Por Rodrigo Veronezi
Atualizado às 18h20 de 10.jun2021
Mesmo com o temor da pandemia de Covid-19, dezenas de representantes da comunidade turca foram ao vão livre do MASP (Museu de Arte de São Paulo), na última terça-feira (8), cobrar celeridade do governo brasileiro na avaliação dos pedidos de refúgio pendentes.
Cerca de 1.000 turcos vivem no Brasil atualmente, segundo estimativa da própria comunidade. Destes, cerca de 80 pessoas atualmente estão com pedidos de refúgio em trâmite e aguardam um parecer do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), vinculado ao Ministério da Justiça.
A comunidade turca, no entanto, estima que esse número já foi maior. “Mais de 120 pessoas saíram do Brasil por conta dessa incerteza do que pode acontecer com elas”, comenta Yakup Sağar, um dos solicitantes de refúgio que aguardam resposta do Brasil.
“Todos os países da Europa, sem exceção, EUA, Canadá e dezenas de outros países confirmam que há uma grande perseguição na Turquia e aprovam os pedidos de refúgio dos turcos. Mas o Conare no Brasil, há 4 anos, está tentando descobrir se existem motivos de turcos perseguidos pedirem refúgio no Brasil”, indigna-se Mustafa Göktepe, presidente do Instituto pelo Diálogo Intercultural, que organizou a manifestação.
Hizmet x Erdogan
O Instituto Pelo Diálogo Intercultural foi fundado em 2011, tem sede na capital paulista e até 2020 funcionou como Centro Cultural Brasil-Turquia. No entanto, a mudança no nome tem a ver com uma realidade já vivida no país situado entre a Europa e a Ásia e que se reflete também na diáspora turca.
A entidade tem como inspiração o movimento Hizmet (serviço”, em turco). Iniciado na década de 1970, ele atua nas áreas de ajuda humanitária, desenvolvimento comunitário, construção da paz, diálogo intercultural e inter-religioso, mídia e principalmente educação. Seu idealizador é o clérigo Fethullah Gülen, ex-aliado e hoje considerado inimigo do atual presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, cada vez mais criticado na comunidade internacional por seus atos antidemocráticos.
Em 2013, Erdogan declarou o Hizmet como inimigo do país e tem perseguido seus integrantes – dentro e fora da Turquia. O movimento do presidente surge em meio a denúncias de corrupção que começaram a pipocar contra seu governo.
“Desde que Erdogan declarou o movimento Hizmet como o inimigo do país, todos os professores e funcionários que trabalharam nas escolas e universidades que o Hizmet abriu passaram a ser “terroristas”. Os pais que mandaram seus filhos para escolas do Hizmet são “terroristas”. Se uma criança de 14 anos recebeu uma chamada de algum suspeito mesmo senda da sua família, ela é “terrorista”. Fazer parte de uma associação educacional ou de ajuda humanitária também te faz uma terrorista na Turquia de hoje”, exemplifica Hasan Sertturk, que também solicita refúgio no Brasil.
Foi essa situação que levou o antigo Centro Cultural Brasil-Turquia a mudar de nome, em 2020, de forma a manter o propósito de diálogo intercultural que já não encontra mais a partir do governo atualmente no poder em Ancara.
Caso Sipahi
Os temores dos solicitantes de refúgio turcos no Brasil não são infundados. O exemplo prático é a situação vivida pelo comerciante turco naturalizado brasileiro Ali Sipahi, que teve a extradição pedida pelo governo Erdogan em 2019.
Sipahi foi preso no aeroporto Internacional de Guarulhos (SP) em abril de 2019, após voltar de uma viagem aos Estados Unidos e só foi libertado quatro meses depois. Isso porque uma decisão unânime do Supremo Tribunal Federal barrou o processo de extradição.
A Corte entendeu que, na Turquia, não haveria garantia de devido processo legal e apontando que o governo Erdogan vem sendo questionado por “atitudes de menoscabo à democracia”.
É esse mesmo entendimento do Supremo que os solicitantes de refúgio cobram do governo brasileiro, seja com ações na Justiça, seja com o ato público realizado no vão livre do Masp.
No começo deste ano, um grupo de famílias turcas entrou com um mandado de segurança na Justiça brasileira para pedir que o seu pedido de refúgio no país seja julgado rapidamente. Essa demanda recebeu parecer favorável da 5ª Vara Federal Cível da Justiça Federal do Distrito Federal.
Segundo declaração dos manifestantes distribuída à imprensa, o Conare informou, após a decisão da Justiça, que “a situação da Turquia é complexa e ainda estão trabalhando para ter um conhecimento sólido sobre o país”.
Também à espera de uma resposta do governo brasileiro, Mikail Akça agradeceu o apoio que a comunidade vem recebendo de instituições da sociedade civil que trabalham com a questão do refúgio e direitos humanos – como Caritas, IMDH, Conectas, Human Rigths Watch, Missão Paz e outras). “Nos ajudaram, prepararam relatórios, pediram atenção das autoridades. Mas infelizmente nem tudo depende da vontade deles”.
Outro lado
Procurado pelo MigraMundo, o Ministério da Justiça – ao qual o Conare está submetido – informou que o pedido de refúgio passa por várias etapas até chegar à decisão do Comitê.
“A análise varia de acordo com a nacionalidade dos solicitantes, com a atualização cadastral (possibilitando contatá-los quando necessário), com a história específica de cada solicitante, com a complexidade do caso, bem como com as informações disponíveis do país de origem”, disse a pasta, por meio da assessoria de comunicação.
O Ministério da Justiça afirma ainda que o prazo para avaliação das solicitações de refúgio tem sido de três anos, em média, podendo variar para mais ou para menos de acordo com cada caso.
Também procurada pelo MigraMundo, a Embaixada da Turquia no Brasil reafirmou que classifica o Hizmet como um grupo terrorista e que o país é regido por um regime demcorático.
“A Turquia é um país democrático que atribui a maior importância ao princípio do “Estado de direito”. Assim, as pessoas só são processadas na Turquia de acordo com o princípio do “Estado de direito”, com a máxima consideração pelos direitos humanos e pelas liberdades democráticas”, disse em nota o embaixador turco no Brasil, Murat Yavuz Ateş.
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