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terça-feira, novembro 5, 2024

Relatório traça perfil de imigrantes resgatados de trabalho análogo à escravidão no Brasil

No dossiê “Trabalho Escravo e Migração Internacional”, a Repórter Brasil disponibiliza dados inéditos ao analisar informações sobre 902 dos 1912 migrantes internacionais resgatados no país desde 2006

Por Vitória Dell’Aringa Rocha

A Repórter Brasil, organização de referência no combate e prevenção ao trabalho análogo à escravidão, lançou, no escopo de seu programa “Escravo, nem pensar!”, o dossiê “Trabalho Escravo e Migração Internacional”, trazendo dados inéditos sobre o perfil dos imigrantes resgatados do trabalho escravo no país desde 2006, quando foi registrado o primeiro caso de migrantes internacionais escravizados. Atualmente, não existe um banco de dados público que contenha esse tipo de informação no Brasil.

Para traçar o perfil de 902 das 1912 pessoas que foram resgatadas, a organização cruzou dados de diferentes fontes do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE): relatórios sobre operações de fiscalização e combate ao trabalho escravo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT); o Radar SIT, o Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil; e dados gerados pelo cadastro das guias de Seguro-Desemprego Trabalhador Resgatado. Dessa maneira, foi possível obter dados sobre raça, nacionalidade, gênero e idade dos resgatados, além de informações como nível de escolaridade, local de resgate e quais setores produtivos mais se beneficiam da mão de obra imigrante escravizada.

Além de disponibilizar esses dados de forma inédita, o dossiê – lançado oficialmente no último dia 24 de outubro – também fornece recursos para a elaboração e aprimoramento de políticas públicas e pesquisas que tenham como objetivo a erradicação da escravização de imigrantes no Brasil.

O que revelam os dados

O dossiê demonstra que, apesar de não ser possível definir um perfil “geral e único” sobre os trabalhadores migrantes internacionais resgatados, notam-se algumas tendências e padrões de exploração. O número de venezuelanos escravizados aumenta a cada ano: em 2017, eles representaram 6% dos resgates enquanto que, em 2023, este número saltou para 22%, mais do que triplicou. Os haitianos foram majoritariamente escravizados pelo setor de construção civil, enquanto a maioria dos bolivianos foi resgatada em oficinas de costura e em situação migratória indocumentada, o que era utilizado como instrumento de coação.

A confecção têxtil e a construção civil correspondem, respectivamente, a 52 e 16% dos resgates, sendo os setores que mais escravizaram migrantes internacionais no país, seguidos por agricultura e pecuária e fabricação ilegal de cigarros.

A maior parte dos migrantes internacionais resgatados no período são homens (78%), jovens (85% entre 18 e 39 anos), de baixa escolaridade (13% eram analfabetos e 50% estudaram até o 5º ano do Ensino Fundamental) e que se autodeclararam pardos (43%). Também foram resgatadas crianças (até 17 anos), que representaram 2% do total de vítimas.

Das 902 pessoas analisadas, 384 são da Bolívia, 192 do Paraguai, 145 do Haiti, 71 da Venezuela, 61 do Peru, 28 da China, 12 da Argentina, três das Filipinas, duas de Cuba, uma do Uruguai, uma de Portugal, uma do Irã e uma que não teve a nacionalidade identificada.

São Paulo foi o estado com o maior número de resgates (56% do total). No estado, 72% deles ocorreram na capital paulista, sendo 99% deles em oficinas de costura. Nesses locais, 74% dos resgatados eram da Bolívia, 16% do Peru, 6% do Paraguai e 4% do Haiti. Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso também estão entre o cinco estados onde mais migrantes internacionais foram resgatados.

Avanços e desafios

O relatório destaca que, a partir de 2006, a política nacional de combate ao trabalho escravo no Brasil passou a evoluir gradualmente em relação aos migrantes internacionais. Destaca-se, por exemplo, a compreensão de que é responsabilidade dos empregadores proteger e garantir os direitos dessa população, e que a exploração laboral está enraizada na vulnerabilidade socioeconômica dos imigrantes e no fato de muitos deles estarem indocumentados.

Dentre os principais desafios para acessar condições de emprego dignas e formais, foram mencionados o racismo, a xenefobia e a discriminação (por religião ou origem, por exemplo), além da barreira linguística, burocracias para regularizar a situação migratória, revalidar títulos e diplomas e para tirar a carteira de trabalho e a dificuldade de acessar informações sobre direitos trabalhistas.


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