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quarta-feira, novembro 13, 2024

Comigrar II aprova 60 propostas para futura política migratória brasileira. E agora?

Depois das idas e vindas que marcaram o processo que levou à conferência nacional, o saldo foi considerado positivo por participantes ouvidos pelo MigraMundo; as atenções de voltam agora para o pós-Comigrar

A plenária final da segunda Comigrar (Conferência Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia), que terminou neste domingo (10) na UnB, em Brasília, aprovou um total de 60 propostas para a futura Política Nacional de Migrações, Refúgio e Apatridia. Esse tema, previsto na Lei de Migração, segue pendente desde a entrada em vigor da atual legislação, em novembro de 2017.

Inicialmente a II Comigrar aprovaria apenas 30 proposições, mas o montante foi ampliado após pressão de delegados eleitos, sobretudo migrantes, e demais observadores da Comigrar. Essa confirmação veio apenas ao final da plenária de abertura, na noite de sexta-feira (8).

O anúncio da ampliação foi encarado como uma vitória significativa do movimento social de migrantes, que enfrentou uma série de dificuldades ao longo do processo de construção da atual Comigrar. Além das idas e vindas sobre a realização da conferência – que teve duas mudanças e data, horário e local – foram frequentes as queixas de delegados migrantes quanto aos canais de diálogo abertos pelo Ministério da Justiça, que organizou a conferência.

Apesar da desconfiança inicial, motivada pelas turbulências e embates que ocorreram especialmente no período entre o final das etapas prévias e a realização da Comigrar nacional, o saldo foi considerado positivo por participantes ouvidos pelo MigraMundo.

Delegados e demais participantes celebram o encerramento da segunda edição da Comigrar, em Brasília. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

Propostas e outras atividades

Depois da plenária de abertura, na sexta, o dia seguinte foi focado nos 12 Grupos de Trabalho (dois para cada um dos seis eixos da Comigrar) que debateram 180 propostas que foram compiladas das 2.151 sugestões que vieram das conferências prévias, realizadas de outubro de 2023 a julho deste ano.

Desses grupos de trabalho foram elaboradas as 72 propostas debatidas na plenária final, que por fim elegeram as 60 a serem priorizadas. Foram destacadas proposições que visam, entre outros pontos, facilitar a revalidação de diplomas de migrantes, a inclusão destes em políticas nacionais de saúde e educação, e a criação de organismos dentro da estrutura federal que contemplem a presença de representantes dos migrantes.

As propostas aprovadas pela plenária final da Comigrar serão reunidas em um caderno específico, a ser divulgado pelo Ministério da Justiça. O MigraMundo questionou a pasta sobre o prazo para isso acontecer e aguarda retorno.

Além da discussão, elaboração e votação das propostas para a futura política migratória brasileira, a segunda edição da Comigrar teve no sábado (9) e no domingo (10) uma série de atividades abertas ao público, entre palestras, rodas de conversa, oficinas culturais e oferta de serviços públicos voltados à população migrante. A relação completa pode ser consultada neste link.

Tendas com serviços e atividades livres, oferecidos durante a Comigrar. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

O último dia da Comigrar teve também a leitura de moções diversas, promovidas pela comunidade migrante presente na conferência – que também vão integrar o caderno final da Comigrar. Entre os assuntos abordados estiveram:

  • repúdio às restrições impostas pelo Ministério da Justiça às solicitações de refúgio de pessoas no aeroporto de Guarulhos que não possuem o Brasil como destino final;
  • situação dos venezuelanos indígenas (especialmente da etnia warao)
  • repúdio ao deslocamento forçado gerado pela Brasken em Maceió, cidade na qual bairros inteiros estão afundando em razão de atividades da empresa

Além da mobilização política, a Comigrar ainda teve espaço para manifestações culturais de venezuelanos warao, uma apresentação musical do quarteto formado por pessoas refugiadas integrantes da Orquestra Sinfônica Jovem do Sesc-RR, e uma apresentação musical do grupo “Sabor de Cuba”, com canções latinas.

Apresentação de grupo cubano durante a Comigrar,. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

E agora?

