Por Diana Quintas*
Apesar de estar ganhando espaço nos debates públicos, a imigração, importante vetor econômico, ainda é escanteada nos planos de governo brasileiro. Nas últimas décadas, somente dois presidentes eleitos contemplavam políticas migratórias nas suas propostas de campanha. Entre eles, o atual, que nesses cem primeiros dias trouxe a imigração para o cerne de medidas para a reconstrução da diplomacia externa, como era esperado, mas ainda tem o desafio de olhar para essa questão de forma mais aprofundada.
A menção no plano de governo da campanha focava na atenção aos brasileiros no exterior e no combate à fuga de cérebros, fenômeno que faz com que brasileiros qualificados procurem no exterior maior equilíbrio econômico das oportunidades. A evasão de brasileiros, qualificados ou não, de fato nunca havia sido tão intensa como nos anos entre o impeachment da ex-presidente Dilma e o governo Bolsonaro. Lula tem demonstrado uma preocupação efetiva em gerar condições para que parte dos brasileiros que estão fora voltem, como é inclusive o caso de muitos que imigraram para Portugal e não conseguiram se estabelecer.
O Brasil tem uma das mais modernas leis de migração do mundo que, apesar de ter sido implementada no Governo Temer, é resultado de um longo trabalho das gestões anteriores. Uma lei abrangente que gera espaço para que normas infra-legais a mantenham correspondente ao espírito do tempo, em consonância com práticas internacionais, enquanto protege a força de trabalho local, uma prioridade dos governos em suas políticas migratórias, mas que parece ser especial neste atual, mais protecionista.
Retomar essas conquistas, como, por exemplo, voltar a integrar o Pacto Global para Migração Segura, Ordenada e Regular, foi uma das primeiras ações do Governo Lula. Como era esperado, ações que recuperam a imagem internacional do país têm sido uma prioridade deste governo que planeja uma viagem internacional por mês e já deveria ter realizado uma visita à China, maior parceiro comercial do Brasil, adiada por questões de saúde do presidente brasileiro. O mantra repetido “O Brasil voltou” ainda requer medidas práticas para que se torne tangível. Os resultados da viagem ao maior país asiático seria um excelente termômetro para avaliarmos acordos bilaterais que consequentemente geram circulação de pessoas entre os dois países.
Para além disso, é necessário que o atual governo amplie algumas normativas quanto à regularização de imigrantes para que de fato possamos avançar. Em um cenário global de recuperação econômica pós-pandemia, recordes de inflação, um ano da maior guerra do século, escassez de combustíveis e alimentos e problemas climáticos, o deslocamento global forçado atinge números recordes e se torna uma pauta relevante de diversos países, incluindo o Brasil. A regularização imigratória é benéfica, traz dignidade humana e movimenta a economia, uma vez que essas pessoas vivem no país, trabalham, consomem e pagam impostos aqui.
Do ponto de vista da imigração humanitária, o Brasil segue a esperada tendência de promover políticas acolhedoras com os vistos humanitários, inclusive renovando recentemente a Portaria que possibilita residência para ucranianos. Lula tem mantido, ao longo de seus governos, uma postura favorável ao acolhimento de refugiados, seja por situações de conflitos, perseguição política ou religiosa e por desastres naturais, como no terremoto do Haiti em 2010.
Para além das questões humanitárias, a imigração deve estar alinhada às demandas econômicas. Portugal, por exemplo, que vive uma alta na inflação e especulação imobiliária, cancelou seu programa de visto para investidor imobiliário para protegar os Portugueses e residentes de uma bolha imobiliária; em paralelo, instituiu o Tech Visa, programa que visa atrair uma imigração qualificada, facilitando a concessão de vistos para trabalhadores das áreas técnicas e de tecnologia. A imigração precisa ser célere o suficiente para acompanhar o dinamismo do mercado.
Enquanto Portugal adequa a imigração ao momento, o Brasil volta a exigir vistos para cidadãos de países que são importantes parceiros comerciais e no turismo, como Estados Unidos, Japão, Canadá e Austrália. A justificativa para aclamar o princípio da reciprocidade é que a isenção dos vistos nos últimos anos não apresentou um volume crescente de turistas desse grupo. Os dados de análise, no entanto, são do período de restrições sanitárias em decorrência da pandemia e também devemos considerar que a oferta de voos foi baixíssima globalmente. Essa perspectiva nos deixa a impressão de que podemos esperar uma política muito semelhante a dos governos anteriores e não nos aponta um horizonte de inovação.
O Brasil é um país considerado burocrático pelos investidores internacionais e a barreira imigratória é o primeiro obstáculo. Entretanto, o Brasil já tem tecnologia para oferecer vistos eletrônicos, entre outras facilidades digitais. Inclusive o fará a partir de outubro para esse quatro países. A extensão dessa simplificação de processo para outros parceiros comerciais poderia facilitar os negócios. Tendo em vista que o estímulo à participação do Brasil na economia global seja uma prioridade deste governo, entendemos que este assunto deve ser tratado com maior prioridade brevemente.
Em contrapartida à retomada de exigência de vistos, o Brasil já demonstrou, igualmente sem surpresa, que priorizará a relação com os vizinhos e o fortalecimento de alianças como o Mercosul. Lula escolheu a Argentina como primeiro destino internacional e a proposta de criação de uma moeda comum exclusiva para transações comerciais entre os dois países foi um tema central da discussão. O fortalecimento de laços regionais é uma prática dos governos petistas que gera muitos acordos bilaterais, apesar de todas as críticas. E o presidente afirmou em mais de uma ocasião que buscará meios de financiar grandes obras em países latino-americanos. A intensificação do intercâmbio comercial aumenta o fluxo migratório.
Uma política externa robusta, colocando o Brasil no protagonismo internacional, resultarão em atração de investimento estrangeiro e, consequentemente, na mobilidade global. Assim, poderemos ver, na prática, a imigração aquecendo a economia. Com a economia aquecida, veremos os índices imigratórios aumentar. Afinal, imigração e economia andam de mãos dadas.
Sobre a autora
Diana Quintas é sócia no Brasil da Fragomen (maior e mais antiga empresa de migração do mundo) e vice-presidente da Abemmi (Associação Brasileira dos Especialistas em Migração e Mobilidade Internacional)
Excelente abordagem! Clara e objetiva! Seguimos acompanhando o que virá, especialmente após a viagem à China!