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quarta-feira, novembro 13, 2024

Refugiado que escreveu livro por WhatsApp deixa detenção e sonha com nova vida

“Só quero estar em algum lado em que seja uma pessoa, não só um número, não só uma etiqueta, ‘refugiado’”, disse ao diário britânico The Guardian

Por Eduarda Esteves
Em São Paulo

Foram longos seis anos e três meses preso em um centro de detenção para refugiados na ilha Manus, em Papua-Nova Guiné, país situado ao norte da Austrália, na Oceania. A liberação do jornalista curdo iraniano Behrouz Boochani só teve êxito graças a um convite para participar de um festival literário em Christchurch, na Nova Zelândia.

Ainda preso, Boochani ganhou notoriedade internacional após escrever, pelo WhatsApp, o livro “No Friend But the Mountains: Writing from Manus Prison” (Nenhum Amigo Além Das Montanhas: Escrevendo a partir da prisão de Manus).

A obra foi lançada em 2018 e para ajudar e viabilizar a publicação, o jornalista trocava mensagens pelo aplicativo com o seu tradutor, Omid Tofighian. “O WhatsApp é como meu escritório”, disse na época. “Eu não escrevia no papel porque naquela época os guardas a cada semana ou a cada mês atacavam nosso quarto e remexiam nas nossas coisas. Eu estava com medo de perder meus textos, então era melhor escrevê-los e enviá-los”.

A jornada no barco pelo Pacífico

Boochani foi detido pela primeira vez em 2013 após chegar de barco do sudeste da Ásia. Ele fugia do Irã por causa de suas reportagens sobre o apoio à independência do Curdistão. Queria asilo na Austrália, mas imaginava que seria preso por anos no país.

“Eu não queria ir para a prisão no Irã, então saí e, quando cheguei à Austrália, eles me colocaram na prisão por anos”, disse em entrevista a jornalistas da BBC.

Os curdos são um povo sem Estado que vive em Iraque, Irã, Turquia e Síria. Os milhares de curdos reivindicam a criação de um Curdistão unificado, mas são percebidos como uma ameaça à integridade territorial dos países em que estão estabelecidos.

A escrita pela sobrevivência

O livro narra as condições precárias da prisão, a constante competição imposta aos refugiados detidos e o desafio de estar na condição de preso e longe de casa.

Em janeiro deste ano, a obra venceu o maior prêmio literário da Austrália, o Victorian Prize for Literature. Ele também ganhou na categoria de não-ficção do mesmo evento. Mas, não conseguiu comparecer a cerimônia de premiação por não ser liberado.

Livro de Boochani, que ganhou prêmio principal e de não-ficção do Victorian Prize for Literature.
Crédito: Reprodução

Em novembro, meses depois, foi novamente citado em outro festival literário. Desta vez, após meses de negociação com o governo da Austrália, conhecido pela rigidez na política migratória, conseguiu o bilhete de liberdade para voar ao evento na Nova Zelândia.

Após mais de 30 horas de voo, Boochani pousou em Auckland, maior cidade da Nova Zelândia. Em princípio, ele ganhou o visto de um mês, mas a ideia é contar com o apoio da Organização das Nações Unidas para encontrar um país que lhe conceda asilo político.

“Quando cheguei a Auckland foi muito estranho, porque pela primeira vez olhei para Manus à distância”, disse a um jornalista do diário britânico The Guardian. “Lá eu pensava sobretudo em sobreviver. Hoje estou feliz por ter sobrevivido.”

Saída conturbada

Contudo, a saída do jornalista não foi tão simples. O governo australiano exerce forte influência no processo migratório de Papua-Nova Guiné.

O convite para levar Behrouz ao festival partiu da escritora Rachael King, uma dos responsáveis pelo evento. Ela enviou formalmente um convite ao jornalista e ele logo aceitou, com uma condição.

Em entrevista ao jornal The Guardian, Rachael disse que Behrouz pediu que lhe fosse concedido o visto de visitante na Nova Zelândia.

Após a documentação autorizada e os trâmites concluídos, o jornalista chegou ao aeroporto e a emoção tomou conta dele ao reencontrar velhos amigos, alguns até companheiros de barco para chegar à Austrália.

Após alguns olhares desconfiados, Behrouz conseguiu entrar no avião rumo a liberdade.

“No meu coração estou feliz: me sinto livre”, disse. Ele estava sentado em um assento na janela e aos poucos observou a ilha da Nova Guiné se distanciar. “Aquele lugar era meu exílio”, relembrou.

O futuro de Boochani, no entanto, ainda é incerto no novo país. Ele tem o visto para permanecer por um mês. A esperança é de que os Estados Unidos possa o acolher como refugiado após esse período. 

Caso o seu pedido seja negado, ele pensa em morar na Europa e construir uma nova vida por lá.

Manus, em Papua-Nova Guiné

Manus, o polêmico centro de detenção de imigrantes, foi fechado no final de 2017. Boochani e outros internos foram transferidos para “acomodações alternativas”.  Na época, os 600 ocupantes foram enviados a três centros de trânsito.

A prisão era conhecida pela terrível política para tratar dos refugiados. A Austrália recusa todos os pedido de refúgio há cinco anos e por isso, todos os imigrantes que desembarcavam por lá eram presos no centro de detenção.

Mesmo se o pedido de refúgio fosse considerado bem fundamentado, não era aceito em território australiano.

Em 2018, os Estados Unidos concordaram em receber alguns dos refugiados do centro de detenção de Manus e da ilha de Nauru, na Oceania. Mais de 100 refugiados foram transferidos, mas, na época, Boochani ainda aguardava entrevistas com o governo norte-americano.

Centro de detenção em Nauru, utilizado para refugiados que tentaram entrar na Austrália. Crédito: N. Wright/ACNUDH

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