Haitianos que já possuem autorização prévia do governo brasileiro para ingresso no país por motivo de reunião familiar estão enfrentando problemas para obter o visto por parte do Ministério das Relações Exteriores. Para tentar resolver essa questão, a Defensoria Pública da União (DPU) entrou com uma ACP (Ação Civil Pública) na qual pede a dispensa de visto de entrada no Brasil de quem já conta com esse aval.
Em maio de 2023, entrou em vigor uma Portaria Interministerial dos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores que visava facilitar a emissão de visto temporário e autorização de residência para familiares até segundo grau de haitianos que estejam no Brasil. No entanto, na prática as solicitações acabaram por entrar na em uma espécie de limbo.
Isso porque a Portaria prevê a concessão da autorização de residência em duas fases: a primeira junto ao Ministério da Justiça, responsável por aprovar ou não o pedido; e a segunda por parte do Itamaraty, responsável por emitir o visto para os haitianos beneficiados e de informá-los da emissão, a partir da Embaixada brasileira no Haiti. No entanto, a ação da DPU aponta que tais solicitações não tem sido encaminhadas pela pasta e lá permanecem indefinidamente, sem qualquer andamento ou providência.
Segundo estimativas da DPU, são pelo menos 11 mil solicitações nessa fila.
“Cria-se expectativa de concretizar o direito a reunião familiar com observância a legislação brasileira. No entanto, após toda a diligência por parte dos requerentes, o Governo permanece inerte e não finaliza a emissão
dos vistos de autorização de residência, deixando toda essa população à mercê de qualquer resposta”, diz trecho da ação da DPU.
Além dessa paralisia prévia, o serviço consular presencial do Brasil no país caribenho encontra-se suspenso, diante da grave crise humanitária e institucional vivida pelo Haiti. No último dia 10 de abril, o governo brasileiro enviou um helicóptero para retirada de cidadãos brasileiros da região.
Saída proposta pela DPU
Como forma de contornar essa situação, a ação da DPU sugere que o Ministério da Justiça e o Itamaraty criem uma grande lista unificada com as autorizações de residência prévia já concedidas aos haitianos.
“Com base na lista fornecida por nota diplomática, o governo do Haiti e suas autoridades migratórias e de aviação civil ficam cientes da possibilidade de entrada regular das pessoas ali indicadas no território brasileiro, sem risco de repatriação, negativa de pouso de voos ou eventuais multas”, diz o texto da ação.
Um dos autores da ACP, o defensor público federal João Chaves ressalta que tal medida não representa uma dispensa de visto para todo e qualquer haitiano interessado em vir ao Brasil, mas sim para aqueles que de fato tiveram reconhecido o direito à reunião familiar.
“Espera-se que a gente consiga reabrir uma discussão, a partir dessa Ação Civil Pública, para que o tema não seja esquecido e que o direito de reunião familiar reconhecido pelo Brasil seja realmente implementado”.
Situação do Haiti
O Haiti é o país mais pobre das Américas e vive uma crise humanitária muito profunda. Com cerca de 80% da população desempregada e 60%, analfabeta, o país vem registrando uma deterioração da segurança pública desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em julho de 2021. Gangues e grupos milicianos disputam entre si o poder de fato, diante de um governo que vive crise de legitimidade. O governo atual, empossado em junho, tem como objetivo principal restaurar a segurança no país e convocar eleições, o que não ocorre desde 2016.
Os embates entre gangues têm provocado grandes deslocamentos forçados dentro do próprio território e levado a apelos de agências internacionais para ajuda ao país. Também em junho começou a operar no Haiti uma missão aprovada pela ONU e liderada pelo Quênia, que é vista com desconfiança por movimentos populares e organizações locais.
Diante da gravidade da atual crise generalizada no Haiti, o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) emitiu recentemente novas orientações com o intuito de auxiliar os Estados na avaliação dos pedidos de asilo e no reconhecimento dos haitianos como elegíveis para refúgio. Para tal, citou tanto as definições expressas na Convenção de Genebra (1951), mais restritas, quanto na Convenção de Cartagena (1984), mais amplas.
“A vida, a segurança e a liberdade dos haitianos estão ameaçadas por uma confluência de violência de gangues em rápida ascensão e violações de direitos humanos. O ACNUR lembra aos Estados a imperativa necessidade de garantir que os haitianos que possam precisar de proteção internacional como refugiados a recebam”, afirmou Elizabeth Tan, Diretora da Divisão de Proteção Internacional do ACNUR. “Também reiteramos nosso apelo a todos os Estados para que não devolvam à força pessoas ao Haiti, incluindo aquelas cujos pedidos de asilo foram rejeitados”.
Até meados de 2023, o ACNUR já havia registrado 312 mil refugiados e solicitantes de asilo haitianos globalmente. A agência também alertou para uma tendência de haitianos realizando jornadas arriscadas por terra e mar pelo continente americano e pelo Caribe.