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sexta-feira, março 29, 2024

Fluxos migratórios para o Brasil e a importância da formação política para imigrantes e refugiados

Por Raíssa Maria Londero*

Nos últimos dias 18 e 19 de abril foi realizado o Curso de Formação Política para Imigrantes e Refugiados 2015, no Instituto Cajamar, em Jordanésia (SP), organizado pelo Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC), pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Grito de los Excluídos Continental. Este primeiro curso do ano abordou o tema “Repensando as políticas migratórias na visão dos movimentos sociais” e contou com a participação de mais de sessenta pessoas, de diversos países, dentre eles: Alemanha, Angola, Bolívia, Brasil, Camarões, Congo, Itália, Peru, República do Mali, representantes de movimentos sociais, de comunidades imigrantes, da comunidade acadêmica e sindical.

Após a abertura do evento, feita pela Diretora Executiva do CDHIC, Tânia Bernuy Illes, em que expressou a importância da criação de espaços de formação política e de discussão dos direitos humanos para o imigrante como um meio de informação, organização, e articulação dos movimentos sociais e, destacou, sobretudo, a incidência política participativa  originária do movimento social de migrantes, iniciaram-se os debates com os palestrantes convidados Profº Guilherme C. Delgado, Sr. Ricardo Zarattini e a Profª. Zilda Márcia Grícoli Iokoi.

Curso de formação aconteceu durante dois dias no Instituto Cajamar. em SP. Crédito: CDHIC
Curso de formação aconteceu durante dois dias no Instituto Cajamar. em SP.
Crédito: CDHIC

A exposição de Guilherme C. Delgado destacou a questão da efetividade e eficácia dos direitos sociais na atual conjuntura brasileira. Apontou que embora atualmente o período histórico e político do país se constitui na fase mais ativa de exercício dos direitos ao trabalho protegido (seguridade social) e de acesso à educação básica, ainda existem grandes lacunas no que tange ao resgate político de dispositivos de mesmo cunho social que estariam “sob forte objeção dos grupos hegemônicos de poder político”, e, que precisam ser fiscalizadas pelos movimentos sociais, tais como a comunicação social, a questão das terras indígenas e da proteção ao meio ambiente. O palestrante provocou os participantes imigrantes com a ideia de que é preciso mudanças estruturais que até hoje não foram tidas como prioritárias pelas políticas públicas, tais como as mudanças no sistema tributário (de caráter progressivo) e no sistema agrário, sendo estes, por sua vez, coerentes com o princípio da função social e ambiental da propriedade fundiária.

Posteriormente, Ricardo Zarattini expôs a sua trajetória militante na defesa dos direitos dos imigrantes, abordou a importância da aprovação de uma nova legislação migratória no Brasil que dê visibilidade aos direitos do imigrante enquanto detentores de direitos constitucionais assegurados. Defendeu que em um Estado cujo o regime vigente é o democrático, a participação é um exercício legítimo de todo cidadão, seja ele brasileiro, ou estrangeiro. Primou pela participação do imigrante nos processos deliberativos e decisórios das políticas nacionais e, não hesitou em se solidarizar na então “Campanha Aqui Vivo, Aqui Voto”. Esta, por sua vez, que apoia a alteração do parágrafo 2º do artigo 14 da Constituição Federal de 1988 através de apoio a Proposta de Emenda à Constituição nº 347 de 2013 – de autoria do Deputado Federal Carlos Zarattini (PT-SP), para permitir que imigrantes residentes em território brasileiro possam votar e ser votados.

A Professora Zilda Iokoi, apresentou consideração acerca da possibilidade-necessidade do imigrante agir politicamente através de novas formas de organizações que se realizem fora dos controles de partidos políticos e de eventuais sindicatos, isto porque, ela afirma que o Estado Moderno está fadado em uma crise de moralidade e, que a ética precisa ser resgatada por outras vias de ação social e política “de baixo para cima, e não de cima para baixo”. Depositou nos jovens imigrantes esta esperança.

O segundo dia do curso iniciou com uma dinâmica de grupos coordenada pelo representante da Central Única dos Trabalhadores, Sr. Alexandre Bento, que dividiu o público em cinco grupos, criados aleatoriamente com aproximadamente dez pessoas em cada. O desafio era que cada equipe apresentasse seus líderes de referência e explicasse quais habilidades reconheciam como legítimas neles. Posteriormente, a ideia foi de apontar todas as qualidades desejadas nestas personalidades, e concluir que nenhum dos ícones citados possuía todas as qualidades juntas. A interpretação acerca da incompletude individual teve por objetivo fomentar a reflexão de que a coletividade organizada possibilita maior êxito nas ações políticas.

