Mesmo sozinha, Elin Ersson enfrentou hostilidade de passageiros, inclusive de uma brasileira, que afirmou que o homem poderia ter “colocado uma bomba” na aeronave
Por Victoria Brotto
De Estrasburgo (França)
Uma jovem sueca de 22 anos impediu a deportação de um homem afegão, de 52 anos, depois de ter ficado em pé em um voo da Suécia para Istambul, na Turquia. O fato aconteceu na última segunda-feira (23) no aeroporto de Gotemburgo, na Suécia, e o vídeo (assista abaixo) feito pela jovem durante os 14 minutos e 5 segundos em que ela ficou em pé dentro no avião viralizou na internet, tendo mais de 3 milhões de acessos e repercutindo na imprensa do mundo todo.
Elin Ersson, estudante de serviço social na Universidade de Gotemburg , queria, junto com seu grupo de ativistas que protestam contra a política de deportações em seu país, impedir que Ismael Khawari, 21, fosse deportado para o Afeganistão. A ação foi planejada depois que a família de Ismael entrou em contato com o grupo dizendo que o jovem iria ser deportado junto com outro afegão naquele dia.
Após fazer uma vaquinha para comprar a passagem e embarcar no avião, Elin descobriu que Ismael não estava lá, apenas o outro afegão, um homem de 52 anos, acompanhado de um oficial da imigração – Ismael seria deportado no dia seguinte, em um voo direto para Cabul.
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Em entrevista ao portal alemão Deutsche Welle, Ismael, que chegou a Cabul na última terça-feira (24), disse que não conhecia Elin Ersson, mas que a agradece pelo esforço.
“Infelizmente não a conheci pessoalmente, mas ela demonstrou ser muito humana”. O jovem nasceu no Afeganistão, mas fugiu de lá quando tinha seis anos. Sua mãe e suas duas irmãs moram na Suécia. “Não conheço ninguém aqui [ no Afeganistão], não sei para onde ir agora”, disse ele.
Em pé no avião por 14 minutos e 5 segundos, Elin ligou o seu celular e entrou ao vivo no Facebook, falando todo o tempo em inglês. “Eu estou dentro de um avião onde um homem será deportado para o Afeganistão e onde ele provavelmente perderá a sua vida”, afirmou ela nos primeiros segundos do vídeo.
Momentos depois, alguns passageiros levantam a voz contra a jovem afirmando que ela deveria sentar se não todos sairiam atrasados. “Sente-se, sente-se, pelo amor de Deus!”, afirma um homem em inglês britânico. “Eu não irei sentar”, continuou Elin, que todo o tempo olha diretamente para a câmera de seu celular e evita filmar os passageiros por causa do direito à privacidade de imagem na Suécia. “Como todos sabem, o piloto não pode decolar se alguém estiver em pé. E eu permanecerei em pé até que esse homem saia do avião. Ele será morto se ele for enviado de volta para o Afeganistão”, afirma a jovem.
“Por que você está fazendo isso?”, pergunta um dos passageiros. “Porque existe um homem aqui que perderá a sua vida se esse avião decolar, e eu estou tentando impedir que isso aconteça. Eu sinto muito se vocês estão mais preocupados com o tempo de vocês do que com a vida de uma outra pessoa”, respondeu a estudante.
Um dos membros da tripulação interpela a jovem diversas vezes para que se sente, afirmando que o piloto não tem a autoridade de tirar o homem afegão do voo. “Mas ele tem a autoridade de não decolar enquanto esse homem estiver aqui”, responde. Logo em seguida, um homem se aproxima falando alto em inglês britânico: “Para com isso, vamos embora! Eu não ligo, eu não estou nem ai”, diz ele sobre a situação do afegão. Ele então pega o celular da sueca. “Por favor, não pegue o meu celular”, interpela a moça, que recupera o seu celular depois que alguém da tripulação pega das mãos do homem.
Ao fundo, percebe-se passageiros brasileiros comentando o que está acontecendo. A voz de uma mulher jovem é ouvida dizendo que o homem afegão “pode ter colocado uma bomba” no avião. Ao fim, um dos membros da tripulação informa à jovem que o homem será retirado da aeronave. A jovem, então, também sai, sob os aplausos de parte dos passageiros. Ao sair, ouve-se novamente a voz da passageira brasileira repreendendo sua filha para que ela não dê a mão para Elin. “Não! Não dê a mão para ela, Isaura!”, diz a moça.
O homem afegão foi retirado do avião pelos seguranças suecos que o estavam acompanhando e ele permanece preso no país. De acordo com o governo da Suécia, ele será deportado, mas ainda não se sabe quando. Para as autoridades suecas, a atitude de Elin Ersson foi vista como “desobediência civil”. Por ter desobedecido as ordem do piloto dentro do avião, ela pode pagar uma multa e pegar até seis meses de prisão. “Eu não estou cometendo nenhum crime, estou aqui impedindo a morte de uma pessoa”, afirmou Ersson durante a filmagem.
Algumas cortes de países europeus, como a Suécia, por exemplo, consideram o Afeganistão um “país seguro” e não impõem restrições para a deportação. De acordo com os dados divulgados pelo Ministério do Interior da Suécia (veja aqui os gráficos divulgados em inglês ), foram mais de 160 mil pedidos de asilo feitos em 2015, e grande parte deles por afegãos. Apenas 28% obtiveram o status de refugiado.
Como toda a Europa, a Suécia é perpassada pelo tema migratório, que já toma conta dos debates eleitorais deste ano. No próximo mês de setembro, o país terá eleições gerais.
Repercussão
O caso da jovem sueca ganhou destaque em veículos de comunicação de todo o mundo. O alemão Deutsche Welle, que foi um dos primeiros a divulgar o ao vivo de Elin, destacou que a Suécia é um país que atualmente coloca em questão a aceitação de refugiados no país, sendo que o próprio debate político eleitoral está “em embulição” com o tema.
O jornal norte-americano The Washington Post publicou em sua conta no Twitter, momentos depois do fato vir a público: “Protesto de jovem estudante faz parar a deportação de homem para o Afeganistão”.
A ação de desobediência civil chegou às revistas de moda Elle e Vogue, que destacaram o fato de Elin Ersson ser mulher. “Uma mulher sueca protesta em avião e impede deportação de homem”, destacou a Elle, na reportagem escrita pela jornalista Madison Feller (leia aqui, em inglês). A jornalista ainda destaca as inúmeras hostilidades enfrentadas pela moça, que chegou até a ter o celular arrancado por um homem britânico. “Você poderia ter também ficado frustrada como Ersson se mostra ao longo dos ataques”, afirma a jornalista.
O jornal britânico The Guardian, que conversou com Elin por telefone após o caso no avião, diz que não se sentiu mal, nem exposta pela repercussão. “Eu estava tão envolvida no momento que eu não pude perceber que todos estavam olhando para mim. O meu foco era para [evitar] a deportação para o Afeganistão” (leia aqui o link em inglês),
Ainda no Reino Unido, alguns jornais, como os britânicos The Sun e The Mirror citaram o fato de a jovem ser uma estudante. Já diário The Independent destacou, a partir da ação de Elin, como atitudes individuais efetivas têm poder.
Ao menos temporariamente, a atitude de Elin teve êxito. E pelo menos nessa história, não foi a morte de um migrante que virou manchete.