Mesmo após convênio firmado entre os governos Estadual e Federal, Centro de Referência e Acolhida para Migrantes e Refugiados segue sem data para instalação
Por Samira Moratti Frazão*
De Florianópolis (SC)
Atualizado em 08/11/17, às 20h42
Na noite da última terça-feira (07/11), mais de 60 pessoas compareceram à audiência pública “Migrar é direito! Desafios atuais na construção de políticas públicas com imigrantes e refugiados em Santa Catarina”, realizada na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc). O evento foi uma iniciativa da Comissão de Direitos Humanos da Alesc, através do seu presidente, o deputado Mauro de Nadal (PMDB), e do deputado Dirceu Dresch (PT), além de organizações não governamentais e da sociedade civil.
Dentre elas, marcaram presença o Grupo de Apoio a Imigrantes e Refugiados em Florianópolis e região (Gairf), Observatório das Migrações de Santa Catarina, Grupo de Estudos sobre Imigrações para a Região do Oeste de Santa Catarina (Geirosc), Pastoral do Migrante de Chapecó, Pastoral do Migrante de Florianópolis, Associação Social Arquidiocesana (ASA), cujos representantes e simpatizantes com a causa migrante se fizeram presentes durante as mais de três horas de debate.
O cerne da discussão se deu em torno da ausência do Centro de Referência e Acolhida para Migrantes e Refugiados (CRAI), cujo convênio firmado entre governo do Estado de Santa Catarina e governo Federal, por meio do Ministério da Justiça, segue sem data para instalação. Perto de completar dois anos desde que o convênio foi assinado, em janeiro de 2016, entidades de apoio à comunidade imigrante e em situação de refúgio em todo estado catarinense clamam pela efetiva concretização do projeto que, por enquanto, existe apenas no papel. De R$ 1 milhão garantidos no acordo, mais de R$ 740 mil permanecem congelados em uma conta sob a tutela do Estado, o qual diz que cabe ao governo federal liberar a verba para aplicação no CRAI.
O Estado deveria ceder um local para a instalação do centro – uma sala com mais de 90 m2 totalmente equipada com computadores –, mais uma soma de R$ 21 mil, contrapartida esta que o governo de Santa Catarina informou estar garantida, de acordo com sua representante, presente na audiência pública.
Realidade em Santa Catarina…
Enquanto isso, na Grande Florianópolis cerca de 50 imigrantes e refugiados são atendidos por dia, de segunda à quinta-feira, na Pastoral do Migrante, localizada nas dependências da Paróquia Santa Teresinha do Menino Jesus, na Prainha, em uma sala com pouco mais de 16 m2.
Haitianos, senegaleses, sírios, além de imigrantes latino-americanos como peruanos, argentinos, equatorianos, uruguaios e paraguaios visitam diariamente a entidade, em busca de auxílio para regularização de documentos, pedidos de reunião familiar e, principalmente, emprego. Um grupo de mães imigrantes foi criado para oferecer apoio tanto a elas quanto às crianças. Com a ajuda de voluntários e estagiários do Eirenè e NEMPsiC, grupos ligados à Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), bem como de outras frentes, a Pastoral realiza a função que deveria ser liderada pelo poder público.
Na região Oeste do Estado, a realidade não é muito diferente. De acordo com a coordenadora do Geirosc, Sandra Bordignon, a Pastoral do Migrante de Chapecó – criada há um ano e meio –, também oferta os mesmos serviços que a entidade de Florianópolis à população imigrante e refugiada residente nas cidades da região, como Chapecó, Xaxim, Xanxeré, São Miguel do Oeste e Nova Erechim. Ainda segundo Sandra, desde 2013 o Geirosc promove oficinas, palestras, capacitação para agentes públicos e atividades educacionais, de saúde e culturais para e com os imigrantes de três movimentos distintos – primeiro a vinda dos homens, em um segundo momento a das mulheres e, por fim, das suas crianças –, visando a inclusão e integração de todos na sociedade. “Não podemos falar em crise migratória, mas sim em desafios migratórios. As pessoas não são problemas. Problema é a falta de políticas públicas para apoiar os imigrantes”, ressaltou Sandra.
Em vídeo exibido na ocasião, representantes do Gairf declararam que a ausência do CRAI é preocupante, uma vez que sem um auxílio adequado por parte do poder público, uma parcela de migrantes fica à margem da sociedade. Alguns deles, inclusive, em situação de rua. A atuação de entidades da sociedade civil de forma voluntária tem sido primordial, porém insuficiente, para dar conta da demanda crescente e do apoio aos imigrantes e pessoas em situação de refúgio. Há a necessidade de um centro público e de referência, com amplo espaço físico e localizado em uma região central com fácil acesso, para atender de forma efetiva os diversos fluxos migratórios que passam ou permanecem em Santa Catarina.
