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sábado, abril 27, 2024

Repensando a Cooperação em Política Migratória: as Falhas no acordo União Europeia-Tunísia

A cooperação entre governos na governança das migrações deve equilibrar a segurança com os direitos e a proteção dos migrantes, o que não ocorre na prática

Por Giselle Torrens*

Recentemente, a União Europeia e a Tunísia firmaram um controverso acordo chamado “acordo de parceria estratégica”, cujo principal objetivo é deter o fluxo migratório irregular de tunisianos rumo ao território europeu, em troca de ajuda financeira ao país do norte da África, que atravessa uma profunda crise econômica e escassez de produtos essenciais.

Embora o texto do acordo mencione a promoção de prosperidade compartilhada e o combate ao tráfico de pessoas, ele basicamente se concentra em conter a migração. Não traça estratégias para lidar com as raízes do problema, como conflitos, pobreza e mudanças climáticas, bem como não se empenha em oferecer soluções duradouras, apenas tenta deter o êxodo. Especialistas criticam essa abordagem voltada ao controle de fronteiras, negligenciando as origens da crise humanitária que assola países como a Tunísia há anos.

Origem do acordo

A parceria surgiu em meio a um aumento nas travessias e mortes ao longo da rota do Mediterrâneo Central neste ano. De acordo com a Frontex, a agência de fronteiras da UE, esta rota representou metade de todas as entradas não autorizadas detectadas na UE no primeiro semestre de 2023. As travessias se tornaram mais mortais, com mais de 400 afogamentos registrados.

A UE pressionou pela cooperação da Tunísia no controle de fronteiras após o crescente sentimento anti-imigração na região. Em uma cúpula em julho, a Presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, chegou a oferecer milhões de euros em apoio imediato e especificamente para o gerenciamento das fronteiras tunisianas. Em troca, espera-se que a Tunísia contenha o fluxo de migrantes que buscam chegar à Europa.

Especialistas em Direitos Humanos argumentam que o acordo firmado, além de ignorar os direitos dos migrantes, legitima o autoritarismo do Presidente Kais Saied no país do Norte da África.

Em poucas palavras, a abordagem atual da UE-Tunísia fica aquém de um quadro de migração justo e ético. Os líderes europeus deveriam se preocupar em estabelecer uma cooperação com base na solidariedade mútua, não na dissuasão unilateral.

Falhas diversas

O número de expulsões em massa e de abandono de migrantes em áreas de fronteira desérticas pela Tunísia só aumenta após o acordo. As chegadas de migrantes e as mortes no mar atingiram níveis recordes, mostrando que as medidas de contenção são ineficazes. Em vez de expandir vias legais de migração, o acordo adota uma abordagem centrada na segurança de contenção e dissuasão. Isso corre o risco de deslocar rotas de migração e tragédias para outras partes do Mediterrâneo.

O acordo responde aos sintomas, não às causas da migração forçada na África e na região do MENA (Middle East North Africa). No entanto, a UE continua a fornecer o suposto “apoio”, mesmo após as acusações de estar ampliando políticas migratórias abusivas e de violar direitos humanos. A ajuda incondicional europeia também alivia a pressão sobre o regime repressivo da Tunísia, que utiliza os sentimentos anti-migratórios para capital político.

Em vez de isolacionismo, a UE precisa afirmar a mobilidade humana como um direito e reinventar a cooperação em bases solidárias, devendo ajudar parceiros a fortalecer a sua governança e a capacidade de desenvolvimento. A migração deve ser compartilhada com ética, não apenas contida.

Em resumo, o pacto UE-Tunísia carece de uma visão de longo prazo e seu foco estrito em conter os fluxos de migrantes levanta preocupações de especialistas e da sociedade civil. A cooperação deve equilibrar a segurança com os direitos e a proteção dos migrantes. Caso contrário, o acordo pode apenas perpetuar políticas desumanas e comportamentos cada vez mais repressivos.

Sobre a autora

Giselle Torrens é Analista de Relações Internacionais, Mestre em Relações Internacionais da PUC-Rio e Doutoranda na Escola de Ciências Sociais (CPDOC/FGV-Rio).

2 COMENTÁRIOS

  1. O deslocamento forçado é uma questão muito importante e que deve ser debatida, não apenas a contenção e sim políticas eficazes para que o país de origem seja atrativo a permanência de cidadãos e cidadãs nativos.

  2. Perfeito. O artigo evidencia a preocupação dos países ricos em conter a migração, sem se preocuparem em viabilizar políticas sociais para o

    desenvolvimento da Tunísia, políticas essas, que ajudaria na fixação dos tunisianos na sua origem e que vidas não sejam tragadas pelo mar.

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