Por André Gabay Piai
Altamente divulgado pelos grandes veículos midiáticos mundiais, sabe-se que a Síria e a Turquia e, em menor escala, o Chipre e o Líbano, foram atingidos, no dia 6 de fevereiro, por um terremoto de magnitude 7,8 na escala Richter. Considerado como um dos abalos sísmicos mais fatais do século, os números oficiais de mortos atingem a casa dos 30 mil. A ONU estima que 50 mil pessoas tenham morrido com os desabamentos que provocou a tragédia.
Com as buscas por sobreviventes e por mortos chegando ao fim, soma-se a este número 86 mil feridos. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, visitou os locais mais atingidos e fez um primeiro pronunciamento quando as mortes já estavam na casa de 8 mil.
Neste contexto, não muito longe do Curdistão turco, a província de Kahramanmaras, uma das mais próximas do epicentro do terremoto, foi uma das mais afetadas pelos eventos do último dia 6. Antes mesmo dos abalos sísmicos atingirem a região, o lugar já era povoado por uma população em situação de extrema vulnerabilidade, os refugiados que escaparam dos conflitos na Síria de Bashar Al-Assad.
Novos traumas
Há pouco fugidos da guerra civil que assola seu país desde meados de 2011, os refugiados sírios presentes no sul da Turquia enfrentam novamente enormes dificuldades. Ainda que frágil, a estabilidade conquistada na Turquia após os anos de conflitos armados fica estremecida. Os traumas causados pela guerra e pelo exílio se adicionam às incertezas impostas pelos abalos sísmicos que impactaram a região e a um inverno particularmente rigoroso. Fortes chuvas e nevascas castigam a Síria e a Turquia desde o início da estação, no dia 21 de dezembro no hemisfério norte.
Nesta região, as comunidades turca e síria coexistem desde que se iniciaram os conflitos no país vizinho. A Turquia é o país do mundo que mais recebeu refugiados sírios desde a eclosão da guerra civil – são mais de 3 milhões desde o início dos conflitos, em 2011. Os deslocados de guerra relatam um cenário de hostilidade e e de discriminação, acentuado pela mais recente tragédia.
Conforme relata o Alto Comissariado para Refugiados das Nações Unidas (ACNUR), muitos refugiados foram atingidos pelo terremoto princioal e pelos tremores que seguiram, dada a região em que ocorreu tal evento. Porém, não há, até o momento, números oficiais que permitam dimensionar quantos deles foram atingidos. O que se sabe é que há, na região em questão, quase 2 milhões de refugiados sírios em uma zona de 15 milhões de habitantes.
Tensões
Desta maneira, alimentadas pela classe política turca, o terremoto reacendeu tensões entre os dois povos – sírios e turcos – e abalou as poucas e frágeis certezas das famílias de refugiados sírios que povoam a região. Com um inverno particularmente rigoroso e com temperaturas que descem até -1º celsius, as famílias buscam se manter aquecidas como podem.
Neste contexto, ao jornal francês France 24, um homem sírio relatou que a escassez de mantimentos na região contribui a uma situação de perseguição aos refugiados. Na Turquia, sírios são acusados de se apropriar da pouca lenha disponível a fim de proteger suas famílias do frio que assola a região.
Desabrigadas, muitas famílias – tanto de refugiados, quanto de turcos – atingidas pela catástrofe se vêem obrigadas a, na melhor das hipóteses, dormir em seus carros. Não raramente, encontra-se pessoas dormindo ao relento sob temperaturas gélidas.
Ademais, devido ao abalo sísmico, muitas famílias não voltaram a suas próprias casas, dado o medo de novos desabamentos que poderiam ser provocados por estruturas já comprometidas e, não raramente, sem quaisquer adaptações para resistirem a terremotos. Isto é, a grande maioria dos refugiados vive em construções precárias e sem fundações, as quais poderiam desabar apenas em razão do rigoroso clima da região. Do lado sírio da fronteira, as construções já estavam fragilizadas em razão da guerra e de seus múltiplos bombardeios.
Especificamente sobre a questão dos refugiados, a região abarca ainda a problemática dos deslocados da Palestina. A Síria contabiliza, segundo a agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA), 12 campos de refugiados, os quais abrigam quase meio milhão de pessoas. Três desses campos estão localizados ao norte do país, bastante atingido pela tragédia. Com isso, estima-se que por volta de 60 mil refugiados palestinos estejam sofrendo diretamente com as consequências do abalo sísmico.
Ausência de perspectivas
Poucos dias após a catástrofe, o ACNUR começou a distribuir, na Síria, kits de primeiros socorros contendo colchonetes, cobertores, lonas para montagem de barracas e garrafas d’água. Mesmo assim, a situação do país, legal e diplomaticamente, torna difícil assegurar cada um desses auxílios. Opondo rebeldes radicais, forças curdas e o exército de Bashar Al-Assad, a situação geopolítica da Síria não é favorável à atuação de ONGs locais e internacionais.
Assim, a quase totalidade das escassas ajudas humanitárias é encaminhada ao país e é transmitida por um único ponto de passagem na fronteira com a Turquia, garantido por uma resolução da ONU. Bastante atingida pelo terremoto, a passagem fronteiriça denominada Bab Al-Hawa é contestada por Damasco, dado que sua abertura violaria a soberania síria. Dado o cenário geopolítico da região, qualquer ajuda encaminhada ao local através da Síria constitui um verdadeiro desafio diplomático, na medida em que isto pressupõe que o regime aceite receber e transmitir os auxílios recebidos às populações dispersadas em zonas de guerra.
Por fim, a passagem do terremoto pela região desestabiliza as poucas e frágeis certezas conquistadas ao longo dos anos. Num cenário de grande instabilidade política trazido pelos longos períodos de guerra civil, a tragédia constitui um duro golpe para as famílias de turcos e de refugiados sírios que habitam a região.
No caso dos refugiados, todos os esforços de integração na Turquia foram perdidos em poucos minutos, dado que muitos deles se viram obrigados a deixar as cidades e, consequentemente, suas moradias, o que representa novos deslocamentos e mais incertezas diante de um futuro que se anuncia instável, dado que o retorno à Síria não está no horizonte.