Por Juliana Lima
É no braço de mar que separa o norte da França e o Reino Unido, o Canal da Mancha, que tem se desenrolado mais uma das tensões europeias sobre migração e refugiados. A rota tem sido adotada por migrantes de países do Oriente Médio e do Norte da África que buscam uma nova vida em solo britânico. Quase 4 mil pessoas já cruzaram o canal neste ano de forma irregular, segundo levantamento divulgado pela rede de televisão BBC.
A viagem é de apenas 33 quilômetros em sua menor distância entre os dois países. No entanto, geralmente é feita em botes improvisados ou barcos pequenos, o que coloca a vida dos migrantes em risco. Uma situação semelhante a que ocorre, por exemplo, no mar Mediterrâneo.
Muitos desses migrantes fazem a travessia por intermédio de contrabandistas, que chegam a cobrar 3 mil euros. Apesar de sua maioria ser composta por homens e jovens, há registros de mulheres, inclusive grávidas, e crianças entre eles.
No último dia 19, um jovem sudanês de 16 anos foi encontrado morto em uma praia em Calais, norte da França, após tentar atravessar o Canal da Mancha.
Ação britânica e francesa
Como toda pessoa que se encontra em águas britânicas está sob responsabilidade do país, o secretário de Estado para a Imigração, Chris Philp, tem se reunido com autoridades da França para lidar com a “crise”. Seu intuito é exigir um esforço maior de impedimento desse tráfego ainda em solo francês. Para tanto, seria necessário patrulhar cerca de 300 milhas de costa (cerca de 482 quilômetros), e o governo francês pediu a ajuda de mais de 30 milhões de euros para financiar a empreitada.
O número de pedidos de asilo no Reino Unido é menor do que em outros países europeus (foram cerca de 35 mil no ano passado, contra 123 mil na França e 142 mil na Alemanha), mas a travessia pelo Canal da Mancha já causou sua polêmica.
Um antigo acordo da União Europeia, conhecido como “Dublin III”, diz que os pedidos de asilo devem ser examinados e processados no primeiro país de chegada do migrante, para onde ele poderia ser mandado caso haja motivos racionais para seu asilo permanecer lá. No entanto, as críticas britânicas às leis de imigração da comunidade se dirigem ao fato de que, após seis meses, o migrante não poderia ser retirado do país, no caso o Reino Unido.
Com a finalização do Brexit no final do ano, o governo terá que encontrar um outro acordo de imigração com seus ex-parceiros de bloco, seja ele semelhante ou não ao atual, e as discussões políticas no país sobre o assunto ainda são calorosas.
O primeiro-ministro britânico Boris Johnson já havia se posicionado ao dizer que a saída do país da União Europeia servirá para “combater a imigração ilegal de forma mais eficaz”, mesmo que para isso seja preciso a ajuda do Exército. Tal promessa foi cumprida no último dia 10 de agosto, quando o Reino Unido usou, pela primeira vez, uma aeronave militar da Royal Air Force (RAF) para patrulhar o Canal da Mancha.
Do lado francês, as ações militarizadas são criticadas porque “tecnicamente, não mudam nada”.
Resposta internacional
Para instituições de direitos humanos e de imigração, a resposta britânica está equivocada e pode até mesmo ser “ilegal e perigosa”, conforme indica Steve Valdez-Symonds, o diretor do programa de direitos dos refugiados e migrantes da Anistia Internacional no Reino Unido.
A Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) e Organização Internacional para as Migrações (OIM) também compartilharam suas preocupações:
“A implantação de grandes navios de guerra com o objetivo de impedir essas travessias e bloquear barcos pequenos e frágeis pode levar a incidentes que resultam em danos ou mesmo em consequências fatais”, apontam.
Para as organizações, a questão deveria ser solucionada em um esforço conjunto dos países para garantir que migrantes e requerentes de asilo saibam suas opções legais e recebam apoio adequadamente.
Ao mesmo tempo, esse esforço deveria incluir a facilitação da entrada regular nos territórios de quem possui motivos para tanto, como aqueles que buscam se reunir com a família. Os entraves administrativos são um dos fatores que levam os migrantes a buscarem os contrabandistas como opção de entrada em um país.
Em Bruxelas, a diretora do Escritório Regional da OIM, Ola Henrikson, deu o alerta: “A preocupação imediata são os perigos que representam as travessias, especialmente para os mais vulneráveis, incluindo muitas crianças. A cooperação fronteiriça é muito importante, mas deve ser equilibrada, proporcional e parte de uma resposta mais ampla e abrangente”.
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