O segundo dia do Seminário Internacional: Museu, Migrações e Identidades, que aconteceu no Museu da Imigração de São Paulo, deu continuidade às discussões sobre identidade e representação iniciadas no dia anterior e mostrou as questões e perspectivas que museus do mundo todo lidam no trabalho de conservar e debater as migrações de ontem e de hoje.
Um deles é o Museu Nacional de Imigração e Colonização de Joinville (SC), mais antigo museu do Brasil voltado às migrações, que vive um momento de transição de um espaço voltado somente para a memória da imigração que formou a cidade (com foco na comunidade alemã) para uma instituição mais aberta às novas comunidades que chegam à cidade catarinense, como os haitianos.
“Se o museu não se aproxima dessas comunidades, ele não cumpre sua função social. Não se trata de destruir o trabalho já feito, mas de acrescentar, dar voz para que outras comunidades possam estar lá representadas”, explica Dilney Cunha, diretor do museu de Joinville.
Aproximar-se e manter o engajamento da comunidade com a qual dialoga é o desafio do Museu de Favela, fundado em 2008 no Rio de Janeiro e que fica entre os morros do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho. E com esse engajamento, entre outras metas, a ideia é mostrar que a favela (que também conta com muitos migrantes internos e internacionais nela vivendo) também é um ponto social e cultural. “A praia hoje é o grande local de sociabilização do Rio de Janeiro. A ideia é fazer Ipanema e Copacabana também subirem para a favela, fazer a favela ser reconhecida como parte da cidade”, diz Sidney Tartaruga, coordenador do Museu de Favela.
O painel da manhã teve ainda o relato da experiência do Horniman Museum and Garden, do Reino Unido, que passou de local idealizado por um colecionador para um espaço de articulação do movimento social e humano, com destaque para ações educativas sobre refugiados e seus direitos. “Eles cruzam fronteiras entre países, mas também cruzam fronteiras de entendimentos. E isto por si só já é uma experiência de empoderamento”, lembra Julia Cort, diretora de comunicação do Horniman Museum.
Jovens museus, grandes desafios
Já à tarde o debate foi voltado para três jovens museus de imigração existentes na América Latina, representados no seminário pelos museus de Buenos Aires, Montevidéu e pelo próprio Museu da Imigração de São Paulo.
Relacionar passado e presente por meio de testemunhos de migrantes e pela arte contemporânea é uma das apostas do Museo Nacional de la Inmigración de Buenos Aires (Argentina), inaugurado em 2013 em parte do prédio que foi o Hotel de los Inmigrantes. “Estamos tentando refletir sobre a formação da Argentina moderna, que cresceu sob a migração. Cada mostra é um “working in progress “, explica Marcelo Huernos, representando o museu.
Outro jovem museu é o Mumi (Museo de las Migraciones) de Montevidéu (Uruguai), fundado há três anos e instalado em um prédio que conserva parte da antiga muralha que cercava a capital uruguaia no período colonial. Para Irene Cabrera, diretora responsável pelo Mumi, o desafio atual é trazer jovens e famílias para o espaço, na Cidade Velha – conhecida área turística, mas que também reúne locais com problemas sociais. “A Cidade Velha é um local de tensões, onde estão bancos, galerias de arte, museus e onde tanto vivem pessoas de classe média como excluídos sociais- entre eles, os imigrantes de hoje”.
Já Marília Bonas, diretora executiva e técnica do Museu da Imigração de São Paulo, aproveitou o espaço para mostrar uma reflexão crítica sobre a trajetória recente do Museu após a reinauguração, em maio de 2014. Entre os desafios imediatos estão reconquistar parte do público do antigo Memorial do Imigrante e engajar as comunidades migrantes no espaço do Museu.
“Estamos em uma fronteira muito complexa de lidar com representações de identidades muito cristalizadas e tentar desconstrui-las para desfazer questões de superioridade. Por outro lado, o museu tem o papel também de promover a representação das migrações contemporâneas e internas”.
Ainda sobre a diferença entre o Memorial, mais focado no imigrante, e o atual foco na imigração do Museu, Marília pondera que é possível recuperar parte desse caráter mais pessoal do espaço, sem abandonar a proposta de debater e refletir sobre o fenômeno migratório. “As histórias individuais constroem um história coletiva. E acho que o museu tem de dar conta desses dois focos. Essa retomada não chega a ser um retrocesso se dermos espaço para múltiplas vozes”.
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