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quarta-feira, janeiro 29, 2025

Após uma semana de Trump nos EUA, quais os caminhos para lutar contra retrocessos sobre migrações? Especialistas opinam

Cenário interno dos EUA oferece mais freios à atuação do republicano, sobretudo a partir da sociedade civil e Justiça; na esfera internacional as possibilidades são menores

Atualizado às 8h45 de 29.jan.2025

Deportações em condições degradantes, medidas que afrontam acordos internacionais e a própria Constituição dos Estados Unidos, uso da força… A primeira semana do segundo mandato presidencial de Donald Trump mostrou que ele não deve medir esforços para implementar as políticas que prometeu durante a campanha eleitoral, incluindo sua política anti-migração.

Além de ter assinado uma série de ordens executivas no âmbito interno – inclusive na contramão da legislação nacional, o republicano também mostrou que está disposto a usar elementos de pressão externa para impor sua política, violando direitos humanos e acordos internacionais.

Como exemplo mais recente dessa política, o governo dos Estados Unidos anunciou o congelamento por 90 dias de toda o orçamento destinado à assistência humanitária em nível global. Essa medida tem um potencial bastante nocivo sobre programas que dependem direta ou indiretamente desse tipo de financiamento – o que inclui tanto agências da ONU quanto organizações brasileiras que lidam com temáticas sociais, como a migratória.

Conforme reportagem publicada na segunda-feira (27) pelo MigraMundo, entre as agências e organizações que contam com esse tipo de recurso o clima é de tensão e incerteza.

Diante desse quadro, até onde o atual ocupante da Casa Branca pode ir? E quais as possibilidades que se apresentam no âmbito interno e externo que podem servir de freios? O MigraMundo ouviu especialistas que vivem no Brasil e nos Estados Unidos para ajudar a entender essas questões.

O que vem por aí

Para os especialistas ouvidos pelo MigraMundo, a versão radicalizada de Donald Trump que está na Casa Branca – especialmente no quesito migração – vai confirmar a tônica empreendida durante a campanha presidencial e será uma das bandeiras do seu mandato.

“Os decretos publicados logo no primeiro dia mostraram a extensão e a profundidade das medidas adotadas, que vão desde a deportação sumária de migrantes (chamados erroneamente de ilegais, uma vez que são irregulares, indocumentados) até a inviabilização de migrantes adquirirem nacionalidade estadunidense, igualmente são afetados seus filhos, gerando potencial de apatridia para crianças nascidas nos EUA sem reconhecimento de sua nacionalidade (lembrando que o sistema dos EUA está baseado no jus soli, que reconhece a nacionalidade de quem nasce no territorio, sistema semelhante ao do Brasil)”, observa Gilberto Rodrigues, pós-doutor pela Universidade de Notre Dame (EUA) e professor de Relações Internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC).

Victor Del Vecchio, advogado de direitos humanos e mestre em direito internacional pela USP, reforça: “Trump já deu demonstrações do quanto é capaz de desrespeitar direitos humanos e atropelar boas práticas migratórias no seu primeiro mandato. Agora, segue ainda mais inescrupuloso e em um cenário em que, além de não precisar se preocupar com a reeleição, é mais polarizado do que sua primeira experiência à frente da Casa Branca. Ou seja, o republicano tem mais motivos e menos freios para apertar o cerco contra os migrantes”.

Uma pesquisa do Instituto Gallup publicada em meados de 2024 indicou que 55% dos cidadãos dos EUA defendiam uma diminuição na chegada de de migrantes ao país. O republicano parte desse dado para embasar sua política radical contra a migração e gerar medo junto à população migrante, com buscas ativas em igrejas, escolas, locais de trabalho e até residências para prender pessoas sem documentação regular.

Além disso, Trump tem na migração um assunto no qual cria um inimigo público e adota medidas de grande impacto midiático, que reverberam de forma rápida junto à sua base de apoio. “A gente sabe que o discurso do trópico ele inflama e ele acaba fazendo esse tipo de ação para dar uma resposta para o seu eleitorado”, comenta Paulo Illes, ex-diretor do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça e atual diretor de Relações Institucionais do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante).

Caminhos possíveis

“Espera-se que o governo continue a implementar medidas destinadas a reduzir a imigração indocumentada e a reforçar a aplicação das leis de imigração existentes. No entanto, essas políticas provavelmente enfrentarão desafios legais e resistência de grupos de direitos humanos, além de possíveis tensões diplomáticas com nações afetadas pelas novas diretrizes”, observa o economista Álvaro Lima, que trabalha na Prefeitura de Boston (EUA) e é pesquisador da diáspora brasileira nos Estados Unidos.

Para Rodrigues, as possíveis medidas para contrapor, barrar ou reverter as medidas serão mais efetivas em nível doméstico e menos em nível internacional. “No plano doméstico, partindo do fato de que Trump tem o controle das duas casas do Congresso e da maioria da Suprema Corte, seus poderes aparentam ser ilimitados. Porém, no nível interno, a politica opera não apenas com os Três Poderes, mas com os agentes sociais e o setor privado, cuja influência pode reverter tendências no Legislativo e no Judiciário”

Um exemplo dessa resistência interna foi a decisão da Justiça Federal de suspender – ainda que temporariamente – a ordem de Trump que acabava com o direito à cidadania para filhos de imigrantes indocumentados. Esse elemento é assegurado pela 14ª Emenda da Constituição, de 1868, mas o atual governo contesta essa interpretação e já se movimenta tanto no Congresso quanto no Judiciárop com o objetivo de mudar essa regra.

“O sistema federalista dos EUA garante alguma liberdade para que os Estados legislem em determinadas matérias de forma distinta daquela que o presidente pensa ou determina”, complementa Del Vecchio.

Na esfera internacional, no entanto, os caminhos de fato se mostram mais restritos, especialmente diante da postura de Trump de ignorar acordos e organizações multilaterais e impor uma diplomacia com base na força econômica e militar dos Estados Unidos. Um exemplo aplicado à temática migratória foi o da Colômbia, no qual o presidente Gustavo Petro acabou recuando da recusa inicial e depois aceitou receber voos com migrantes deportados após ameaça da Casa Branca de sobretaxa nas trocas comerciais.

“A convocação por parte do presidente da Colômbia de uma reunião extraordinária da Comunidade dos Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) aponta para o que parece ser o melhor – senão o único caminho político-diplomático para tentar proteger minimamente os interesses da região e manter vivo e ativo o princípio da não-intervenção – baluarte da soberania histórica regional”, observa Rodrigues.

Na manhã de quarta-feira (29), no entanto, a presidente de Honduras, Xiomara Castro de Zelaya, anunciou o cancelamento da reunião da CELAC para discutir as deportações de imigrantes nos Estados Unidos por “falta de consenso”. O encontro seria na quinta (30).

Além da articulação entre Estados, Illes também defende que a sociedade civil se mobilize não apenas em meio local, mas também na esfera transnacional, como forma de tentar fazer frente às políticas de Trump – direta ou indiretamente. “Nós da Rede Sem Fronteiras estamos estudando alguma possibilidade de fazer algum litígio em relação a essas políticas do Trump, fazer um advocacy mesmo”.


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