Plano de expulsão massiva tem sido criticado duramente pela comunidade internacional
Por María Villarreal
No Rio de Janeiro (RJ)
Em Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu junto a diversas autoridades locais, está promovendo há anos uma campanha anti-imigração. Em dezembro de 2017, o Knesset, o Parlamento de Israel, aprovou uma emenda a chamada “Lei de Infiltradores” que determinou o fechamento de um centro de detenção para imigrantes e aprovou a expulsão de cidadãos provenientes especialmente de Eritreia e Sudão.
O plano, lançado em janeiro de 2018, afetaria a quase 40 mil pessoas, as quais poderiam ser expulsas com uma passagem aérea paga e US$ 3.500 ou serem presas de forma indefinida. Contudo, após cálculos sobre a superpopulação das cárceres israelenses e os custos de manutenção dos detentos, começou a ser divulgada apenas a política de expulsão. Segundo o plano, as pessoas seriam expulsas até países “seguros” como Uganda ou Ruanda, Estados com os quais Israel mantém relações privilegiadas. A data limite para o cumprimento deste processo é 1º de abril de 2018.
Os afetados por esta medida, em sua maioria cidadãos eritreus e sudaneses, entraram no território israelense no período 2006-2012, atravessando a fronteira com o Egito, atualmente fortificada e praticamente impenetrável. Muitos destes migrantes vivem em condições precárias em bairros periféricos das cidades israelenses, sobretudo Tel Aviv, e são solicitantes de refúgio que Israel não reconhece como tais. Apesar do grave estado dos direitos humanos em Eritreia e Sudão e do perigo que eles correriam, caso voltassem aos seus países de origem, Israel os considera migrantes econômicos. Portanto, o país declara não ter nenhum tipo de obrigação legal ou ética em relação a eles.
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As medidas anunciadas pelo governo foram antecedidas por campanhas mediáticas de cunho racista promovidas com o objetivo de “mostrar a degradação promovida pela imigração nas periferias de Tel Aviv” e “os perigos da imigração fora de controle”. A este respeito, os solicitantes de refúgio têm sido definidos como “Infiltrados ilegais” e o primeiro-ministro israelense tem declarado que “é preciso que as pessoas entendam que o que estamos fazendo é legal e absolutamente essencial”. Por outro lado, na tentativa de diminuir a gravidade das medidas anunciadas e as primeiras críticas, o Diretor Geral da Autoridade para a População, Shlomo Mor-Yosef, afirmou que o plano inclui “exclusivamente a expulsão de homens solteiros e em idade de trabalhar e não afeta as mulheres, crianças ou famílias”.
O plano de expulsão massiva tem sido criticado duramente pela comunidade internacional e por organismos internacionais como o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), enquanto que Uganda e Ruanda tem negado manter acordos de cooperação com Israel para receber a população expulsa. Em Israel, as denúncias também têm sido contundentes por parte de grupos e associações de direitos humanos como o Centro para Refugiados e Migrantes, Anistia Internacional Israel e a Associação pelos Direitos Civis em Israel que assinaram manifestos para pedir o fim das expulsões. Associações de médicos, Rabinos pelos direitos humanos e grupos de sobreviventes ao Holocausto criticaram também as medidas anunciadas pelo governo, definindo o plano como “antiético e uma mancha sobre a imagem de Israel como um refúgio para migrantes judeus”. A este respeito, chegaram a manifestar que, caso a medida fosse aprovada, esconderiam em suas casas as pessoas ameaçadas com a expulsão. Outros atos de indignação pública e desobediência civil incluíram as declarações de diversos pilotas israelenses se negando a pilotar voos com pessoas expulsas em direção à Uganda ou Ruanda.
Como parte das reações as propostas de expulsão massiva do governo, milhares de pessoas, incluindo solicitantes de refúgio e organizações a favor dos direitos humanos, protestaram em Tel Aviv e outras cidades em fevereiro, carregando cartazes com escritas como “Todos Somos Humanos” ou “Refugiados e Residentes não aceitam ser inimigos”; “Nós somos refugiados, não criminais” e “A deportação, não é a solução”. Durante as mobilizações, os migrantes denunciaram também que a campanha é motivada por motivos racistas, em referência às origens africanas e não hebreias das pessoas em risco de expulsão, e chegaram a exibir cartazes com escritas como “Vidas negras importam” e a pintar seus rostos de branco, perguntando publicamente: se eu fosse branco, você me deportaria?
Alguns analistas sugerem que a medida de expulsão massiva é fruto de uma campanha que visa distrair a atenção da população israelense das acusações de corrupção e das investigações que estão sendo promovidas contra o premiê Netanyahu e seu governo. A este respeito, as organizações de direitos humanos condenam a proposta por populista, racista e arbitrária, assim como por colocar um preço as vidas humanas, negar o direito das pessoas a salvar suas vidas e buscarem melhores condições fora dos seus países de origem. Contemporaneamente, afirmam que as declarações públicas sobre a não expulsão de mulheres, crianças ou famílias, não diminui em nada a gravidade de um processo de expulsão massiva de população.
Por outro lado, segundo o jornalista Gideon Levy do diário israelense Haaretz, o perigo desta medida reside também em que, que caso a proposta se tornasse realidade, poderia servir como um plano piloto para a futura expulsão massiva de diversos grupos de população, por parte do Estado israelense, incluindo especialmente os palestinos. Para aqueles que consideram esta visão inverossímil, o autor declara que “alguns anos atrás parecia absurdo que este país de prófugos colocasse pela força outros prófugos algemados em aviões, deixando eles ao seu destino em lugares desgraçados, como está pensando em fazer agora”.
Não obstante, as mobilizações públicas e a forte pressão exercida pela sociedade civil israelense sobre o governo têm gerado bons frutos. Após a denúncia de organizações pelos direitos dos migrantes, no dia 15 de março deste ano a Corte Suprema israelense suspendeu o plano governamental até o 26 de março, dia em que o governo deverá argumentar a defesa do mesmo. Por enquanto, a decisão é apenas uma vitória em uma longa estrada de desafios para frear uma medida perversa e anti direitos humanos, mas constitui uma esperança para todos aqueles que acreditam que a ação e a soberania dos Estados têm limites quando se trata de salvaguardar a vida e a dignidade das pessoas.
Fontes:
https://www.timesofisrael.com/hundreds-protest-against-forced-deportation-of-african-migrants/
https://www.timesofisrael.com/el-al-pilots-refuse-to-fly-african-refugees-being-deported/
María Villarreal é doutora em Ciências Políticas e atualmente pós-doutoranda em Sociologia Política na UENF e pesquisadora do Grupo de Relações Internacionais e Sul Global (GRISUL) da UNIRIO. Além disso, é migrante há 17 anos, tem vivido em vários países e, a cada dia, tenta compreender as nuances e particularidades do fenômeno da mobilidade humana. Aparte das migrações internacionais, também tem interesse nos estudos latino-americanos, na integração regional, nas políticas públicas, na democracia, na literatura e numa infinidade de outros temas