A título de exemplo, os participantes com nacionalidade boliviana destacaram como seus líderes de referência: Carlos Palenque Avilés, Marcelo Quiroga Santa Cruz, Ángel Víctor Paz Estenssoro, Carlos Diego Mesa Gisbert, Alvaro Garcia Linera, Max Fernandez Roja, Bartolina Sisa. As características destacadas foram: coragem; bondade; solidariedade; sabedoria e visão. Os imigrantes do continente africano apontaram Chantal Beja, Nelson Mandela, Gandhi, Salif Keita, e alguns de seus parentes, principalmente a mulher na figura da mãe. Elucidaram que características como o poder e a sabedoria são muito valorizados por eles.

Cerca de 60 pessoas, de diversas nacionalidades, participaram do curso. Crédito: CDHIC
Cerca de 60 pessoas, de diversas nacionalidades, participaram do curso.
Crédito: CDHIC

Seguidamente, palestrou Paulo Illes, Coordenador de Políticas para Migrantes na Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo e Coordenador Regional da Articulação Sul Americana Espaço Sem Fronteiras, onde apresentou um panorama das políticas migratórias nacionais em desenvolvimento no Brasil. Pontuou a importância de um diálogo aberto entre as três esferas de governo (municipal, estadual e nacional) a fim de ampliar a efetividade e responsabilidade nas políticas migratórias. Falou sobre a realização da eleição dos Conselheiros Extraordinários do Conselho Participativo Municipal nas subprefeituras em que a presença do imigrante correspondia a, no mínimo, 0,5% da população local. E, que a criação deste processo eleitoral representa um avanço na inclusão dos imigrantes nesse espaço de atuação da sociedade civil.

Por fim, o Presidente do CDHIC e Secretário Executivo do Grito dos Excluídos Continental, Sr. Luiz Bassegio fez uma detalhada apresentação sobre os antecedentes históricos do Fórum Social Mundial das Migrações (FSMM, WSFM na sigla em inglês), enquanto espaço que se propõe facilitar a articulação de forma descentralizada e em rede de entidades e movimentos, em ações concretas, tanto em escala local como em internacional a fim de melhorar as condições dos imigrantes no mundo. Contou que o FSMM já se encaminha para a sua sétima edição, e que possui como desafio, entre outros: “Construir um novo paradigma civilizatório que garanta uma relação harmônica entre os direitos dos seres humanos e a mãe terra” e “Construir poderes locais, regionais, nacionais e mundiais, que permitam gradualmente ir conquistando espaço na definição de agendas públicas, programas e projetos”.

Durante o andamento das exposições dos palestrantes, foram feitas inúmeras intervenções dos participantes e, dentre as principais preocupações, registraram-se a) dúvidas quanto o acesso ao programa Minha Casa, Minha Vida; b) o tratamento diferenciado entre refugiados e imigrantes na questão de acesso à moradia; c) levantamento de divergências com membros da Polícia Federal, inclusive relatos de maus tratos aos imigrantes; d) possibilidade restrita de manifestação dos imigrantes no então inadequado Estatuto do Estrangeiro; e) interesse e dúvidas sobre a atuação dos Conselhos Participativos.

Ao final do encontro alguns planos de ações entre palestrantes e participantes foram traçados: criou-se uma Comissão para organizar um evento e ato cultural que lançará a Campanha “Aqui Vivo, Aqui Voto”; registraram-se interesse na permanência do processo de formação política e de mobilização dos imigrantes, bem como, adesão às próximas articulações a partir do espaço do Fórum Social Mundial de Migrações a ser realizado em 2016 no Brasil.

Em suma, os dois dias de curso sinalizaram o engajamento entre imigrantes, sociedade civil, acadêmica e política no combate a temas como a xenofobia, a discriminação racial e étnica, bem como a toda e qualquer forma de intolerância. Percebeu-se claramente o entrelaçamento dos elementos daquilo que Octavio Ianni[1] denominou de processo de transculturação. Ou seja, o encontro de diferentes culturas que se recriam no intercâmbio de valores e instituições, formas de sociabilidade e ideais, línguas e ritos, além de mestiçagens e hibridações. A promoção de espaços para Formação Política de Imigrantes e Refugiados só tende a multiplicar as histórias, os sonhos, as alteridades, as diversidades, as compreensões. Mas, principalmente, proporciona um necessário meio de resistência às relações negativas que não raramente os envolvem e os fragilizam nas relações sociais cotidianas.

*Raíssa Maria Londero é mestranda do Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina, PROLAM/USP e Assessora de Projetos do Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante (CDHIC)

[1]     IANNI, Octavio, 1926 -. Capitalismo, violência e terrorismo. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

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