Um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) protocolado recentemente no Senado Federal prevê tirar da Portaria que restringe a entrada de pessoas de outros países no Brasil, no contexto da pandemia de Covid-19, um artigo considerado discriminatório contra migrantes em situação vulnerável e que contraria a Lei de Migração vigente no país.
De autoria da senadora Mara Gabrili (PSDB-SP), o PDL 344/2021 pede que seja sustado da Portaria nº 655, de 23 de junho de 2021, o Artigo 8º — que prevê a repatriação ou deportação imediata do migrante, além da inabilitação de seu pedido de refúgio, em caso de violação da medida
“O que se vê com a instituição dessas sanções é a afronta direta a princípios e diretrizes regentes de nossa política migratória, tal como previstos na Lei de Migração”, diz a senadora, na justificativa para a proposição. Ela também é a relatora da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR), em atividade desde dezembro de 2019 no Congresso Nacional.
Apesar do foco na revogação do Artigo 8º, o projeto também critica as Portarias Interministeriais como um todo — já foram publicadas pelo menos 30 delas desde o começo da pandemia.
“No cenário atual, somos contrários à íntegra da Portaria Interministerial, uma vez que suas reedições afetaram de maneira desastrosa a vida dos migrantes e refugiados que buscam um pouco de alento em nossas terras. O Brasil não é atrativo senão para pessoas que se encontram em situação de miserabilidade e que não têm, em seus países de origem, condições mínimas de subsistência. É para elas que estamos nos fechando e são essas pessoas que estamos punindo, as quais estão apenas em busca de sobrevivência”, reforça a parlamentar na justificativa do projeto.
Também nesta semana, a senadora protocolou a requisição de informações junto ao Ministerio da Justiça e Segurança Pública sobre sobre o ingresso e acolhimento de migrantes no território brasileiro desde o início da declaração de emergência sanitária pela Organização Mundial de Saúde (OMS), em 30 de janeiro de 2020.
A expectativa é que o PDL seja analisado pelo plenário do Senado ainda neste semestre — o Congresso voltou do recesso parlamentar na última segunda-feira (2). Ele é o primeiro movimento específico contra essas portarias que parte do Poder Legislativo — as demais reações vieram da sociedade civil e da Justiça, em forma de decisões que contestaram as medidas do governo federal.
Audiência pública e campanha #RegularizaçãoJá
O projeto será ainda um dos assuntos da audiência pública sobre regularização migratória e fechamento de fronteiras no contexto da pandemia que acontece nesta quarta-feira (4) na Câmara dos Deputados, em Brasília.
A audiência foi solicitada pelas deputadas Sâmia Bomfim (PSOL-SP), Vivi Reis (PSOL-PA), Luiza Erundina (PSOL-SP) e Fernanda Melchionna (PSOL-RS), junto à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Casa. Elas estão entre as autoras do Projeto de Lei 2699/2020, que prevê a regularização de imigrantes no Brasil como forma de combater a pandemia de Covid-19. Um dos motivadores dessa proposta foi a mobilização tocada por imigrantes residentes no Brasil e seus coletivos, reivindicando a regularização migratória.
“A regularização migratória vai permitir ter melhor conhecimento e realizar um seguimento adequado das pessoas imigrantes que possam estar com sintomas de Covid-19. Tendo em conta o rápido contágio que caracteriza essa pandemia, isso significa cuidar a saúde não apenas das pessoas migrantes em situação irregular, mas de toda a população do país”, diz o manifesto da campanha.
Protocolado em maio de 2020, o PL só começou a tramitar de fato na Câmara dos Deputados em abril passado. A proposta tem atualmente como relator o deputado Jefferson Campos (PSB-SP).
“É urgente que o Legislativo brasileiro aprove o Projeto de Lei n° 2699/2020, que institui medidas emergenciais de regularização migratória no contexto da pandemia de COVID19 e dá outras providências; assim como o Projeto de Decreto Legislativo 344/2021, que susta o art. 8º da Portaria nº 655”, defendeu a campanha em nota técnica sobre os dois proejtos.
Portarias questionadas
Em 11 de junho, a Comissão Nacional de Direitos Humanos (CNDH) recomendou formalmente ao governo federal a realização de alterações nas medidas restritivas a migrantes, solicitantes de refúgio e refugiados em situação de vulnerabilidade que se encontram no Brasil, ou que têm o país como destino. O colegiado apontou, sobretudo, o caráter discriminatório do veto ao ingresso de indivíduos cujo deslocamento tenha sido originado na Venezuela.
O próprio CNDH já pedia ao governo federal a revisão das inabilitações de pedidos de refúgio e de deportação sumária, além de permitir a regularização migratória de pessoas que ficaram sem acesso a esse serviço em razão das cláusulas previstas nas portaria.
O conselho sugeriu ainda a realização de estudos técnicos sobre a adoção de alternativas ao fechamento das fronteiras terrestres, como a instalação de postos de testagem e de locais de quarentena, a exemplo do que a portaria já prevê em relação às chegadas por via aérea.
Ao publicar a Portaria 655, o governo federal removeu os dispositivos que barravam especialmente os imigrantes e solicitantes de refúgio da Venezuela. Apesar do fim dessas restrições, a medida foi vista com cautela e até inquietação por integrantes da sociedade civil que lidam com a temática migratória pela permanência de pontos considerados obscuros, como o Artigo 8º.
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