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sábado, abril 27, 2024

Sobre cruzadores (as) de fronteiras

Por Nello Pulcinelli

No fluxo migratório contemporâneo no Brasil, não identificamos significativamente Imigrantes oriundos de países norte-hemisféricos desenvolvidos (América do Norte, Europa ocidental, Ásia, etc.), mas sim pessoas em situação de migração vindas de países considerados econômico-industrial-tecnologicamente em desenvolvimento, onde as parcelas mais vulneráveis e excluídas da população estão submetidas a menores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) e de acesso às Políticas Públicas essenciais.

Nesse fluxo, notamos sobretudo nações latino-americanas hispânicas, caribenhas e africanas, cujo segmento migrante é estimulado por possibilidades (algumas vezes irreais) de desenvolvimento financeiro por meio de trabalho duro, com longas jornadas e por vezes sem direitos trabalhistas e organização abusiva, chegando a haver situações pontuais de trabalho análogo ao escravo.

Também integram fortemente essa movimentação, pessoas em situação de refúgio que, por definição, não tiveram outra alternativa senão deixar seus países de origem devido a fundado temor por sua vida e pela integridade dela, por conta de conflitos armados, disputas políticas violentas, violências perpetradas por governos e outros agentes públicos, intolerância religiosa, catástrofes naturais e perseguições por orientação sexual e identidade de gênero. Esse grupo está intensamente formado por seres humanos vindos de países africanos e do Oriente Médio, protegidos por pactos humanitários internacionais e legislações nacionais específicas.

Mas, afinal, imigrar ou refugiar-se é apenas transitar de um país a outro? O que mais envolve e permeia todo esse processo?

É sabido que, além dos inúmeros e importantes aspectos jurídicos, diplomáticos, históricos e sociológicos presentes e dos reflexos diretos de desdobramentos político-econômicos, há ainda configurações delicadas do que se compreende como um fenômeno psicossocial.

Imigrantes e refugiados são, acima de tudo, seres humanos e como tais possuem uma configuração extremamente complexa e múltipla, contendo intelecto, cognição, sentimentos, emoções, vivências, relações, moral, ética, cultura, habilidades, sensibilidades, e muito mais, o que os faz criaturas únicas.

São homens e mulheres, bebês, crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos, pais e filhos. Há entre eles estudantes e profissionais, artistas e atletas, cientistas e pesquisadores, civis e militares. Encontram-se nesse coletivo moradores do campo e da cidade, religiosos, agnósticos e ateus, conservadores e progressistas, pessoas comuns e anônimas e também de projeção pública. São como todos demais seres humanos, cheios de características e adjetivos que ora os distancia e ora os aproxima, como em toda sociedade.

Quando ocorre a ação migratória, propriamente dita, certamente serão encontradas pessoas trazendo consigo, quando Imigram ou se Refugiam, suas dores, traumas, sequelas, tristezas, medos, insatisfações, inseguranças, dúvidas, desinformações, raivas, revoltas, objeções, resistências, saudades, solidão, choques culturais, burocracias, tensões, dificuldades de comunicação, contatos com agentes estatais, preconceitos e discriminações, carregadas nas bagagens que, materialmente, muitas vezes são bem pequenas ou até nenhuma, mas existencialmente são universos imensos, inexplorados, desconhecidos para o novo contexto que os recebe cotidianamente…

Porém, nem tudo é negativo. A migração traz também esperança, alívio, perseverança, ânimo, disposição, objetivos, metas, diversidades, riqueza cultural, força de trabalho, qualificação profissional, experiências de vida, famílias, amores, patriotismo, idiomas, identidade, nomes, direitos, dignidade, religiões (espiritualidade, fé), recomeços, nova pátria, novo povo, adaptações, integrações, liberdade, direitos, novos aprendizados, partilhas e justiça, guardadas no mesmo lugar imaterial no interior de cada indivíduo.

Mas, nessa mobilização de povos por fronteiras, não há só o trazer e o carregar, há também o deixar. Quantas coisas Imigrantes e Refugiados deixam para traz, muitas vezes para nunca mais… Deixam a terra que os viu nascer e de onde muitos jamais pensou sair, seu povo, sua cultura, sua língua, as pessoas amadas, os entes queridos, a casa, propriedades, frutos de seu trabalho e esforço de uma vida, fotografias, lembranças, cores, sons, cheiros e sabores, e muitos deixam a própria alma… E, por mais coisas que tragam consigo nessa longa (por mais curta que possa parecer) viajem, que é também uma imensa transição, sempre deixam muito mais…

Quantas coisas envolvem ainda, na nação de chegada, a Imigração e o Refúgio, sempre escritos aqui com iniciais maiúsculas como mais uma forma de humilde homenagem. Vistos, “papeis”, taxas, polícia, indocumentação, cursos de português, informações sobre o país, conhecimentos das leis nacionais, trabalho, direitos trabalhistas e previdenciários, avaliação de currículo escolar, conclusão dos estudos, convalidação de diplomas, exercício da profissão, geração de renda, empregabilidade, gestão de negócios, educação e saúde públicas, mobilidade, transportes públicos, habitação, comunidade apoiadora de compatriotas, guetos, integração local, acolhidas, desconfianças, restrições, rejeições, e tantas outras questões.

Nesse contexto, muitas são as frases ouvidas por eles: seja bem-vindo; esse não é seu país; porque não volta pra sua terra?; vêm tirar nossos empregos; precisa de ajuda?; fala português?; estão invadindo nossa terra; porque o governo não impede a entrada deles?; o Brasil foi construído por imigrantes; falam muito enrolado; eles têm os mesmos direitos que nós, e um sem-fim de sentenças. Mal sabemos o poder de nossas palavras…

Por fim, há mais uma coisa que os que migram sempre portam consigo,. Um verdadeiro tesouro identitário e existencial. Inalienável quanto há vida: suas histórias. Histórias de jornadas de luta pessoal e familiar, de sonhos (e, as vezes, pesadelos), de alegrias e tristezas, de integração e de retorno. A estas lindas ou terríveis histórias de vida, com suas dores e doçuras, ônus e bônus, é dedicada cada palavra deste texto e, doravante, à sua contação será dedicado este espaço.

Pela liberdade de Imigração e Refúgio como Direitos Humanos, regularização já!

Sobre o autor

Nello Pulcinelli é assistente social, advocacy humanitário, teólogo social e político

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