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sábado, dezembro 21, 2024

Quase metade das crianças refugiadas no mundo está fora da escola, aponta ACNUR

Dado faz parte de relatório global do ACNUR, que também destaca sucessos e barreiras para inclusão de refugiados em escolas

Por Dominique Maia

Um relatório recente divulgado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), com base em informações coletadas em 65 países, revela que quase metade das 14,8 milhões de crianças refugiadas ao redor do mundo está fora da escola.

Passados cinco anos desde o lançamento da Estratégia de Educação de Refugiados 2030 da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), o relatório de 2024 faz um balanço dos avanços e dos desafios na inclusão educacional de crianças e jovens refugiados ao redor do mundo. Com a meta de garantir o acesso equitativo e de qualidade à educação, o relatório destaca os sucessos alcançados, mas também evidencia barreiras que continuam a impedir a plena inclusão escolar de milhões de refugiados.

Os dados obtidos nos 65 países analisados – entre os quais o Brasil não está incluído – apontam que fatores como insegurança, falta de políticas educacionais adequadas, capacidade limitada de acolhimento e barreiras linguísticas são os principais obstáculos que impedem essas crianças de atingirem seu pleno potencial, colocando em risco suas perspectivas futuras.

“A educação pode salvar vidas – as evidências são claras”, disse o Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi. “A educação está associada a uma menor probabilidade de gravidez na adolescência e casamento precoce, dando às meninas a possibilidade de moldar seus próprios destinos. Para os meninos, mais anos de educação se traduzem em uma menor probabilidade de comportamento de risco, o que leva a menos violência e vitimização. E para todos, a educação abre portas para maior acesso ao mercado de trabalho e permite que os refugiados possam sustentar suas famílias. Inequivocamente, a educação se traduz em vidas melhores. À medida que nos aproximamos de 2030, vamos reafirmar nosso compromisso com o direito das crianças e jovens de aprender.” 

Leia aqui o relatório completo: Refugee Education: five years on from the launch of the 2030 Refugee Education Strategy

O que é a Estratégia de Educação para Refugiados 2030?

A Estratégia de Educação para Refugiados 2030 foi lançada pelo ACNUR com o objetivo de garantir que crianças e jovens refugiados tenham acesso equitativo e de qualidade à educação em sistemas nacionais. A iniciativa busca promover a inclusão sustentável dos refugiados, envolvendo múltiplos atores como governos, organizações internacionais e o setor privado, e foi concebida como uma resposta à crescente população deslocada forçadamente.

A iniciativa visa abordar lacunas existentes, com foco em garantir que essas crianças e jovens possam desenvolver seu potencial e contribuir para as sociedades onde vivem. O plano delineia três objetivos principais:

1) promover a inclusão equitativa e sustentável em sistemas nacionais de educação;

2) criar ambientes seguros que incentivem o aprendizado de todos os estudantes, independentemente de gênero ou status migratório;

3) capacitar os estudantes a utilizar sua educação para construir um futuro sustentável.

O esforço também reconhece a importância da solidariedade internacional e da partilha de responsabilidades entre os países anfitriões e a comunidade global, especialmente diante das barreiras contínuas ao acesso à educação, como a falta de recursos, despesas educacionais e exigências burocráticas.

Ao longo de cinco anos, a estratégia já registrou progressos importantes, como o aumento da matrícula em vários níveis educacionais. No entanto, desafios substanciais permanecem, especialmente no que diz respeito à inclusão de refugiados em níveis de ensino superior e à eliminação de disparidades de gênero na educação. O ACNUR ressalta que, para alcançar as metas propostas até 2030, será essencial fortalecer parcerias, aumentar os investimentos e implementar políticas educacionais mais inclusivas.

Leia também: Garantia do acesso à educação por crianças migrantes vai além da escola, mostra pesquisa

Avanços e desafios na educação para refugiados

No final de 2023, o número de pessoas deslocadas à força no mundo chegou a 117,3 milhões, com cerca de 31,6 milhões de refugiados. Desses, aproximadamente 14,8 milhões são crianças em idade escolar, e cerca de 49% delas estão fora da escola. Ou seja, 7,2 milhões de crianças refugiadas ainda não têm acesso à educação, apesar dos esforços globais para integrá-las nos sistemas educacionais dos países que as acolhem.

