixar Gaza e serem resgatados no Egito, conforme o plano da chancelaria? Um avião da Força Aérea Brasileira já está no Egito desde a semana passada aguardando a liberação do grupo.

A falta de critérios claros sobre o processo de liberação leva a uma série de questionamentos no Brasil acerca da demora, especialmente pelo fato de o país ter boas relações diplomáticas com todos os lados envolvidos.

“Os critérios das listas não estão claros nem mesmo para nossas autoridades. O que temos assistido é o Egito e Israel numa tentativa de se eximir da responsabilidade de apoiar na operação e tentar deixá-la a cargo do outro”, ressalta Victor Del Vecchio, advogado e consultor em Direitos Humanos e Migrações, que tem acompanhado de perto a questão dos brasileiros que seguem em Gaza.

Na visão do consultor, o Itamaraty tem feito tudo o que está ao alcance para repatriar os cidadãos sob sua tutela (tanto brasileiros quanto palestinos que vão migrar para o Brasil), assim como já fez com os nacionais que já conseguiram deixar Israel e Cisjordânia. Ele também não crê em retaliação por parte de Israel ao Brasil pelo fato do país ter costurado uma resolução considerada desfavorável a Tel Avivi no Conselho de Segurança da ONU, nem por Brasília não reconhecer o Hamas como grupo terrorista. O Brasil apenas reconhece como tal os grupos que são considerados terroristas pela ONU.

“Ao mesmo tempo que notamos que os americanos e britânicos foram um dos primeiros a sair, também houve um grande grupo de indonésios, país que sequer reconhece a existência de Israel enquanto país, o que fragiliza a ideia de retaliação. Acredito que alguns países consigam ser priorizados, dada sua influência sobre o Egito e Israel, e na geopolítica mundial como um todo, mas não acredito em retaliação contra o Brasil.

Uma especulação que tem circulado em alguns meios seria de que a presença de palestinos no grupo a deixar Gaza pelo governo brasileiro seria um motivo para a demora na liberação. Del Vecchio, no entanto, descarta essa possibilidade.

“Não acredito que a presença de palestinos em processo migratório para o Brasil dificulte a saída do grupo como um todo, dado que são pessoas que passaram pelo crivo das nossas autoridades estão, sem distinção do Itamaraty, sendo mobilizadas para sair junto aos nossos nacionais”.

Além dos brasileiros, três bolivianos voltaram para casa nos voos da FAB. Países vizinhos solicitaram ajuda ao Brasil no processo de repatriação de seus nacionais.

Infração internacional

Del Vecchio lembra ainda que a postura do Egito, de modo geral quanto às pessoas afetadas pelo conflito em Gaza, não segue as normas internacionais.

“O que o Egito está praticando é uma infração a um dos princípios basilares do refúgio, o da não-devolução (non-refoulement), garantido Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, pela Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e pelo Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos”.

Ao mesmo tempo, o consultor alerta para que não se caia na tentação de invalidar os esforços que estão sendo feitos por organizações internacionais em relação ao conflito. Desde o começo das hostilidades, em 7 de outubro, a ONU não conseguiu aprovar – via Conselho de Segurança – uma resolução que leve ao menos a um cessar-fogo na região. No entanto, Del Vecchio ressalta que o cenário seria ainda mais catastrófico sem uma atuação desses atores, ainda que de forma limitada.

“É evidente que o atual desenho das organizações internacionais, notadamente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, não está dando conta de encontrar as soluções que um momento delicado como esse demanda. Contudo, temos de tomar muito cuidado para não cair no discurso de invalidar e desacreditar as organizações internacionais que são, hoje, a melhor alternativa que temos para a construção de espaços multilaterais de decisão onde a paz e a preservação de vidas civis pode ser negociada”.

Orientações adicionais

Para os brasileiros que ainda estão em Israel e Cisjordânia, o Ministério das Relações Exteriores mantém a orientação de que todos aqueles que possuam passagens aéreas, ou condições de adquiri-las, embarquem em voos comerciais a partir dos aeroportos de Amã e Tel Aviv, que seguem operando.

Além disso, informa a chancelaria, os plantões consulares da Embaixada em Tel Aviv (+972 (54) 803 5858) e do Escritório de Representação em Ramala (+972 (59) 205 5510), com “WhatsApp”, permanecem em funcionamento para atender nacionais em situação de emergência. O plantão consular geral do Itamaraty também pode ser contatado por meio do telefone +55 (61) 98260-0610.

“O governo brasileiro volta a desaconselhar quaisquer deslocamentos não essenciais para a região”, ressalta o Itamaraty.

Desde o começo do conflito no Oriente Médio, há um mês, mais de 10 mil pessoas morreram no lado palestino e 1,4 mil no israelense, segundo dados divulgados pelas duas partes. Agências internacionais têm alertado para uma catástrofe humanitária imimente diante da dificuldade em fornecer insumos médicos, água e comida para as pessoas que estão em Gaza.

Conforme estimativas desta terça-feira (7), cerca de 70% dos 2,3 milhões de residentes de Gaza fugiram de suas casas desde o início dos ataques. Alimentos, medicamentos, combustível e água estão escassos. Escolas administradas pela ONU foram convertidas em abrigos, já lotados, e muitas pessoas estão dormindo nas ruas.

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