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sábado, novembro 23, 2024

Como as tendências securitárias modificam as rotas de imigração da França para o Reino Unido via Canal da Mancha

Cada vez mais fechado em si mesmo, o Reino Unido financiou um efetivo complementar de 350 policiais franceses nas praias das proximidades de Calais com vistas a lutar contra a imigração indocumentada. Consequentemente, observou-se um deslocamento dos pontos de partida dos imigrantes em direção à ilha britânica

Por André Gabay Piai

Localizado entre o norte da França e o sul do Reino Unido, o Canal da Mancha é um dos principais pontos de passagem entre os dois países. Também constitui, deste modo, a mais tradicional rota de imigração para aqueles que buscam se instalar na Grã-Bretanha e, potencialmente, solicitar refúgio no país.

A preferência pela ilha britânica em detrimento da França se dá principalmente pela facilidade com o idioma e pela crença de que seria possível, mesmo que de maneira indocumentado, encontrar rapidamente um trabalho. O Reino Unido foi, durante um longo período, acusado por seus pares europeus de fazer vista grossa com relação ao mercado de trabalho clandestino.

Entretanto, a efetivação do Brexit contribuiu para uma intensa e radical transfomação dessa realidade, mesmo que, tal qual um mito, os tempos de “bonança” ainda estejam presentes nas mentes dos que arriscam suas vidas atravessando os curtos e perigosos 30 quilômetros que separam os dois países. Os números mostram que os imigrantes ainda se dispõem arriscar suas vidas para chegar à Inglaterra.

Estimativas da ONU apontam que, no ano passado, um recorde de 45.755 pessoas tenham chegado ao Reino Unido através do Canal da Mancha, principalmente da França. Outros mais de 12 mil entraram no primeiro semestre de 2023, uma taxa similar à de 2022.

Contudo, o acesso ao Reino Unido tem se mostrado cada vez mais difícil e perigoso. Atravessar o canal por terra a bordo de caminhões se tornou quase impossível. A travessia por água se tornou praticamente o único caminho possível.

Canal da Mancha, entre França e Reino Unido, vira foco de tensão na Europa sobre migrantes e refugiados. (Foto: Wikimedia Commons)

Mudança de rota

Via de regra, a travessia do canal se faz por meio de embarcações clandestinas e inadaptadas. A título de curiosidade, as lojas Decathlon da região de Calais retiraram botes infláveis do estoque, com vistas a coibir as travessias por via marítima. Além das travessias por água, não raramente, encontravam-se imigrantes escondidos na traseira de caminhões de mercadorias que atravessam o mar da França à Inglaterra através de um túnel.

Ano após ano, os incontáveis primeiros-ministros que passaram pelo poder no Reino Unido tentam frear as entradas clandestinas no país. Atualmente, o grosso dessas entradas se fez por embarcações de fortuna, dado que, com vistas a reduzir os pontos de entrada no país, o túnel que liga a França e a Inglaterra – e que permite a chegada ao país em veículos – teve seu policiamento reforçado. Dificilmente, um caminhão cruzará a fronteira sem vistoria, ainda mais em um contexto pós-Brexit. Tendo saído do espaço de Schengen, o qual prevê a livre circulação de bens e pessoas entre seus membros, o Reino Unido e a França retomaram os controles aduaneiros em suas respectivas fronteiras.

Com isso, a travessia do canal por meio de botes se tornou um dos únicos modos de chegar ao país de forma clandestina. Sabendo disso, as autoridades francesas reforçaram o patrulhamento nas praias do norte do país, das quais partem as embarcações em direção ao Reino Unido. Tradicionalmente, os imigrantes partem do departamento francês de Pas-de-Calais, onde está localizada a cidade de Calais, que se tornou conhecida no noticiários por abrigar aqueles que pretendem chegar do outro lado do canal.

Tendência securitária

A partir da intensificação do controle policial nas praias de Calais, um novo fenômeno é observável nas praias do norte da França: menos imigrantes têm se utilizado deste meio para ir ao Reino Unido, o que não significa que as travessias diminuíram. Com vistas a esquivar as autoridades, as travessias organizadas por coiotes têm se deslocado em direção aos departamentos mais ao sul do país, o que é esperado. Quando uma via de passagem clandestina se fecha, outra, geralmente mais arriscada e longa, se abre.

Com mais obstáculos impostos à travessia, os imigrantes tentam subir a bordo de embarcações em portos da Normandia, a mais de 300 quilômetros de Calais. Até o mês de outubro de 2023, registrou-se 25% menos travessias partindo da região de Calais em comparação a 2022. No entanto, como mencionado, esta baixa não significa uma diminuição geral de travessias. Ela mostra, na verdade, que os pontos de partida são dinâmicos e se deslocam em função de um maior ou menor patrulhamento policial.

Finalmente, o novo fenômeno observado nas fronteiras marítimas da França com o Reino Unido traz à tona a tendência securitária do continente europeu em matéria de imigração. Com efeito, a ilha britânica em um contexto pós-Brexit se transforma em fortaleza e dispensa qualquer via legal de acesso. O alto número de travessias indocumentadas, apesar do aumento dos patrulhamentos policiais, joga luz sobre a ausência de políticas migratórias coordenadas entre o Reino Unidos e a União Europeia.

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