Migrantes de diferentes origens vivem o desafio de transformar a fuga em uma nova busca, no caminho para uma nova cidadania
Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs
Em São Paulo (SP)
Quantos são os venezuelanos atualmente em fuga da própria pátria? Por que o fazem aos milhares ou até milhões? Até quando a situação econômica, política e social daquele país continuará expulsando os seus cidadãos? Como se explica tamanha hemorragia?
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Muitas são as respostas, mas nem todas se revelam convincentes. Fala-se em desabastecimento generalizado dos produtos de primeira necessidade. Fala-se de confisco de bens móveis e imóveis por parte do governo de Maduro. Fala-se de uma aguda polarização entre duas metades da sociedade. Fala-se de eleições manipuladas, sem a presença de observadores estrangeiros. O que há de verdade, de meia-verdade ou de inverdade em tudo isso?
Independentemente da resposta a tais questões, o fato incontestável é que, desde o governo Chávez, a população segue deixando o país em direção à Colômbia, aos Estados Unidos, à Espanha, à Argentina, ao Chile, ao Brasil, ao Panamá, ao Peru, ao Equador… Para não falar dos estrangeiros residentes na Venezuela que retornam aos países de origem, como é o caso dos portugueses. Evidente que a diáspora venezuelana reflete uma série de fatores combinados, os quais vão desde o boicote internacional até as tensões entre diversos setores da população, passando por uma política econômica permeada de dúvidas e pressões internas e externas.
Combinando todos os fatores em jogo, entre outros, o resultado nu e cru aparece nas fronteiras com a Colômbia e com o Brasil, mais particularmente nas cidades de Cúcuta e Boa Vista. Depois estende-se para o interior desses e de outros países vizinhos. Seus rostos são bem conhecidos: jovens solitários de ambos os sexos, alimentando o sonho do trabalho e moradia; famílias completas com crianças, na esperança de um futuro menos penoso; idosos e doentes, à procura de proteção e saúde; consumidores em geral, em busca de produtos básicos inencontráveis na terra natal; sem dúvida, há também os prófugos e refugiados, fugindo de uma perseguição continuada.
O mesmo retrato se repete em outros lugares e outras fronteiras do planeta. Contam-se aos milhares os refugiados Rohingyas, que escapam da teocracia de Myanmar em direção a Bangladesh. Não é diferente com os milhões de sírios que se amontoam nos campos de refugiados da Turquia, nem com os prófugos da região subsaariana que superlotam os alojamentos precários ao norte da Líbia. Ambos impossibilitados de seguir para o velho continente, devido a acordos da União Europeia com esses dois países. Outro tanto ocorre com os haitianos agrupados em Tijuana (México), na fronteira com os Estados Unidos, juntamente com os deportados do governo de Donald Trump. Na ilha de Batam, na Indonésia, cruzam-se os migrantes indonésios e filipinos que tentam alcançar o Eldorado de Singapura. A lista poderia continuar com a situação dos curdos, dos palestinos e de outros povos no interior da África.
Os parágrafos anteriores revelam e ao mesmo tempo escondem uma nova forma de guerra fria. Por trás de quase todos esses conflitos, ocultam-se poderosos interesses dos países centrais, como também dos grandes conglomerados transnacionais. Trata-se de uma guerra fria que inclui, de um lado, violência direta, como na Síria e na faixa de Gaza, e, de outro, disputas de ordem comercial, como entre Estados Unidos, Rússia, China e Europa.
Disso resulta uma nova onda de nacionalismo, fanatismo, racismo, xenofobia, discriminação e terrorismo (para não falar de outros “ismos”). Neste caso, além da pobreza, da miséria e da fome, muitos deslocamentos humanos de massa mergulham suas raízes no fundamentalismo, seja ela de caráter religioso, político ou ideológico.
Não raro os migrantes são perseguidos e fogem devido à própria fé, às próprias ideias ou à própria prática política. Somando-se àqueles que fogem de condições subumanas de vida, constituem hoje cerca de 250 milhões as pessoas que residirem fora do país em que nasceram, dos quais em torno de 30 a 40 milhões são refugiados. O desafio é transformar a fuga em uma nova busca, no caminho para uma nova cidadania.
São Paulo, 26 de maio de 2018