Em uma ação considerada inédita no mundo, o Brasil decidiu pela adoção de procedimento simplificado para análise de pedidos de refúgio de pessoas LGBTQIA+ provindas de países que aplicam pena de morte ou pena de prisão para gays, lésbicas, bissexuais, travestis e transexuais.
A medida foi deliberada na 170ª Reunião Ordinária do Conare (Comitê Nacional para Refugiados), ocorrida na última quinta-feira (18). Um dia antes (17), foi lembrado o Dia Internacional de Combate à Homofobia, o que reforça o teor simbólico da ação.
Na decisão, o Conare reconhece a população LGBTQIA+ como grupo social com temor de perseguição, que merece a proteção do estado brasileiro por meio do instituto do Refúgio, tal como definido pelo Estatuto Nacional do Refugiado (Lei nº 9.474, de 1997) e pela Convenção da ONU para Refugiados, de 1951.
“Ainda há muitas realidades de aplicação de pena de morte e prisão perpétua para pessoas em decorrência de sua orientação sexual e identidade de gênero. Precisamos acolher aqueles que estão em risco e construir melhores políticas para a população LGBT no Brasil como um todo”, pontuou a presidente do Conare, Sheila de Carvalho, em declaração pública a respeito da decisão.
Por meio de nota pública, o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados) elogiou o governo brasileiro pela medida.
“O ACNUR parabeniza o Conare pela decisão de tornar mais eficiente o processo de reconhecimento da condição de refugiada às pessoas LGBTQIA+ que buscam proteção internacional no Brasil em razão de graves perseguições e discriminação nos países de origem. A proteção a pessoas refugiadas LGBTQIA+ pelo Brasil é reflexo de uma postura responsável e exemplar para a garantia dos direitos humanos dessas pessoas, incluindo o direito de simplesmente serem quem são. Esta é uma conquista de toda a sociedade”, disse o representante do ACNUR Brasil, Davide Torzilli.
O que dizem especialistas
Além do ACNUR, a decisão do Conare foi bem recebida por pesquisadores e especialistas ouvidos pelo MigraMundo.
“Simplificar esse processo é fundamental para garantir a segurança de quem foi perseguido no país de origem e não pode ou não deve ser retornado. Simplificar a burocracia da solicitação de refúgio para pessoas LGBTI+ é dar mais uma opção de sobrevivência”, comentou Arthur Fontgaland, diretor do Instituto Matizes, organização de pesquisa LGBTI+.
Ao longo de 2022, o Brasil registrou ao menos 273 mortes violentas de pessoas LGBTQIA+, uma média de um caso a cada 32 horas, segundo o Observatório de Mortes Violentes Contra LGBTI+. Apesar desse quadro, Fontgaland ressalta que o país não possui leis que criminalizam esse grupo, mas que o problema real é LGBTIfobia.
“É isso que precisa ser mudado para minimizar as violências contra nós e temos muito a melhorar internamente para a segurança e bem viver LGBTI (e todas suas intersecções). Mas o que não é razoável, para não dizer xenófobo, é querer que arrumemos a casa primeiro, para depois receber as pessoas refugiadas LGBTI de países onde o direito de ser quem são é extremamente pior que o nosso”, completou.
Para a colombiana Keyllen Yasmin Nieto, integrante da Rede de Mulheres Imigrantes Lésbicas e Bissexuais (Rede MILBi) e fundadora e Consultora Sênior na Integra Diversidade, Equidade e Inclusão, o anúncio do Brasil coloca o país na qualidade de vanguarda em relação a outras nações. E destaca quais deveriam ser os próximos passos a serem seguidos.
“Desde a Rede Milbi+ acolhemos cada vez mais pessoas solicitantes de refúgio por motivos de orientação sexual e identidade de gênero que vêm do Oriente Médio, Norte da África e África Sub-Saariana. Os próximos passos são a instrumentalização da política nacional migratória, fazer com que ela seja inteiramente aplicada em estados e municípios. Também que haja uma articulação entre órgãos públicos de acesso a direitos tanto para a população LGBTQIA+ quando os dedicados às pessoas migrantes internacionais em situação de vulnerabilidade. E, claro, que esse espaços também possam ser laicos e que as empresas possam se envolver nas contratações qualificadas”