Por Katherine Rivas
Apesar desses tempos pandêmicos, a essência desta nobre profissão que é o jornalismo permanece sempre viva nos corações, alimentando a esperança necessária para encarar os dias atuais.
Seja no escritório ou no home office, o que não falta nunca são bloquinhos de notas, agendas sem fim, fontes, deadlines apertados e muito café para acompanhar a rotina.
Mas nesta semana em que se lembra o Dia do Jornalista (7 de abril), gostaria também de fazer um apelo a uma causa que comecei a defender há alguns anos: a diversidade no mercado de trabalho, principalmente quando falamos de imigrantes e refugiados nas redações brasileiras.
E sou suspeita a falar disso porque sou uma gringa de carteirinha! rs. Cheguei no Brasil em 2012 à procura de novas oportunidades e com uma bagagem gigante de sonhos. Mas desde a faculdade já ouvia que se tornar repórter no Brasil era uma missão complexa, ainda mais se você fosse um estrangeiro (imigrante ou refugiado).
Eram uma série de elementos que contavam na hora de ter uma dessas oportunidades privilegiadas: talento, resiliência, facilidade e agilidade na hora de escrever e principalmente muito QI. É claro, que este último item, ficava ainda mais complexo para nós imigrantes. Afinal, por que estaríamos habilitados a conquistar uma posição destas em um país diferente?
Por muitos anos o discurso da sociedade quase vinha pronto. Comentários como “Já pensou em ser correspondente do seu país?” ou “Por que não tenta um trabalho no seu país, com toda essa bagagem adquirida no Brasil, poderia dar certo lá”. “Ser repórter no Brasil? Magina, aqui é super difícil”.
E nada contra os correspondentes, que por sinal fazem um trabalho extraordinário que requer ainda mais experiência e preparação. Mas o meu questionamento é bem simples: e se nós imigrantes e refugiados, residentes do Brasil, decidíssemos que o nosso lugar também é aqui, trabalhando nas grandes e pequenas redações? Ou no jornalismo independente? Seria isso uma afronta para alguns segmentos da comunicação, ou estaríamos prontos para lidar também com este tipo de diversidade?
E foi este desafio que assumi nos últimos seis anos, desde que eu peguei meu diploma na faculdade de jornalismo. Sabe o motivo? Acredito que nós imigrantes e refugiados temos um olhar diferenciado. Aquela bagagem que vem daqueles que carregam consigo as marcas de uma cultura diferente, a história de um país diferente, mas que ao imigrar se misturaram com os traços de viver e sobreviver no Brasil. A nossa história é um emaranhado de sentimentos, percepções e visões, que podem enriquecer e muito a arte de fazer reportagem.
É claro que a jornada destes seis anos não foi nada fácil. Desde que consegui meu primeiro estágio em uma redação até hoje, sempre lidei com o fato de ser a única imigrante da equipe. Em grandes e pequenas redações, em trabalhos fixos e em frilas. Às vezes me invadia a curiosidade: Imagine só não ser “diferente”, chegar ao trabalho e ouvir outros sotaques, outros “gringos” correndo atrás dos sonhos. Nesse tempo, só tive o privilégio de conhecer alguns, menos de 10 com certeza.
Ser imigrante no jornalismo brasileiro é algo apaixonante, mas também nem sempre é tarefa fácil. Para furar essa bolha, você lida com o desafio de provar duas vezes a sua capacidade, e mostrar para seus colegas e suas fontes que apesar do sotaque e o idioma nativo ser bem diferente, é possível sim escrever, apresentar, apurar bem, fazer boas reportagens. A depender da redação e de quanto a diversidade esteja presente nela, a jornada fica mais fácil de levar.
Porém, não que isso seja a regra, na verdade acho que é a exceção. E acredito que ainda há muito a ser feito para que as redações brasileiras estejam prontas para acolher a diversidade.
No passado, já ouvi muito falar de que redações são lugares fechados, conservadores e nem sempre são lugares para imigrantes. Curiosa do jeito que sou, sempre decidir tentar e contrariar estes comentários. Na real, eu acredito que lugar de imigrante e refugiado é onde ele quiser.
É só olhar ao redor! Temos muitos comunicadores de outras nacionalidades no mercado brasileiro, a maioria atuando de forma independente. Todo ano as faculdades também ganham sua cota de diversidade, com novos imigrantes e refugiados escolhendo jornalismo como profissão. Mas agora fazendo as contas: Quantos estudantes de jornalismo imigrantes ou refugiados você conhece?
E a pergunta inevitável: Quantos imigrantes e refugiados trabalhando nas redações do Brasil você conhece?
E vou mais fundo ainda. Qual o perfil destes imigrantes, considerando a interseccionalidade? São europeus, americanos? Ou são latinos, africanos, asiáticos? Sim, infelizmente, isso também conta.
Falar de diversidade no jornalismo é um trabalho árduo. Reconheço e admiro muito o trabalho dos movimentos de jornalistas negros, jornalistas da periferia, que lutaram para ocupar seus espaços no jornalismo. E foi graças a essa luta incansável, que eles conseguiram mudar um pouco essas estruturas. Uma conquista para a diversidade!
Mas uma coisa que me chamou a atenção é que nunca vi um movimento da nossa categoria acontecer. Jornalistas imigrantes e refugiados reivindicando seus lugares na profissão. Onde vocês estão? Por que ainda não abraçamos essa causa?
Nesta semana em que lembramos o dia do jornalista, gostaria de deixar esta reflexão: se você é imigrante ou refugiado, seu lugar não é onde a sociedade determina, e sim onde você quer estar.
Se você, jornalista ou estudante de jornalismo, já ouviu por aí que “Redação não é lugar para imigrantes”, por favor ignore! Saiba que seu lugar no mercado de trabalho dependerá das suas decisões, do seu esforço e de quanto acredita nos seus sonhos. Seja na grande redação, no jornalismo independente, na assessoria de imprensa ou na agência de mídia social.
Seu lugar, jornalistas imigrantes e refugiados, é onde vocês decidirem estar hoje! Por mais longe e complexa que essa trajetória pareça, sempre há um lugar para nós que temos a coragem de encarar um recomeço.
Te escrevo com carinho esta mensagem, entre anotações de bloquinho e correria que uma vida de redação proporciona. Mas que nossa, é uma rotina muito gostosa e viciante!
Foram muitos desafios e dores para chegar aqui, acredite. Ainda mais quando decidi trabalhar com reportagem na área econômica, falando de capital aberto, um segmento ainda mais conservador e elitista do que o próprio jornalismo. Mas valeu cada segundo!!
Espero que um dia, colegas jornalistas imigrantes e refugiados, nos encontremos quem sabe no meio de uma coletiva, nos corredores de uma redação ou em uma conversa descontraída com cafezinho em mãos para falar das aventuras dessa nossa profissão apaixonante. Ficarei muito feliz em saber que há mais gringos que decidiram furar essa bolha! Além claro de ouvir novos sotaques!
Sobre a autora
*Katherine Rivas, nascida em Chiclayo (Peru), mora no Brasil desde 2012. É jornalista por formação e repórter por paixão. Atualmente trabalha com jornalismo econômico e de finanças na redação do InvestNews. Acredita fervorosamente no poder da diversidade na educação financeira. Teve passagens pela IstoÉ Dinheiro, Money Report e colaborou com Exame, Folha e GQ Brasil.
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