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quinta-feira, novembro 21, 2024

Quebrando estereótipos e criando pontes, Museu da Imigração reabre em São Paulo

Neste sábado (31), São Paulo ganhará de volta um importante espaço de reflexão sobre o passado, o presente e para o que se deseja no futuro. É o Museu da Imigração, instalado na antiga Hospedaria do Brás (que também abriga o Arsenal da Esperança) e que chega com uma nova proposta: ajudar a trazer para a atualidade a questão da imigração – jogando por terra a ideia de que ela é algo restrito à história – e aproximar o público em geral do tema.

Junto com a reabertura (veja aqui a programação) será inaugurada também a exposição de longa duração “Migrar: Experiências, Memórias e Identidades”, que carrega elementos de mostras anteriores do Museu e tem como objetivo aproximar o público das experiências vividas pelos imigrantes que chegaram a São Paulo – em suma, fazer com que o visitante se coloque no lugar do outro.

Depois de quatro anos em obras, Museu da Imigração reabre neste sábado com o desafio de trazer o tema da imigração para a atualidade. Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Depois de quatro anos em obras, Museu da Imigração reabre neste sábado com o desafio de trazer o tema da imigração para a atualidade.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim

Os primeiros dois meses de funcionamento do Museu terão entrada gratuita e servirão como uma espécie de teste para checar a recepção do público e montar a programação para os meses seguintes. Até o final do ano devem ser instalados um posto do Acessa São Paulo, cafeteria, loja e um Centro de Preservação, Pesquisa e Referência – destinado em especial para pesquisadores interessados em conhecer melhor o acervo do local e debatê-lo com a equipe do próprio Museu. A próxima edição da Festa do Imigrante, marcada para 20, 26 e 27 de julho, também usará parte do espaço do Museu e está inclusa nessa programação inicial.

Em entrevista ao MigraMundo, a diretora-executiva do Museu, Marília Bonas, fala desse novo conceito que o Museu carrega e da missão que ele assume: de sair do imigrante em si para falar da imigração como um fenômeno cada vez mais importante para o país. E também de servir como ferramenta de mediação entre diferentes culturas, garantindo o espaço de debate e de discussão.

MigraMundo: O Museu da Imigração está prestes a voltar, após quatro anos fechado. Ainda há alguém que se refere ao local como Memorial do Imigrante?

Marília Bonas: Vai ter muita gente que ainda vai lembrar sim, até porque muito da reputação desse lugar foi construída em cima do Memorial do Imigrante. Agora, para nós é uma mudança simbólica muito grande e importante, porque não estamos falando só do imigrante, mas da imigração como um grande fenômeno que continua e cada vez mais é uma pauta importante no Estado de São Paulo. Acho que esse é o grande salto semântico: sair do imigrante para falar da imigração, dos fluxos e da importância dessa dinâmica para o passado e no presente.

O que o museu pretende oferecer nessa nova fase?

Os dois primeiros meses serão de entrada gratuita, de terça a domingo. E isso tem o objetivo de principal de: primeiro, aumentar o fluxo e fazer com que as pessoas venham conhecer o museu; e a segunda é, a partir dessa devolutiva do público, estruturar programas para esses públicos. Nossa ideia é rejuvenescer um pouco essa questão da imigração, que tem uma ideia ainda muito cristalizada – tanto pela escola como pela construção das identidades em São Paulo – e ligada a essa imigração dos séculos XIX e XX, à imigração europeia. Nossa ideia é ampliar isso até os dias de hoje e chegar a todas as outras questões – imigração latino-americana, africana, dos haitianos. Tudo isso vai compor nossa discussão e nossa programação.

Na sua opinião, o que diferencia o Museu da Imigração de outros museus?

Acho que essa nova posição que o Museu da Imigração tem traz um assunto muito importante para a cidade e para o Estado, que é a construção das identidades. Temos alguns museus de história que abordam isso e para os museus de arte isso tem outro objetivo. Mas acho que a discussão das identidades no plural, de uma maneira afetiva (usamos a tecnologia no museu para aproximar, e não para deslumbrar, sair da caixinha histórico-acadêmica para se colocar no lugar dessas pessoas que vierem e vêm para cá) e o museu como essa ferramenta de reflexão eu acho que é uma novidade no Brasil.

Como está o diálogo com as várias instâncias do poder público e com as entidades ligadas aos imigrantes?

Temos uma grande felicidade que é trabalhar na perspectiva do direito cultural. Todas essas instâncias de articulação trabalham na garantia dos direitos básicos dos imigrantes e emigrantes. E a gente entra em um segundo momento, que é o do direito básico à representação. Isso é um privilégio nesse contexto e todos recebem a gente muito bem.

Para Marília Bonas, diretora-executiva do Museu da Imigração, o local é uma ferramenta de reflexão e de mediação sobre migrações e identidades.  Crédito: Rodrigo Borges Delfim
Marília Bonas, diretora-executiva do Museu da Imigração.
Crédito: Thâmara Malfatti

Quando assumimos o Museu há três anos, articulamos uma escuta sistemática do cenário da imigração – quem eram as pessoas-chave, quem trabalha com a questão, qual a legislação e os órgãos responsáveis. E nos surpreendemos com o quanto a questão era ainda carente de suporte político de todas as instâncias. Temos hoje um exemplo louvável na Prefeitura de São Paulo, com a Coordenação de Políticas para Imigrantes, a articulação da Conferência Municipal e agora com a Conferência Nacional de Migrações e Refúgio (Comigrar). Agora cremos que a imigração virou uma pauta e temos hoje uma possibilidade de ser uma ferramenta que potencializa a discussão desse assunto nessa esfera, principalmente da representação e das identidades.