Em termos de dados de matrículas, dos 65 países que abrigam refugiados e foram analisados no relatório, a taxa média de matrícula para crianças refugiadas é de 37% no pré-primário, 65% no ensino primário, 42% no secundário e apenas 7% no ensino superior. Esse progresso, no entanto, é desigual entre os países.

De acordo com o ACNUR, países como Uganda, que investiram em campanhas de retorno às aulas e na construção de salas de aula, apresentaram um aumento expressivo de 20 pontos percentuais na taxa de matrícula no ensino primário. Por outro lado, em países como o Sudão, o número de matrículas caiu drasticamente devido ao aumento no número de refugiados e à instabilidade causada por conflitos internos.

O relatório destaca que, além do acesso, a qualidade do ensino também é uma questão crítica. Embora os estudantes refugiados tenham taxas de aprovação em exames nacionais que, muitas vezes, superam a média nacional, os desafios persistem. A escassez de professores qualificados e as altas proporções de estudantes por professor afetam o aprendizado.

Impacto do conflito na Ucrânia na educação

Desde o início do conflito em 2022, aproximadamente 1,3 milhão de crianças ucranianas fugiram para países vizinhos, mas cerca de 600 mil continuam fora das escolas nos países de acolhimento. Embora alguns países tenham conseguido integrar a maior parte dessas crianças em seus sistemas educacionais, como a Irlanda, com uma taxa de matrícula de 97%, outros enfrentam grandes dificuldades. Na Bulgária, por exemplo, apenas 18% das crianças refugiadas estão matriculadas em escolas locais.

A situação é especialmente preocupante para adolescentes de idade secundária (12 a 17 anos), que apresentam taxas muito baixas de matrícula em comparação com crianças mais jovens. Em muitos casos, as famílias optam por manter seus filhos no sistema de ensino remoto da Ucrânia, o que impõe uma “dupla carga” de estudos, dividida entre o currículo ucraniano e o do país de acolhimento. Além disso, problemas como a falta de vagas, dificuldades com o idioma e a expectativa de retorno ao país de origem têm impedido muitas famílias de matricularem seus filhos em escolas regulares.

Com o prolongamento da guerra e a incerteza sobre o futuro, cresce o risco de uma crise educacional prolongada entre as crianças e jovens refugiados ucranianos. De acordo com o ACNUR, a falta de educação presencial pode levar a perdas significativas de aprendizado, impacto negativo na saúde mental e uma menor chance de completar o ensino secundário ou ingressar no ensino superior.

Leia também: Guerra na Ucrânia evidenciou preconceito étnico e acolhida seletiva a refugiados

Como a xenofobia e a violência ameaçam o acesso à educação?

Em diversas partes do mundo, refugiados enfrentam não apenas a necessidade de adaptação a novos países, mas também barreiras como a violência e a xenofobia, que dificultam o acesso à educação. No Equador, por exemplo, o aumento da violência urbana forçou o fechamento de escolas, o que obrigou estudantes a continuar os estudos remotamente. Esse é o caso de Gloria Fernández, uma jovem deslocada da Venezuela, que, junto com seus irmãos, precisa revezar o uso de um celular até altas horas da noite para concluir as tarefas escolares.

Embora o Equador tenha políticas inclusivas que permitem a matrícula de crianças refugiadas nas escolas, a falta de recursos para materiais escolares e uniformes, combinada com atos de xenofobia, impedem muitos de continuarem os estudos. Iniciativas como o programa “Respiramos Inclusión”, promovido pelo ACNUR, tentam mitigar esses problemas, incentivando o diálogo sobre identidade, diversidade e justiça social em mais de 250 escolas no país.

Em outros lugares, como a Hungria, crianças refugiadas ucranianas enfrentam um duplo desafio: estudar tanto o currículo local quanto o ucraniano à distância. Embora alguns refugiados consigam se adaptar e prosperar nas escolas locais, como é o caso de Ruslan Mustafaiev, um jovem que fugiu de Melitopol, a sobrecarga de estudar dois currículos muitas vezes se torna insustentável para os estudantes. O acesso a programas de apoio nas escolas húngaras tem sido importante para ajudar essas crianças a superarem as barreiras linguísticas, além de proporcionar um espaço seguro para o aprendizado e a socialização.

Segundo o relatório do ACNUR, essas histórias evidenciam a complexidade das situações vividas por refugiados em diferentes contextos e a importância de iniciativas educativas que não apenas forneçam acesso à escola, mas também ajudem a criar ambientes acolhedores e seguros para que crianças e jovens refugiados possam reconstruir suas vidas.


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