Por Lucia Sestokas
Com o objetivo de debater sobre a integração regional, o direito a migrar e os desafios atuais relacionados ao Acordo do Mercosul, aconteceu no último dia 25 o seminário “Acordo de Livre Trânsito e Residência do Mercosul e sua Efetividade – Pelo direito à livre circulação das pessoas migrantes e suas famílias”, organizado pelo Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC). O evento foi na Sala dos Estudantes da Faculdade de Direito da USP, em São Paulo.
A mesa foi mediada por Ricardo Jacques, representante da Central Única dos Trabalhadores (CUT), e contou com as apresentações de Cleyton Borges, Assessor Jurídico do CDHIC, e Paulo Illes, Coordenador da Coordenação de Políticas para Migrantes (CPMig) da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo. Estava prevista ainda a presença do diretor do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, João Guilherme Granja, cancelada por conta de um compromisso de última hora em Brasília.
O Acordo de Livre Trânsito e Residência para Nacionais dos Estados Partes do MERCOSUL foi assinado em 08 de novembro de 2002 na cidade de Salvador. Para o início de sua implementação, contudo, foi necessário o estabelecimento de múltiplos acordos bilaterais entre Estados-Membros, como por exemplo entre Brasil e Argentina (2005) e entre Brasil e Uruguai (2006). Em 2009 o Acordo passou a ter vigência para Argentina, Brasil, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai. São mais recentes as adesões da Colômbia e do Equador, após 2012. Vale lembrar que o Acordo do MERCOSUL, como acordo internacional tem a legitimidade de assegurar direitos, com exceção daqueles barrados pelas Constituições.
A necessidade da integração
Tania Bernuy, Coordenadora Executiva do CDHIC, apresentou o evento enfatizando a importância da efetividade do cumprimento do Acordo em questão, dada a expressividade da circulação entre os países sul-americanos e seu crescimento exponencial dos últimos anos. Convidados à mesa, as pessoas representantes consulares da Bolívia, Colômbia, Equador e Uruguai reforçaram que para a real efetividade do Acordo é necessário conhecer e cumprir não só os direitos, mas os deveres que vêm com a adesão ao pacto e com o pertencimento ao MERCOSUL.
Mostra-se cada vez mais recorrente a necessidade de encarar o esforço de integração como forma de superação dos entraves burocráticos à livre circulação e à cidadania universal. Nesse sentido, é de extrema importância a implementação no âmbito nacional de legislações internacionais da forma mais homogênea possível tanto dentro dos países quanto entre os países signatários. O Brasil, ao se colocar como potência internacional, posiciona-se como pólo atrativo de migração. Torna-se, por tanto, mais e mais urgente a necessidade de repensar as politicas de acolhimento nacionais.
O protagonismo do governo Lula foi apontado por Paulo Illes como essencial para forjar uma nova cara do MERCOSUL, pautando também temas sociais. Cresce a necessidade de aprender com as dificuldades enfrentadas pela União Européia que, servindo de molde para o MERCOSUL, também teve início como acordo econômico. Cabe também incorporar perspectivas da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL), cujo viés sócio-político terminaria por fortalecer a unificação sul-americana.
Cleyton Borges inicialmente reforçou o agradecimento ao Centro Acadêmico XXI de Agosto pelo acesso ao espaço da Sala dos Estudantes, símbolo de lutas de movimentos sociais. Em seguida, reforçou a importância de eventos que promovam o encontro e diálogo entre entidades da sociedade civil, comunidades sociais e o poder público. Foi pontuada a necessidade de transparência sobre o andamento dos processos de adesão da Guiana e do Suriname, assim como sobre a implementação da adesão da Venezuela.
É patente pontuar que o Acordo firmado em 2002 trabalha no sentido de garantir direitos tolhidos pelo Estatuto do Estrangeiro de 1980, como por exemplo o direito de fazer petições, de associação para fins lícitos, de ir e vir e de fazer transferências de remessas, assim como o direito à reunificação familiar e à igualdade de tratamento. Ainda, o Acordo protege as pessoas cidadãs do MERCOSUL de eventual punição por período de situação migratória irregular em forma de multas.
Não está previsto no acordo, por exemplo, o direito de flexibilização burocrática na abertura de contas bancarias. Ainda, o mesmo foi atingido por meio de acordos bilaterais entre a Prefeitura de São Paulo e a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil. Os acordos vieram como forma de combate à vulnerabilidade a que estão submetidas pessoas e famílias imigrantes que, sem acesso à conta bancária, eram obrigados a guardar seu dinheiro em casa, aumentando sua suscetibilidade a assaltos e invasões domiciliares.
Cleyton pontuou a necessidade de difusão de informações referentes às mudanças burocráticas na solicitação de documentos no Brasil. O representante do CDHIC apontou que atualmente é possível fazer os pedidos de antecedentes criminais no Brasil pela internet, assim como é possível iniciar o processo de renovação do visto provisório ate três meses antes do seu vencimento.
Sobre o processo de renovação de visto no Brasil, a necessidade de comprovação de renda exclui pessoas trabalhadoras informais, que não possuem carteira de trabalho. Uma das propostas expostas foi que sejam aceitas como válidas auto-declarações de trabalho e renda. Sobre a situação de menores imigrantes desacompanhados de um dos genitores, é atualmente necessária uma declaração judicial brasileira para a regularização documental de crianças e adolescentes nascidos em outro país. Foi proposta a oficialização da auto-declaração de responsabilidade por parte de um dos genitores.
Desafios pela frente
Illes apontou como alguns dos principais desafios a ainda serem superados: o problema da implementação interna dos tratados internacionais; o problema da extensa demora para conseguir documentos como o registro brasileiro e a carteira de trabalho; e a falta de conhecimento das instituições nacionais sobre os direitos das pessoas imigrantes. Ainda segundo o coordenador do CPMig, a maioria dos desafios apontados têm soluções simples. Foi apontado como sugestão o estabelecimento de um convênio entre o Ministério da Justiça e os municípios de forma a facilitar a emissão de carteiras de trabalho, aproximando os tramites burocráticos de emissão para brasileiros e imigrantes. Para tal, é necessário, contudo, mudar a visão ainda presente na legislação brasileira da pessoa imigrante como uma ameaça nacional, que precisa a todo momento ser mapeada e controlada. Paulo ressaltou ainda a necessidade do acompanhamento do Ministério da Justiça das condições de trabalho das pessoas imigrantes pelo Brasil.
A Prefeitura de São Paulo foi uma das instâncias governamentais a aprofundar o dialogo com comunidades imigrantes e pensar politicas públicas específicas. Nesse sentido, nasce em maio o abrigo emergencial para imigrantes, que será substituído em agosto pelo Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes (Crai), contando também com uma diversidade de outros serviços.
Falta, contudo, suporte institucional e legal no que toca demandas de grupos específicos de imigrantes. Ainda que haja muito a ser feito na luta pelos direitos das pessoas imigrantes no Brasil, é necessário não esquecer das lutas específicas dentro dos grupos de imigrantes, como por exemplo crianças e adolescentes imigrantes, mulheres imigrantes e imigrantes LGBT. As demandas especificas, não dissociadas das demandas gerais, acabam por fortalecer e enriquecer os movimentos pela imigração.