Entre os séculos XVI e XIX, por meio do tráfico negreiro, milhões de pessoas foram trazidas à força da África para a América – tendo o Brasil, último país a abolir a escravidão, como maior destinatário desse contingente.
O tempo passou, a Lei Áurea (efetiva ou não) foi proclamada, mas o crime de tráfico de pessoas – considerada uma das formas modernas de escravidão – continua sendo uma realidade para o Brasil e um desafio à política migratória do governo. E o levantamento feito pelo Ministério da Justiça, em conjunto com o Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Undoc), dá uma dimensão – ainda que subestimada – do tamanho do problema.
Segundo a pesquisa, 475 brasileiros foram vítimas de tráfico de pessoas entre 2005 e 2011, sendo 337 desses casos referentes à exploração sexual e outros 135 de condições de trabalho análogas à escravidão. O país onde foi registrada uma incidência maior de cidadãos brasileiros vítimas desse crime foi o Suriname (que funciona como rota para a Holanda), com 133 vítimas, seguido da Suíça com 127, da Espanha com 104 e da Holanda com 71.
No entanto, os próprios autores do levantamento admitem que existam muitos casos que sequer chegam ao conhecimento das autoridades – não são devidamente registrados pelas entidades competentes e porque as vítimas não se apresentam ou não se reconhecem nessa situação.
A estratégia brasileira para combater o tráfico de pessoas tem se baseado em campanhas de conscientização e em uma rede nacional de apoio às vítimas. De acordo com o ministério, o governo federal vai anunciar, nos próximos dias, um pacote de medidas para o enfrentamento do problema. É esperar para ver quais serão.
Tais medidas, no entanto, não devem englobar somente as vítimas brasileiras e tampouco ficarem restritas ao âmbito nacional. O caso dos imigrantes bolivianos encontrados em situação análoga à escravidão em uma fornecedora da grife de roupas Zara – infelizmente apenas um em meio a tantos outros semelhantes – é um exemplo de como o problema do tráfico de pessoas se manifesta sob uma série de outras formas. E uma verdadeira e efetiva política de combate a esse crime – que também pode ser considerado uma forma perversa de migração – precisa levar tais fatores em conta.
Para completar, conforme consta em definição no site do Undoc, o tráfico de pessoas pode ocorrer tanto internacionalmente quanto dentro do próprio país, o que requer atitudes de envergadura que ultrapassem também os limites nacionais e estejam coordenadas com outras nações.