Decisão vem poucos dias após a aprovação da Lei de Migração pelo Senado e mostra a necessidade de entender os direitos de brasileiros e não-brasileiros conforme a Constituição
Por Rodrigo Borges Delfim
De São Paulo (SP)
Por oito votos a zero, o plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu na última quinta-feira (20/4) pela constitucionalidade de concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC) a migrantes residentes no Brasil.
O dispositivo, previsto no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, garante “um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”. A decisão do Supremo se baseia no que está escrito no artigo 5º da Constituição, que prevê direitos igual para brasileiros e pessoas de outras nacionalidades residentes no país.
“A Constituição veda qualquer tipo de tratamento discriminatório e a Lei 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social) não estabeleceu a condição de brasileiro nato ou naturalizado como requisito para a percepção do benefício, de modo que o estrangeiro residente não está excluído da proteção legal”, observou o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que manifestou-se a favor da concessão do benefício assistencial – modificando entendimento apresentado anteriormente pelo Ministério Público Federal.
O tema entrou em debate no julgamento do Recurso Extraordinário 587.970, proposto pelo Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), que defendia que o benefício não pode ser concedido a estrangeiros, apenas para cidadãos brasileiros.
A decisão do STF acompanhou o entendimento de nota técnica enviada à PGR pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MPF), que destacou como inconstitucional a negativa de concessão de assistência social aos estrangeiros idosos ou com deficiência que não tenham condições de prover a própria subsistência ou de tê-la provida pela família.
Uma nova gramática
A decisão do STF vem poucos dias depois de uma conquista histórica para os migrantes, sociedade civil organizada e demais defensores dos direitos humanos: a aprovação da nova Lei de Migração pelo Senado, depois de pelo menos duas décadas de mobilização contra o atual Estatuto do Estrangeiro – que enxerga qualquer não-brasileiro vivendo no país como uma potencial ameaça à soberania nacional. A proposta, que aguarda sanção presidencial, equipara a lei migratória brasileira à Constituição, que veda distinção entre brasileiros e pessoas de outras nacionalidades residentes no país e passa a ver o migrante como um sujeito de direitos e de deveres em território brasileiro.
Esse contexto foi citado pelo procurador federal dos direitos do cidadão adjunto, João Akira Omoto, como uma mostra de como o texto constitucional precisa começar a ser entendido e aplicado pelo poder público.
“Na verdade passamos a trabalhar a partir de uma perspectiva de igualdade e de uma nova gramática de direitos humanos e fundamentais para aquele que não é brasileiro, conforme a Constituição, por todos os órgãos de governo. Isso é fundamental, e a decisão vai exatamente nesse sentido. Ainda na vigência do Estatuto do Estrangeiro, a interpretação que deve se dar às normas que tratam de direitos para os não-nacionais é aquela que esteja em conformidade com o artigo 5º da Constituição”.
Akira lembra ainda o caso da migração haitiana recente, que foi fundamental para setores como a construção civil, nos anos de crescimento econômico. E que depois de contribuírem com esse crescimento, eles também possuem o direito de serem assistidos pelo governo brasileiro. “Ela [a migração haitiana] foi fundamental para o impulso econômico daquele momento. Hoje estamos vivendo um momento econômico ruim e é natural que algumas dessas pessoas que estejam vivendo aqui também encontrem algum tipo de dificuldade e podem precisar desse benefício por algum tempo. É natural e desejável que o Estado brasileiro, neste momento, consiga atender às necessidades dessas pessoas.
Com informações do MPF e da PFDC