A segunda Comigrar nacional encerra um ciclo iniciado em setembro de 2023, quando a conferência – prometida ainda na fase de transição pelo governo Lula 3 – foi oficialmente anunciada.

No entanto, delegados e demais envolvidos destacaram que o final da etapa nacional precisa significar o começo de uma nova fase, que consiste no acompanhamento das propostas feitas para que ao menos parte delas seja de fato incorporada à futura política nacional de migrações.

“Saíram coisas importantes daqui da Comigrar, hoje (domingo). Agora é ver o que será impmentando aqui, se será levado a sério o que a gente votou aqui”, obsservou a psicóloga Macarena Maria Sfeir Sfeir, chilena de descendência palestino-libanesa e uma das delegadas eleitas por São Paulo.

José Ocanto, venezuelano eleito delegado por Minas Gerais, ressalta que o mesmo movimento que atuou em prol desta Comigrar se articula para fiscalizar o futuro das propostas votadas em Brasília. E recordou conquistas anteriores obtidas pelo movimento social em torno da temática migratória no Brasil.

“Vamos lutar para que possamos participar desse processo de implementação, aproveitando este encontro nacional. Nosso formato de participação e por meio de movimento social, e isso é histórico. Temos uma Lei de Migração que é fruto desse engajamento”.

A colombiana Catalina Revollo Prado, eleita delegada pelo Rio de Janeiro, indicou alguns dos próximos passos a serem dados por essa articulação.

“O que vamos fazer agora é bater na porta da Comissão Mista no Congresso, tentar que nossas presenças, expressões e ideias também estejam lá representadas. Estamos lutando também pelos nossos parceiros que não estão mais entre nós”.

Um dos passos já estabelecidos por essa articulação é o projeto Vozes Migrantes, que consiste em uma estratégia de comunicação midiática alternativa, criada por pessoas delegadas migrantes, para fazer cobertura da atual Comigrar. A ideia, após a conferência, é continuar divulgando os processos do movimento social de migrantes no Brasil por meio desse canal. A iniciativa conta com um perfil no Instagram (@vozezmigrantes) e será acompanhada por um podcast.

Além de ações relativas à Comigrar, o grupo pretende também se posiconar a respeito de outros temas relativos à temática migratória no Brasil, como o repúdio às medidas implementadas em agosto pelo governo federal que restringiram as solicitações de refúgio no país de pessoas em trânsito. A situação acabou ilustrada pelo caso do migrante ganês que morreu depois de passar mal na área restrita do aeroporto de Guarulhos, onde passou dias detido.

Atualmente Diretor de Relações Institucionais do CDHIC (Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante), Paulo Illes começou o processo de elaboração da atual Comigrar como parte do Ministério da Justiça e foi um dos principais articuladores da conferência. Ao MigraMundo, ele classificou o resultado da Comigrar como uma “amostra da resistência e resiliência” da sociedade civil e dos migrantes. Mas ressaltou que os próximos passos têm de ser dados com celeridade, pois o tempo disponível é curto.

“A Comigrar foi um comproimisso do governo Lula, assumido ainda na etapa de transição, mas que demorou para se fazer realidade. Há grandes desafios pela frente e será importante que a sociedade civil crie frentes de incidência junto ao governo. Estamos no final do segundo ano do governo Lula e, portanto, não temos muito tempo para que isso seja implementado ainda dentro da atual gestão”.

Feira de Empreendedores Migrantes, realizada durante a Comigrar na UnB. (Foto: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo)

Próxima Comigrar?

Um dos pontos abordados na plenária final da segunda Comigrar disse respeito a uma terceira edição da conferência. Isso porque o processo atual ocorreu somente dez anos depois da primeira edição, que teve sua etapa final realizada em junho de 2014, em São Paulo.

A congolesa Hortense Mbuyi, também eleita delegada por São Paulo, afirmou que não é aceitável que se esperem outros dez anos ou mais para realização de uma terceira Comigrar. Em uma das intervenções feitas durante a votação das propostas, ela afirmou que ao menos parte dos delegados migrantes eleitos defendem que a Comigrar ocorra em frequência bianual.

“Não queremos esperar mais dez anos para uma próxima Comigrar. Queremos que a próxima ocorra já no primeiro trimestre de 2026”, sintetizou.


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