Governo americano tem usado os acordos como moeda de troca para outras formas de assistência, o que explica a rápida adesão dos governos latinos
Por Milene Miller
Em Nova York
O governo de Donald Trump continua avançando em sua campanha para conter o fluxo migratório na fronteira EUA-México. E a estratégia da vez são os acordos de “terceiro país seguro” com países da América Central – política que pode ser estendida a outras nações do continente, como o próprio Brasil.
O termo “terceiro país seguro” é utilizado para se referir a acordos no qual os imigrantes em busca de asilo que passam por um terceiro país considerado “seguro” a caminho dos EUA devem solicitar o status de refugiado naquele país e não nos EUA. O único acordo desse tipo realizado por Washington até o momento havia sido com o Canadá, em 2002. Houve ainda diversas tentativas de acordo com o México, sem sucesso até o momento.
No dia 25 de setembro, o secretário interino de Segurança Interna dos Estados Unidos, Kevin McAleenan, confirmou em seu Twitter a concretização do acordo com os países da América Central El Salvador, Guatemala e Honduras. Conhecidos como Triângulo Norte, os três países estão entre as 10 nações do mundo com maior taxa de homicídios, corrupção, tráfico de drogas e violência de gangues.
Tais acordos afetarão duramente os imigrantes da América Central, principalmente salvadorenhos e hondurenhos que, ao cruzarem a fronteira da Guatemala em direção ao norte, deverão necessariamente solicitar asilo nesse país. Aqueles que conseguirem chegar aos Estados Unidos serão deportados à Guatemala.
Esses acordos também afetam diretamente muitos brasileiros, dado que, segundo a Folha de S. Paulo, 2018 e 2019 têm batido recordes em números de brasileiros procurando asilo no EUA e muitos deles passam por países do Triângulo do Norte para chegar à fronteira México-EUA.
Troca de interesses
Até o momento, representantes dos governos têm oferecido poucos detalhes sobre o acordo, enquanto mantém a narrativa de que tais acordos são focados em ‘manter a segurança regional’ e ‘conter o tráfico de pessoas’. No entanto, o jornal The New York Times em 20 de setembro, noticiou que governos apenas evitam utilizar o termo “terceiro país seguro” por carregar uma conotação negativa, enquanto a clara intenção é de coibir imigrantes na fronteira.
O governo americano tem usado os acordos migratórios como moeda de troca para outras formas de assistência, o que explica a rápida adesão dos governos latinos às tratativas.
O jornal The Washington Post publicou que o presidente Trump congelou mais de US $ 150 milhões em fundos para a Guatemala que seriam liberados somente se governo guatemalteco aceitasse o acordo, enquanto se prepara para gastar US $ 40 milhões para desenvolver a capacidade da Guatemala de criar um sistema de asilo – como prover abrigos e assistência.
Consequências regionais
A advogada migratória Ting Pong, da organização Caridades Católicas de Nova York, revela em entrevista exclusiva para o MigraMundo que acordos desse tipo podem tornar a região da América Central ainda mais insegura, uma vez que gera a falsa percepção de que esses países são seguros, quando na verdade não são.
“Em meu trabalho para a Caridades Católicas, tenho atendido solicitantes de asilo de países como Honduras e Guatemala que se qualificam para asilo, que têm enfrentado situações de risco em seus países envolvendo perseguição política e de ‘pandillas‘ (gangues de traficantes que controlam bairros e até cidades inteiras). Adicionar migrantes de outros países vai apenas aumentar os problemas que esses países precisam carregar”.
“Se esses governos não dão conta de prover segurança suficiente para a sua própria população, como vão assegurar a segurança daqueles que chegam?”, conclui a advogada.
Acordo com o Brasil?
No começo de setembro, o site hondurenho La Prensa, ao anunciar a assinatura do acordo migratório com os EUA, citou o Brasil como um dos próximos países a fazer parte dessa articulação. E embora o governo Trump não tenha demonstrado negociações concretas com o Brasil até o momento, motivações não o faltam.
Um acordo de terceiro país seguro com o Brasil seria estratégico para os Estados Unidos, dado que o Brasil é um país de trânsito para muito migrantes da África e Ásia em sua jornada para a América do Norte.
O jornal Washington Post, em uma publicação de 21 de agosto, revela que há um número crescente de requerentes de asilo no EUA originários do Congo, Camarões e outras nações africanas que iniciam suas viagens com um voo para o Brasil ou Equador. Alguns indianos e bengaleses também usam a América do Sul como trampolim, e milhares de migrantes haitianos estão indo para o norte depois de anos trabalhando no Brasil e no Chile.
Assim, um acordo Brasil-EUA significaria um aumento exponencial de solicitantes de asilo no Brasil, visto que, neste caso, os migrantes que perpassarem por solo brasileiro, ainda que brevemente, devem solicitar asilo no Brasil em vez de nos Estados Unidos.
Cabe ainda mencionar que um acordo desse tipo com países como Brasil, Panamá ou Equador impediria milhares de venezuelanos de buscar asilo no EUA, comprimindo-os ainda mais na América Latina.
Enquanto o governo de Trump fecha acordos em ritmo acelerado com governos latinos – as negociações atuais estão ocorrendo com o Panamá – o Brasil pode em breve ser um dos próximos da lista.
Além disso, o alinhamento do atual governo brasileiro com a agenda internacional de Donald Trump é outro indício de um possível acordo de terceiro país seguro que envolva o Brasil.
Alinhado política e ideologicamente com Trump, o atual presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, é defensor notório de medidas mais duras em relação às migrações. Em visita a Washington, em março, Bolsonaro elogiou o endurecimento da política migratória de Trump e defendeu a construção de um muro na fronteira do país com o México.
Logo em sua primeira semana no governo, em janeiro de 2019, Bolsonaro anunciou ainda a retirada do Brasil do Pacto Global da ONU para a Migração – acordo que havia sido firmado pela chancelaria brasileira no mês anterior, ainda sob a gestão de Michel Temer.