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segunda-feira, outubro 14, 2024

Brasileiros expatriados podem opinar sobre a situação no Brasil?

Eles têm não só o direito, mas também o dever, de exercer a sua cidadania onde quer que estejam – e não só através do voto

Por Manuela Marques Tchoe

Toda vez que algum escândalo explode no nosso país, sempre ouço que o brasileiro residente no exterior não tem moral para opinar. Do alvoroço das eleições e racismo até a violência disseminada e sentimento anti-imigrante, seja qual for o assunto o brasileiro expatriado tem que ficar no seu canto, caladinho. Até o cineasta José Padilha, diretor da série O Mecanismo, foi criticado pela roteirista Antonia Pellegrino, que disse que “é muito fácil ele morar em Los Angeles e querer dizer o que é o Brasil“.

Até entende-se que nossos compatriotas vivendo no Brasil façam pouco caso da opinião de alguém que está longe. Afinal, quem fez as malas e partiu não está vivendo a violência descabida, as consequências da corrupção, e a decadência dos sistemas de saúde e educação. Há quem pense que a opinião do brasileiro expatriado é de menor valor, ao mais fiel ato de “Brasil, ame-o ou deixe-o”.

Entretanto, o brasileiro tem não só o direito, mas também o dever, de exercer a sua cidadania onde quer que esteja – e não só através do voto.

Isso porque o expatriado não só continua sendo brasileiro independentemente do seu país de residência (no sentido emocional e burocrático), como tem acesso a algo que falta à grande maioria dos nossos concidadãos: uma perspectiva ampliada de mundo.

Quando nos aventuramos com uma estadia no exterior, nós conhecemos formas diferentes de viver. Enquanto o turista percebe o óbvio de uma cultura, como comidas típicas, monumentos e festivais, o expatriado vê como sua nova casa funciona: impostos, sistema de saúde e educação, trabalho, meios de transporte. Invariavelmente, nós vemos alternativas e ideias. Percebemos que a realidade de pobreza e violência não é normal, como nós acreditamos ser desde que nascemos. Nos inspiramos com as coisas boas que poderiam ser aplicadas no Brasil, porque vemos que é possível em outro lugar do mundo.

Em suma, o brasileiro expatriado é aquele que conhece a realidade do Brasil, mesmo que não viva no país no momento, assim como tem o privilégio de ver e sentir como o mundo lá fora funciona, com seus erros e acertos. É uma posição que não pode ser ignorada; muito pelo contrário, pode ser estimulada como forma de criar novas ideias e soluções para o Brasil.

Alguns podem argumentar que olhar para além das fronteiras tupiniquins é uma forma de complexo de vira-lata. Afinal, não estaríamos venerando o que é feito no exterior, ao invés de valorizar o nacional?

Não é o caso. Ideias puramente brasileiras podem ser fantásticas, mas isso não invalida inspirar-se em ideias que deram certo em outro lugar do mundo. Já se ficarmos bitolados no nacionalismo inveterado, como se o resto do mundo não tivesse nada a oferecer, isso apenas prejudica a nós mesmos.

Mesmo num relacionamento à distância, o coração dos brasileiros no exterior permanece verde e amarelo. Ainda que o expatriado não viva os desafios de quem vive no Brasil de hoje, sua opinião é válida e pertinente. Muitas vezes será incômoda, e por isso tantos desejam calar essas vozes. Mas não se enganem: moral e dever de opinar e ajudar o Brasil todos nós temos – independentemente de onde vivemos.

Manuela Marques Tchoe é uma escritora baiana que atualmente reside em Munique, Alemanha. Seu primeiro livro, Ventos Nômades, é uma coleção de contos que cruzam continentes e exploram o desejo de viajar e do exótico, os desafios e maravilhas de relacionamentos multi culturais e imigração. Manuela também escreve para o seu blog pessoal Baiana da Baviera e está presente no FacebookInstagram e Twitter com reflexões sobre a vida de imigrante, viagens e literatura.    

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