Fale um pouco sobre a exposição “Migrar: Experiências, Memórias e Identidades”, que abre junto com a volta do museu.

Essa exposição nasceu ainda no Memorial do Imigrante, já com essa ideia de passar do imigrante para a imigração, e foi desenvolvida ao longo de quatro anos com várias equipes. O mote dela é ser panorâmica, sem um compromisso pedagógico estrito de contar a história da imigração no Estado.  O foco é o homem, o desejo do homem, o direito de imigrar, a questão da diversidade, e isso tendo como território o Estado de São Paulo. Ela começa lá na pré-história (para mostrar que imigrar não é uma exclusividade do século XIX), fala desses deslocamentos no Brasil até chegar ao século XIX, no contexto da grande imigração, usando recursos tecnológicos para aproximar – a ideia da exposição é que as pessoas vivam essa imersão dessas experiências. E depois passa-se um pouco pela ideia da ocupação do território, da contribuição de migrantes e imigrantes (lembrando que dos 2,5 milhões que passaram pela hospedaria, metade é de migrantes nacionais). O objetivo da exposição é aproximar essas experiências, fazer com que a pessoa se coloque no lugar do outro, seguindo o princípio da equidade – só é todo mundo igual porque somos todos diferentes. Garantir o respeito à diferença é a grande objetivo dessa exposição.

A reabertura do Museu foi antecedida por algumas exposições itinerantes, entre elas a “Ser Imigrante” e a “Viagem, Sonho e Destino”. O que elas têm a dizer sobre o novo museu? Elas continuam com a reabertura?

Essas duas exposições são como filhotes da exposição de longa duração. Haverá a parte desses trajetos e da experiência da hospedaria (que era o mote da Viagem, Sonho e Destino), com os depoimentos de história oral e as imagens. E é uma parte fundamental, já que São Paulo infelizmente é uma cidade que não tem a tradição de manter seus edifícios históricos, e temos o privilégio de estar aqui – são 2,5 milhões de pessoas que passaram aqui, mais todos os visitantes do centro de documentação, do memorial do imigrante e agora com o museu da imigração. São muitas experiências de vida dentro de um lugar só, algo muito forte e poderoso.

Já a Ser Imigrante continuará aberta em uma das salas do térreo do Museu porque achamos que ela tem esse pressuposto novo do museu, da preocupação de falar que o homem é iluminado por vários contextos históricos e carrega em si uma série de questões que são atemporais – medo, ansiedade, alternativa, falta de alternativa, a cultura que você leva e a que você abandona, a releitura de suas tradições e o desejo de mantê-las, a reinvenção disso. E como é ser imigrante em meio a isso? Não importa se é um imigrante espanhol de 1915, um peruano de 1998 ou um haitiano em 2014, são questões que perpassam.

A reabertura se dá junto com a Comigrar. Você já recebeu algum questionamento sobre isso?

De fato foi uma coincidência e tentamos fazer com que seja uma coincidência feliz. Porque será uma oportunidade para esse público da Comigrar estar aqui.  Tanto é que a organização da Comigrar está articulando uma visita para o domingo, até para estimular essa associação. Para nós é uma boa agenda porque mostra o quanto o tema é fundamental para o Brasil. A nossa tristeza é não poder participar da Comigrar e a Comigrar não poder vir à abertura.

Após a reabertura, quais os planos?

Primeiro temos a Festa do Imigrante em julho, nos dias 20, 26 e 27, agora com todo o museu aberto e somando com o do Arsenal da Esperança. Para gente é muito importante pensar que essas pessoas que vem para a festa para provar diferentes tipos de comida ou ver parentes dançar possam passar pela exposição e viver essa experiência, se identificar com ela e com as pessoas que compõem essa festa vai potencializar muito essa festa. Essa não é uma festa comercial e a festa tem como maior objetivo compartilhar esse patrimônio, esse saber. E a abertura do museu conecta e empodera a festa no calendário da cidade. Vai ser uma prova de fogo no sentido de despertar e estabelecer essa conexão.

Temos ainda uma série de desafios interessantes e enriquecedores, que inclui parcerias com outras instituições – como a Ellis Island, que é a hospedaria do imigrante de Nova York (que tem características diferentes, mas também carrega esse momento de contato e do desejo humano), com o Museu de Buenos Aires e com Museu Judaico de São Paulo.

4 COMENTÁRIOS

  1. […] “Para gente é muito importante pensar que essas pessoas que vem para a festa para provar diferentes tipos de comida ou ver parentes dançar possam passar pela exposição e viver essa experiência, se identificar com ela e com as pessoas que compõem essa festa vai potencializar muito essa festa. Essa não é uma festa comercial e a festa tem como maior objetivo compartilhar esse patrimônio, esse saber”, declarou Marília Bonas, diretora do Museu, em entrevista ao MigraMundo em maio de 2014. […]

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