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terça-feira, outubro 15, 2024

São justos os exames para acesso à nacionalidade? O caso da Espanha

“A aprovação na prova depende também, e eis aqui a controvérsia, de um nível de instrução específico e, muitas vezes determinado, pelas condições socioeconômicas do candidato/a”

Por Guiomar Gude Romero
Em Barcelona, Catalunha (Espanha)
Tradução de Márcia Passoni e revisão de Thales Speroni
Link original (em espanhol) – clique aqui

Artigo é parte da parceria entre o MigraMundo e o CER-M, da Universidade Autônoma de Barcelona (UAB) e Universidade de Barcelona (UB)

Em outubro de 2015, entrou em vigor  na Espanha a lei 12/2015, a partir da qual passa a ser requerida a aprovação em dois exames (cultura e língua) para ter acesso à nacionalidade. Uma nova forma de determinar o grau de integração dentro da identidade nacional espanhola que foi idealizado para pôr ordem a um processo que, até o momento, dependia do critério arbitrário e injusto dos juízes. Mas será que agora tornou-se mais justo?

Dentre as críticas que suscitaram esta medida, o questionamento acerca do quanto o fato de impor a realização de um exame adultera a própria essência da integração tem sido constante. Entretanto, no momento, o conjunto de críticas tem focado no caráter excludente do exame de cultura. E não são poucas as contradições nas quais nós, examinadores de língua, esbarramos em cada prova.

Para começar, cabe mencionar que a prova de língua corresponde ao DELE A2 desenhada e gerida pelo Instituto Cervantes desde 2002. Originalmente, foi concebido como um exame acadêmico destinado a jovens estudantes e profissionais qualificados e foi a partir de 2015 que se estabeleceu como requisito para a solicitação da nacionalidade espanhola.

Exame atual para obter a cidadania espanhola é realmente justo?
Crédito: Jorge Franganillo/Creative Commons

Mas nem todos os candidatos são jovens estudantes ou profissionais qualificados. De fato, a diversidade de trajetórias educativas e a disparidade de níveis de formação são enormes. Sendo assim, ante um exame que não leva em conta esta situação, nós, examinadores, topamos habitualmente com casos de autêntica confusão. Porque a aprovação na prova depende também, e eis aqui a controvérsia, de um nível de instrução específico e, muitas vezes, determinado pela condição socioeconômica do candidato/a.

Isso significa então que existe um viés de classe social na prova de língua? A ordem ministerial art. 105 (JUS/1625/2016. De 30 de setembro) prevê a isenção da prova àquelas pessoas que demonstrem não saber ler e escrever. Ainda assim, nos deparamos com pessoas analfabetas a cada convocação. Qual é o problema então? Muitos dos candidatos demonstram não ter tido acesso à informação ou à oportunidade de declarar seu analfabetismo. A outros, a condição de analfabetos não foi reconhecida. De fato, a ordem não leva em conta os diversos tipos de analfabetismo e são numerosos os candidatos que mostram um analfabetismo funcional claro: sabem ler e escrever mas têm dificuldades para compreender textos escritos. Sendo assim, é fácil prever a frustração dos candidatos/as quando, com um nível oral muitas vezes satisfatório, se submetem a um exame que se baseia, em três quartos, no texto escrito. Estão inevitavelmente fadados a não aprovação.

Trata-se de uma situação injusta e dramática se levarmos em conta que centenas de pessoas, residentes e trabalhadores de longa duração, que se comunicam perfeitamente em espanhol, muitas vezes tem que se deslocar por dezenas de quilômetros, inclusive pagar uma estadia em hotel (mais as taxas do exame), com os esforços econômicos que isso tudo implica, para ao final, deparar-se com um exame no qual é impossível passar. As consequências? A exclusão no acesso a uma cidadania de pleno direito.

Em resumo, como examinadora, enfrento diariamente dois problemas que são dois lados de uma mesma moeda. Um deles tem a ver com as condições administrativas de acesso ao exame, que não conseguem solucionar a enorme desvantagem que sofrem as pessoas com algum tipo de analfabetismo. O segundo radica no fato de que o exame se baseia em um modelo linguístico e de aprendizagem da língua espanhola que depende, em grande parte, do texto escrito. Trata-se de uma concepção sobre a língua e algumas condições administrativas que, não se pode esquecer, determinam o “futuro espanhol” de muitas pessoas.

Guiomar Gude Romero é licenciada em filologia árabe, mestre em culturas árabes e hebraicas, mestre em ensino de espanhol como língua estrangeira, profissional de ELE, examinadora de DELE e estudante de pós-graduação Interuniversitária de Migrações, CER Migracions UAB-UB.

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