Baseada na região de Nampula, no norte de Moçambique, a ONG Associação Juvenil para o Desenvolvimento de Murrupula (AJUDEMU) tem desenvolvido o projeto Recomeçando Vidas, atendendo as necessidades dos deslocados internos que têm abandonado a região de Cabo Delgado, ao norte de Nampula, submersa em conflito desde 2015.
Nessa época, iniciaram-se confrontos violentos entre a polícia e grupos ligados à organização terrorista Daesh e, desde 2017, diversas localidades da região vêm sofrendo ataques de grupos insurgentes, resultando na morte de mais de mais 2500 pessoas e em 800 mil deslocados apenas desde abril do ano passado. Além de se instalarem em outras regiões de Moçambique, tais deslocados têm tentado conseguir asilo em países vizinhos, como na Tanzânia, que “devolveu à força” 3.800 refugiados.
Além de lidarem com o próprio deslocamento, tais pessoas enfrentam os desafios emocionais os quais a perda de suas casas, entes queridos, e a “vida” a qual estavam acostumados resultam, além do aprofundamento das precárias condições econômicas já existentes e a falta de saneamento básico, entre outros.
Recomeçando Vidas
Em meio a tal cenário, o projeto Recomeçando Vidas está atuando para atender a esses deslocados e suas necessidades. Trata-se de um projeto pontual organizado pela AJUDEMU que, por sua vez, atua desde 2007 na região com projetos distintos que visam o desenvolvimento humano local por meio da captação dos moradores das comunidades de Nampula, que sofrem com desafios econômicos.
Além disso, a organização promove políticas de combate à pobreza utilizando-se da advocacia, saúde, educação, assistência social e prestação de serviços às comunidades. Dentre os diversos projetos, encontram-se, por exemplo, projetos pontuais como o StopCovid, visando levar conhecimento às comunidades acerca do Coronavírus e confeccionar máscaras, a Biblioteca Móvil, incentivando a literatura local, além dos projetos Centro Educacional Gastronômico, Rapariga Vida e Futuro, Eletricidade e Instalação Doméstica, entre outros.
O Recomeçando Vidas, por sua vez, atua no cenário do deslocamento por conta das insurgências, visando o desenvolvimento humano dos deslocados. Busca-se capacitá-los por meio de cursos gratuitos de Corte e Costura e Serralharia Civil, visando fazer com que eles criem autonomia para se inserirem no mercado de trabalho, podendo recomeçar suas vidas no novo ambiente, como explica Carmon Caetano Mucarrua, coordenador do projeto, que identifica que a finalidade do projeto é tornar os deslocados autosuficientes.
Iassito Mohamede Kamuedo, diretor geral da AJUDEMU, diz que viu em sua organização a oportunidade e necessidade de ajudar essas pessoas: “O objetivo é dar um novo começo para os deslocados. Nós sabemos que eles perderam seus parentes, seus bens materiais, perderam praticamente as suas vidas. Como organização nós sentimos a obrigação de fazer algo a par do governo, fazer algo para nossos irmãos, como organização da sociedade civil. No âmbito do projeto Recomeçando Vidas criamos duas atividades. Uma é de corte e costura e a outra de Serralheria Civil. A intenção é muni-los de capacidades profissionais urgentes para eles terem alguma profissão nas mãos e a partir dessa profissão poderem se estruturarem.”
Os assistidos já terminaram os cursos, mas necessitam de recursos, conforme esclarece Iassito: “Nesse momento as pessoas estão na espera dos certificados, e nós estamos em um processo de captação de recursos para comprarmos 4 kits de materiais para dar à essas pessoas, para que elas atuem em grupos e possam iniciar um negócio. Com o dinheiro que eles irão captar através desse negócio, conseguirão pagar a sua renda, comprarem alimentos, cadernos para a escola etc.”
A necessidade desse processo de captação se dá pela falta de recursos para a compra de materiais. Por conta da crise econômica ocasionada pela pandemia, a AJUDEMU perdeu parceiros e verbas vindas de editais e de instituições, passando a recorrer a vaquinha online para conseguir manter os projetos. “Precisamos de 4 mil reais, conseguimos captar cerca de 1.100 reais. Estamos em um processo e estou confiante que vamos conseguir ajudar essas pessoas”, ressalta Iassito.
Insurgências e tentativas de refúgio
As insurgências, perturbando Cabo Delgado desde 2017, têm envolvido assassinatos, decapitações e abusos sexuais, além do sequestro de mulheres e crianças nos vilarejos da província. Por mais que alerta que não é um especialista, Iassito, que tem proximidade com o contexto por lidar com os deslocados, afirma que “onde há conflitos, o povo sofre”.
“Esses grupos radicais têm perpetrado esses tipos de ações à nível da África subsaariana. Temos o histórico da Nigéria também, como exemplo. Existe uma má-interpretação sobre o Alcorão. O Alcorão é um livro sagrado, ele prega a paz,” prossegue Iassito.
Adiante, ele explora a relação da pobreza com o conflito, identificando que as pessoas que estão em condições financeiramente precárias são mais facilmente aliciadas a esses movimentos, que os leva a seguirem caminhos prejudiciais à própria comunidade em que vivem e a si mesmas enquanto indivíduos. “Acabam aliando-se às pessoas erradas, e por causa dessas interpretações equivocadas do alcorão, essas pessoas acabam se virando contra seu país. É o que está acontecendo.”, afirma. Essa ideia é atestada por acadêmicos, tanto de Moçambique, como do exterior, que identificam os problemas sociais, econômicos e políticos da região como os maiores causadores do cenário violento.
Infelizmente, o governo moçambicano não tem tido capacidade de pacificar a região, e não existem recursos estatais suficientes para conseguir apoiar as comunidades de maneira necessária, tanto vindo de Moçambique, quanto de países vizinhos.
Em fins de julho, forças vindas da Ruanda foram enviadas à região para confrontar os insurgentes em fins de julho. Iassito diz que isso o dá esperança. “Estamos vendo notícias animadoras. Estamos recebendo forças estrangeiras, têm muitos países que se sensibilizaram com a questão”.
Com o conflito, milhares, além de se deslocarem internamente, chegando a regiões como Nampula, têm tentado atravessar fronteiras e se refugiar em países vizinhos. No mês de maio, a Tanzânia devolveu quase 3.800 deslocados à Moçambique através do posto fronteiriço de Negomano, de acordo com as autoridades moçambicanas. Essa ação da Tanzânia foi criticada pela chefe do escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) em Cabo Delgado, Margarida Loureiro, que identifica a falta de concordância com os princípios fundamentais da Convenção de Genebra de 1951 e da Convenção da União Africana de 1969 para a proteção dos refugiados, e elogia o apoio das comunidades locais no acolhimento aos deslocados.
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