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quarta-feira, dezembro 11, 2024

Uma manhã na Missão Paz, diversas lições

Dia de muito sol e calor no último sábado (03) em São Paulo. Na Missão Paz, projeto da Paróquia Nossa Senhora da Paz e referência na acolhida a imigrantes na capital, a situação era bem mais tranquila do que a encontrada no começo da semana. Havia imigrantes (em sua maioria, haitianos) no pátio da igreja, mas nada comparado ao número presente dias atrás. Em torno de 70 pessoas haviam dormido no auditório da Missão na noite anterior, número que já havia chegado a 200 em dias recentes.

Com a situação mais tranquila, era hora de reorganizar o espaço e deixá-lo preparado para qualquer eventualidade. A população em geral atendeu aos apelos da Missão Paz e enviou uma série de doações para os imigrantes. O número foi tão grande que foi até possível destinar boa parte delas à Cruz Vermelha, que assim também ganha um reforço para poder atuar em situações de emergência e destinar a quem estiver precisando.

Voluntários da região e da Cruz Vermelha juntaram forças para organizar as doações que chegaram à Missão Paz. Crédito: Víctor Gonzales
Voluntários da região e da Cruz Vermelha juntaram forças para organizar as doações que chegaram à Missão Paz.
Crédito: Víctor Gonzales

Havia muitas roupas, artigos de higiene pessoal, alimentos e água. Voluntários que vivem nas proximidades e de outras regiões da cidade se juntaram ao pessoal da Cruz Vermelha e da própria Missão Paz para fazer o almoço do dia e organizar e fazer triagem das doações. Mesmo durante o sábado chegavam doações diversas, suficiente não apenas para ajudar os imigrantes, mas também outros projetos tocados pela paróquia.

Doações que chegaram à Missão Paz, pouco antes de serem catalogadas e reorganizadas. Crédito: Víctor Gonzales
Doações que chegaram à Missão Paz, pouco antes de serem catalogadas e reorganizadas.
Crédito: Víctor Gonzales

Movida pela curiosidade despertada nos últimos dias no noticiário, havia quem chegasse à Missão Paz apenas para “dar uma olhada” – como se os imigrantes fossem uma atração exótica, logo pensei ironicamente. Ora, convenhamos: não é hora e tampouco local para turismo de qualquer espécie.

Um convite, algumas confirmações, vários aprendizados

A convite do meu amigo peruano Victor Gonzales (que também estava na Missão Paz naquele dia e é o autor das imagens deste post), a princípio cheguei naquele sábado para ajudar na preparação do almoço. No entanto, acabei passando a manhã e o começo da tarde na triagem das roupas e calçados recebidos pela Missão, em conjunto com os voluntários da Cruz Vermelha e pessoas da região. Uma experiência para lá de gratificante e com a qual pude aprender muito, além do clima de alto astral entre os voluntários.

Aprendi questões técnicas que parecem bobas, mas fazem diferença: uso de máscara e luvas para manipular as roupas e calçados, pois nunca se sabe ao certo de onde vieram as doações (uma olhada no estado das luvas e da máscara ao final do trabalho dá uma ideia do que o nariz e as mãos ficaram livres); que não adianta doar roupa íntima ou meias usadas, já que não dá para garantir a higienização das mesmas e tampouco haverá tempo para higienizá-los antes de serem doados.

Tudo que foi encontrado nessas condições foi encaminhado sem cerimônia para descarte.

“Pobre não é lixo”, disse uma das voluntárias. E a frase dela não poderia ser mais exata para descrever – e criticar – o estado de alguns dos artigos “doados” para a Missão. Em meio a tantas caixas e sacos plásticos havia de tudo: de roupas praticamente sem uso de marcas famosas (e que seriam disputadas a tapa em brechós) a verdadeiros trapos que mal serviriam para pano de chão; calçados sem par (não conheço nenhum migrante do tipo Saci-Pererê!); travesseiros, almofadas e lençóis de conservação questionável; e até jalecos médicos sujos foram encontrados em meio às doações (deveriam estar em lixo hospitalar, inclusive).

É, pelo jeito muitas pessoas ainda não entendem bem o que vem a ser algo para doação. Então, para facilitar, aqui vai um resumo: pessoas necessitadas não são lixo, então não destine para doação algo que não tem condições de ser usado. Felizmente, é possível notar que a maioria já tem essa consciência.

Comunidade peruana mais uma vez serviu o almoço do sábado para os imigrantes e voluntários presentes. Crédito: Víctor Gonzales
Comunidade peruana mais uma vez serviu o almoço do sábado para os imigrantes e voluntários presentes.
Crédito: Víctor Gonzales

O almoço foi preparado pela comunidade peruana e aprovado por voluntários e imigrantes. Ao final dessa pausa, alguns voluntários foram embora (incluindo eu, por conta de outros compromissos já assumidos anteriormente), outros ficaram para concluir o serviço. Mas ficaram o aprendizado, novas amizades, a sensação de ter feito algo concreto e a certeza de que a mobilização não pode parar. Em suma, a consciência social não pode ser passageira ou circunstancial, mas precisa ser permanente.

O desafio de superar o provisório

Ainda que tardia e/ou provisória, as medidas tomadas nos últimos dias (mutirão para carteiras de trabalho, abrigos temporários e doações diversas) ajudaram a amenizar a questão dos haitianos na Missão Paz. Amenizar, contudo, não significa resolver. E esse ambiente mais calmo não pode ser de forma alguma encarado como um ponto final.

São Paulo continua precisando de um espaço oficial e permanente para recepção e acolhida dos recém-chegados à metrópole. A Prefeitura de São Paulo anunciou, nesta segunda-feira (05), a abertura de um abrigo com capacidade para acolher até 100 imigrantes, além de ter parabenizado a Missão Paz pela atuação perante à questão dos haitianos. O espaço, no entanto, ainda é provisório.

Apenas para comparação, até o final da década de 1970 São Paulo ainda contava com a chamada Hospedaria do Brás – que atualmente abriga o Arsenal da Esperança e, em breve, também o Museu da Imigração.

As dificuldades na articulação entre os governos e, sobretudo, a ausência do governo federal, mostram ainda as diversas lacunas e falhas da política migratória brasileira. A atualização urgente dessa política e da legislação sobre o tema, e a necessidade primária de reconhecer direitos ao imigrante (em especial o direito ao voto), ficaram ainda mais evidentes a partir do episódio dos haitianos.

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