… e nos outros estados brasileiros
O exemplo do CRAI em São Paulo, instalado em novembro de 2014, foi tomado como modelo de organização para apoiar e dar encaminhamento às demandas diárias apresentadas por imigrantes e refugiados no estado paulista. Por videoconferência, Fabio Ando Filho, representante da instituição paulistana, apresentou aos participantes da audiência pública mais detalhes sobre seu funcionamento. Localizado em uma região central com sete atendentes – quatro deles estrangeiros, falantes de sete idiomas – o centro realiza orientações sobre regularização migratória, reunião familiar, acesso à educação de crianças e adultos, encaminhamento para programas sociais, fomento ao empreendedorismo, assistência social e atendimento jurídico, por meio de um convênio com a Defensoria Pública da União (DPU). A maior parte da demanda é relacionada a solicitações de refúgio.
Já em Roraima a situação não é das melhores. Em outra videoconferência, Cleyton Abreu, do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados, detalhou o cotidiano enfrentado por imigrantes que entram e saem de Boa Vista e se arriscam ao cruzar a fronteira com a Venezuela, em um movimento migratório pendular. Aproximadamente 30 mil venezuelanos vivem em Boa Vista e cidades vizinhas, em situação de vulnerabilidade extrema. Grande parte indígenas. Eles trabalham em jornadas extenuantes de até 16 horas por dia, ganhando quantias que variam entre 10 e 30 reais para carpir grandes lotes de terrenos sob o sol e calor fortes, ou tomando a prostituição como via para encontrar seu sustento – no caso das mulheres –, imigrantes da região ainda não encontraram guarida e apoio por parte do poder público que, de acordo com Cleyton, não estabelece um diálogo com eles. Cleyton argumenta, ainda, que a falta de oportunidades e uma infraestrutura básica para a população imigrante os empurra para a margem, tornando-a uma presa fácil para aqueles que lideram a criminalidade.
Problemas vividos por imigrantes e refugiados em SC
O aumento de casos de xenofobia tem sido outro desafio a ser contornado em Boa Vista, o que não difere da realidade catarinense. De acordo com Vanda Pinedo, ativista do Movimento Negro Unificado (MNU) e assessora do vereador Lino Peres, ambos presentes na audiência pública, haitianos e senegaleses vivem perseguições sistemáticas por parte de autoridades em Florianópolis, ao tentarem viver na informalidade vendendo produtos em feiras populares, diante da falta de emprego ou de ocupações que não sejam exploratórias. Casos de racismo também foram apresentadas.
Representando o governador do estado de Santa Catarina, que não compareceu ao evento, a diretora de Direitos Humanos da Secretaria do Estado de Assistência Social, Trabalho e Habitação, Maria Elisa de Caro, informou aos presentes que, embora o governo Federal ainda não tenha cumprido sua parte, de forma alternativa o Estado tem tentado inserir imigrantes e refugiados à sociedade catarinense por meio do cadastro deles no Sine, para encaminhá-los ao mercado de trabalho, e do atendimento através das unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), para oferecer apoios de outra ordem. Porém, tais medidas não têm sido suficientes para atender os anseios dos imigrantes e refugiados da Grande Florianópolis e do estado como um todo. Por falta de uma equipe que esteja preparada para atendê-los, especialmente em virtude dos vários idiomas e dialetos falados por eles, assistentes do Cras direcionam parte da população migrante para a Pastoral conduzir o atendimento, de acordo com representantes de organizações da sociedade civil que estiveram presentes na audiência.
Imigrantes haitianos e senegaleses que também participaram da audiência pública relataram casos de preconceito e discriminação por empresas da Grande Florianópolis, que se recusam a contratar imigrantes e/ou refugiados, mesmo quando há a existência de vagas abertas. Um deles, engenheiro e fotógrafo, disse que não consegue encontrar oportunidades nas áreas em que é profissional.
Por fim, as autoridades que marcaram presença e compuseram a mesa relataram dois encaminhamentos possíveis: elaborar uma carta aberta de apoio efetivo para instalação do CRAI, a ser redigida coletivamente pelo Grupo de Trabalho do Imigrante (GTI) da Comissão de Direitos Humanos da Alesc, junto com demais entidades, anexando um abaixo assinado feito com o apoio dos participantes que compareceram na audiência pública; e atualizar a ação civil pública que corre na Justiça, solicitando uma audiência de conciliação entre as partes envolvidas para tentar resolver o impasse e desbloquear o valor retido para dar continuidade ao processo de implementação do centro.
“Levamos um clamor de socorro aos governos. Que se faça justiça aos direitos dos migrantes e refugiados em Santa Catarina”, desabafou o padre Sérgio Lívio, da Pastoral do Migrante de Florianópolis, encerrando sua fala com um triplo grito de socorro, feito em coro com os demais participantes.
Samira Moratti Frazão é jornalista e pesquisadora especializada em Mídia e Migrações. É também integrante do Observatório das Migrações de Santa Catarina e do Gairf
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