Começou nesta sexta-feira (5) a sexta edição do Fórum Social Mundial das Migrações (WSFM, na sigla em inglês), em Joanesburgo (África do Sul), a primeira no continente africano. Para este ano o tema escolhido foi “Migração no Coração da Humanidade: Defendendo a Liberdade e Repensando Migração, Mobilidade, Desenvolvimento e Globalização”.
A data coincidiu ainda com o primeiro aniversário da morte do ex-presidente Nelson Mandela, sendo por isso lembrada em diversos momentos ao longo do primeiro dia, em especial na cerimônia de abertura – e de como esse legado deveria inspirar as discussões sobre migrações durante o evento.
Além da evocação da memória de Mandela por parte dos presentes, a cerimônia de abertura contou com apresentações culturais de diversas etnias que formam a “nação arco-íris”, apelido dado à Africa do Sul.
Superando apagão e boicote
O primeiro dia de fórum teve de lidar com uma série de contratempos que causaram certa apreensão entre a equipe organizadora e os participantes. O evento estava previsto para começar às 9h, mas neste horário ainda eram poucos os delegados presentes – que foram chegando ao longo do dia. Havia dúvidas e certa desinformação quanto aos procedimentos para credenciamento de delegados e integrantes da imprensa. A própria estrutura destinada ao evento, na área do Constitution Hill (antiga prisão da época do apartheid convertida em museu e memorial de resistência) ainda estava semi-pronta.
Na verdade, a própria edição do fórum esteve por um fio por conta da retirada do apoio que a cidade de Joanesburgo tinha prometido à organização – estima-se que o valor era de 1,2 milhão de rands (algo em torno de R$ 250 mil). Integrantes do comitê organizador informaram que a cidade de Joanesburgo queria colocar integrantes no comitê, o que não foi aceito pela direção. Em represália e afirmando que “o evento não estava à altura dos padrões da cidade de Joanesburgo”, o governo local retirou o apoio previsto anteriormente e ainda divulgou uma carta aberta explicitando sua oposição ao fórum.
Esse boicote implicou ainda na impossibilidade de o WSFM ocorrer no campus Soweto da Universidade de Joanesburgo, como estava previsto primeiramente. Com isso, a organização teve de buscar um novo local às pressas, sendo escolhido o Constitution Hill – que antes seria apenas um local para visita dos delegados.
Além desses problemas, outro obstáculo teve de ser contornado pela organização: no fim da manhã, uma queda de energia – causada por problemas de abastecimento que a cidade enfrenta desde 2008 no setor elétrico – deixou o sistema de som e de tradução simultânea inativos. Com isso, os tradutores simultâneos tinham de se juntar aos painelistas do momento e fazer as traduções para francês e espanhol após a fala de cada um. A energia e a tradução simultâneas foram restabelecidas no começo da tarde, com a volta do fornecimento.
Já no período da tarde e com a energia restabelecida, tiveram início as discussões propriamente ditas do fórum, com o primeiro dos quatro eixos em debate: Refugiados, Solicitantes de Refúgio e Migração Forçada.
Nesse debate teve destaque especial a questão palestina, abordada pelo ativista e pesquisador paquistanês Abbas Shiblak, que descreveu os problemas enfrentados pelos cerca de 5 milhões de refugiados palestinos ao redor do mundo – em especial no Oriente Médio. Também teve destaque a apresentação da pesquisadora Chowra Makaremi, no National Center for Scientific Research (CNRS), da França, sobre o sistema de solicitação de asilo e os centros de detenção para imigrantes na União Europeia.
Impressões dos primeiros dias
As atribulações do primeiro dia geraram certo desconforto entre participantes e em meio à organização. No entanto, tais obstáculos já pareciam minimizados no segundo dia, com o foco voltando às discussões previstas no programa.
Para Aline Musigho, porta-voz e integrante do comitê organizador do WSFM, as dificuldades do primeiro dia foram superadas. “Entendemos que as coisas estão indo bem agora. A eletricidade está funcionando, estamos administrando questões de logística e entendemos que estamos fazendo tudo o que é possível. Devemos focar nos aspectos positivos do fórum e as coisas agora estão indo bem”.
A mudança na atmosfera do fórum, mais focada nos debates, foi sentida pelo padre Paolo Parise, diretor da Missão Paz, em São Paulo.”Ontem teve muito imprevisto, ainda dava para sentir uma certa tensão dentro da equipe que organiza o evento. Hoje já dá para sentir o pessoal mais centrado nas pautas, mais focados nas questões do fórum”.
Para o alemão Stefan Rother, jornalista, pesquisador da Universidade de Freiburg e editor do blog do Global Forum of Migration Development (GFMD), depois de tantos imprevistos anteriores o mais importante é que o fórum está acontecendo e os temas são pertinentes, embora ele crê que poderiam ser menos pessoas por mesa. “Acho que três pessoas por painel, cada uma com um limite de tempo, seria melhor do que cinco pessoas para falar em cada uma. Mas a programação está muito boa e o fórum está acontecendo, apesar de todos os problemas. Essas pessoas de todo o mundo estão aqui debatendo migração, e não brigando entre si. E isso é o mais importante”.
Para a delegada Philisiwe Dhiladha, nascida na Suazilândia e criada na África do Sul, o fórum ajuda a consolidar uma mudança de visão sobre ela própria, que até pouco tempo não se via como imigrante. “Agora entendo que também sou imigrante. Muitas perspectivas mudaram, inclusive as minhas, e também sobre os problemas que os imigrantes enfrentam – e que eu também já enfrentei, mas ainda não tinha me dado conta”, explica.
Já Xolani Tshabalala, nascido no Zimbábue e estudante na Suécia, crê que certos problemas poderiam ter sido contornados pela organização, mas também prefere ver pelo lado positivo. “Foi um pouco caótico no começo, mas está funcionando agora”.
Contribuições do Brasil
Além dos temas contidos nos quatro pilares do evento (veja aqui a programação), o WSFM conta com uma série de workshops que complementam as temáticas abordadas no fórum. Em uma delas, “Políticas de promoção e participação dos migrantes”, foi apresentada a política implementada a partir de 2013 pela Prefeitura de São Paulo com o intuito de incluir e criar mecanismos que permitam a participação e a adoção de políticas locais para imigrantes.
“É fácil reconhecer a política migratória em um país pequeno, mas muito complicado no Brasil, que tem uma dimensão continental. A preocupação que os movimentos de migrantes levaram à gestão municipal foi de criar políticas locais de inclusão dos imigrantes na cidade”, explicou Paulo Illes, coordenador de políticas para imigrantes da Secretaria Municipal de Direitos Humanos – as duas entidades foram criadas em 2013.
Já Jean Rousseau, presidente da Organisation for Universal Citizenship (OUC), lembrou que espaços como o do fórum são importantes para conectar e inspirar iniciativas locais de inclusão dos migrantes em todo o mundo. “Este é um espaço interessante para trocar iniciativas e fazer intercâmbio de informações. É importante se dar conta dos imigrantes nas políticas públicas e coordenar as cidades que têm tais iniciativas”.
A inclusão e participação dos imigrantes em políticas públicas foi aprofundada ainda no painel principal que ocorreu neste sábado (6), intitulado “Migração, Coesão Social e Integração”.
A sexta edição do Fórum Social Mundial das Migrações vai até o próximo dia 8.