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sexta-feira, setembro 6, 2024

Uma homenagem a Aline Sobral e sua luta em prol dos migrantes e da tolerância religiosa

Conhecida pelo trabalho junto a afegãos no aeroporto de Guarulhos, Aline Sobral deixa um legado de atuação constante onde e quando fosse necessário, de coragem e admiração para aqueles que atuaram junto a ela

Por Ana Paula Pinhati Oliveira

Há alguns dias, nós perdíamos uma ativista, uma parceira da causa da imigração e uma das lideranças de um movimento que começava despretensioso no maior aeroporto do país em Guarulhos (SP).

Conheci Aline Porcina Sobral em algum momento no fim de 2022. Entre voluntários brasileiros que atuavam com os afegãos que aguardavam abrigamento no terminal 2, check-in B, no mezanino, Aline se destacava por suas vestes e seu niqab e por estar presente com frequência e em horários extensos e, muitas vezes fora do convencional, não era incomum encontrá-la à noite, adentrando a madrugada ou nos fins de semana, ou em qualquer outro horário em que casos graves apareciam.

Quando comecei a atuar como voluntária, o Coletivo Frente Afegã já estava presente no aeroporto há uns dois meses. Aline Sobral e Swany Zenobini haviam iniciado um movimento de atuação constante no aeroporto de Cumbica. O grupo se organizava sobretudo com os casos diversos que surgiam no campo de refugiados improvisado.

Os afegãos chegavam em grandes quantidades, por vezes mais de 30 num mesmo dia e a constituição era diversa. Homens solteiros, famílias numerosas compostas de muitas crianças, idosos, pessoas com deficiência, mulheres grávidas…

Àquela altura alguns voluntários já tinham começado aulas de português in loco, entre eles, a própria Aline. Era comum também as atividades direcionadas às crianças.

Aline (de niqab, toda de rosa) e demais voluntários envolvidos no trabalho junto a afegãos no aeroporto de Guarulhos (SP).
(Foto: ARRO)

Com o tempo outros grupos surgiam, fez-se necessário um grupo apenas para organizar os banhos fora do aeroporto. No aguardo pelo abrigamento, muitas pessoas passavam dias sem conseguir fazer a higiene diária. Como mulher muçulmana, Aline frequentemente destacava a importância de mandar primeiramente as mulheres e esclarecia sobre a necessidade dos 5 banhos diários para os praticantes do islamismo. Uma briga que ela travou até recentemente, quando numa das últimas ações dela no aeroporto, com o apoio incessante de alguns dos nossos constantes parceiros, no mês de maio, quando o aeroporto tinha uma média de 70 pessoas vivendo lá, ela, junto com seu marido Hosnir Badawi e alguns voluntários afegãos, levaram grupos de refugiados para tomar banho nas dependências do Jovens da Verdade na cidade de Arujá/SP.

Com o tempo, o Coletivo Frente Afegã com seus voluntários, na grande maioria brasileiros, foi pouco a pouco se desfazendo, apesar de mantermos o grupo do WhatsApp ativo para comunicação e apoio nos casos que ainda nos chegam e, paralelo a isso, alguns afegãos, tendo passado pela experiência de voluntariado no próprio Coletivo enquanto esperavam abrigamento, decidiram começar uma organização não-governamental e continuar atuando com os refugiados dentro e fora do aeroporto. Quando a ARRO (Organização de Resgate de Refugiados Afegãos) surgiu no início de 2023, Aline foi uma das primeiras a nos apoiar. Entendeu a proposta, e via a ONG como um filho que tinha nascido ali, do coração do Coletivo. Como organização da sociedade civil passamos a atuar conjuntamente. Uníamos forças para alcançar os objetivos, dividíamos alegrias, conciliávamos os desafios.

Há alguns dias perdíamos uma amiga. Aline partiu deixando pra trás um histórico de luta pelos direitos humanos, pelos imigrantes, pela tolerância religiosa, um legado de atuação constante onde e quando fosse necessário, de coragem e admiração para aqueles que atuaram junto a ela.

O trabalho iniciado ali, no chão frio do aeroporto, que nos moveu por tanto tempo sempre foi visto como uma missão, um encontro e um “acaso” sem repostas, algumas vezes incompreendida por uns, admirada por outros. Porém, as sementes plantadas ali, por aqueles que tiveram coragem de pausar suas vidas pessoais em prol do voluntariado, geraram frutos em terrenos improváveis que continuarão a nos impulsionar na luta pelos direitos humanos.

Obs: Não é possível falar das atuações do Coletivo Frente Afegã e da ARRO no aeroporto Internacional de Guarulhos/SP, sem citar ou agradecer os muitos parceiros, instituições e voluntários que passaram por lá durante todo esse tempo. Infelizmente, não seria possível citá-los nominalmente e fazer justiça a todos. Como voluntária, eu sinto um orgulho enorme de ter feito parte disso e sei que tantas outras pessoas que nos acompanharam sentem o mesmo. Nossa gratidão a todos.

Sobre a autora

Ana Paula Pinhati Oliveira é vice-presidente da ARRO (Organização de Resgate de Refugiados Afegãos) e é voluntária do Coletivo Frente Afegã. É mestre em Letras pela UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) e tem especialização em Geopolítica e Relações Internacionais.

2 COMENTÁRIOS

  1. Obrigada Ana Paula por esta linda homenagem a nossa querida e inesquecível Aline sobral, sua missão acabou aqui nesta terra mais ela nos deixou um grande legado e aprendizado…

  2. MashaAllah que linda e merecida homenagem, que nossa irmã Aline seja recebida no mais alto grau do paraíso inchaAllah.
    Allahu Kairan
    Alhamdulillah
    SubhanAllah

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