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sexta-feira, março 29, 2024

Abrigo para imigrantes é invadido pela polícia em Roraima; DPU impede deportação sumária

“Há indícios que levam a crer que o suposto descumprimento de normas sanitárias não passou de um pretexto para a realização de novas deportações sumárias”, diz ação civil pública

Por Rodrigo Veronezi
Atualizado às 13h05 de 19.mar.2021

*Ao contrário do que dizia versão anterior desta reportagem, a deportação foi impedida pela DPU apenas. O texto já está corrigido

Uma ação da polícia contra um abrigo para pessoas em situação de refúgio em Roraima tem gerado reações da sociedade civil e da Justiça.

Na última quarta-feira (17), equipes da Polícia Federal e policiais civis e militares de Roraima invadiram o Abrigo São José, gerido pela Pastoral do Migrante em Pacaraima, que fica na fronteira com a Venezuela. O local acolhe cerca de 55 mulheres e crianças venezuelanas.

A freira que dirige o local, irmã Ana Maria da Silva, 60, chegou a ser detida e levada à delegacia para prestar depoimento. Os policiais estavam armados e encapuzados.

“Eu me senti como se fosse a maior traficante de drogas do mundo. Eles entraram aqui sem ordem judicial e me levaram para a delegacia de camburão. Qual é o meu crime, abrigar grávidas e crianças que estariam na rua?”, disse a religiosa em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.

Segundo o governo de Roraima, os policiais que entraram no abrigo são ligados à Força Integrada de Combate ao Crime Organizado (FICCO). Eles afirmam que foram ao local dar apoio a uma equipe da Vigilância Sanitária do município, que havia recebido uma denúncia de aglomeração no local, contrariando o decreto municipal vigente com a pandemia de Covid-19.

As pessoas abrigadas no local seriam encaminhadas para deportação, por estarem em situação indocumentada no Brasil. No entanto, uma intervenção da DPU (Defensoria Pública da União) interrompeu esse processo. Elas foram levadas para um dos abrigos mantidos pela Operação Acolhida em Pacaraima.

Em Roraima está em curso a Operação Horus, que visa combater o ingresso de pessoas indocumentadas no Estado, que possui uma fronteira seca (sem obstáculos naturais) com a Venezuela. No entanto, mesmo ações de fechamento da fronteira pré-pandemia não impediram a entrada em território brasileiro, o que novamente aponta para a necessidade de outras formas de administrar o fluxo migratório.

Reações

Já na quinta, (18), a DPU e o Ministério Público Federal (MPF) ingressaram com uma ação na Justiça para impedir que a União deporte imigrantes enquanto a fronteira do Brasil com a Venezuela estiver fechada. De acordo com as duas instituições, apesar da alegação sanitária, o objetivo da ação dos policiais era promover a deportação do grupo.

“Há indícios que levam a crer que o suposto descumprimento de normas sanitárias não passou de um pretexto para a realização de novas deportações sumárias”, diz a ação.

No final de 2016, uma tentativa de deportação sumária de 450 indígenas venezuelanos, da etnia warao, ajudou a jogar luz sobre a questão migratória em Roraima.

A partir do ocorido em Pacaraima, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos emitiu uma recomendação aos órgãos de segurança para que “não promovam buscas domiciliares sem ordem judicial com objetivo de identificar pessoas migrantes em situação de irregularidade”.

Uma nota pública de repúdio à ação em Roraima também está sendo articulada por um conjunto de pelo menos cem entidades da sociedade civil que atuam direta ou indiretamente com a temática migratória.

Deportações e ações seletivas

A Venezuela, que atravessa uma forte crise generalizada ao menos desde 2015, protagoniza um dos maiores deslocamentos forçados da atualidade. De acordo com o último relatório geral do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR), ao final de 2019 os venezuelanos já representavam a segunda maior população em deslocamento forçado no mundo (3,7 milhões), atrás somente da Síria (6,6 milhões). Parte desse fluxo tem como destinos os países vizinho, como o Brasil.

Os venezuelanos atualmente são a maior população em situação de refúgio no Brasil. Desde meados de 2019 o país passou a reconhecer a Venezuela como local de “grave e generalizada violação de direitos humanos”, o que permite um trâmite mais célere das solicitações de cidadãos do país vizinho à luz da lei brasileira de refúgio.

De acordo com o Ministério da Justiça, o Brasil aprovou 26.810 pedidos de refúgio em 2020, sendo que 95% deles foram de venezuelanos (25.735, no total). Os nacionais já são a maior nacionalidade refugiada no Brasil, estimados em 54 mil pessoas.

Ao mesmo tempo, os venezuelanos são alvo das restrições mais severas das portarias que restringem o acesso ao território brasileiro de pessoas de outros países no contexto da pandemia.

Essa contradição já foi alvo, inclusive, de ações na Justiça que questionam as restrições adicionais ao ingresso de venezuelanos no Brasil. O governo federal, no entanto, mantém tais medidas desde o início da pandemia, em março de 2020.

As portarias são consideradas o principais motivo para a explosão do número de deportações ao longo de 2020. Segundo dados da Polícia Federal, o Brasil deportou 2.901 pessoas, um aumento de 5.708% na comparação com 2019, quando apenas 36 foram barradas.


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