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quarta-feira, outubro 30, 2024

Conferência sistematiza demandas e propostas de migrantes para melhorar a saúde no Brasil

A primeira Conferência Nacional Livre de Saúde das Populações Migrantes também elegeu delegados que vão participar da 17ª Conferência Nacional de Saúde, prevista para julho em Brasília

Por Lara Madeira

Mais de 800 participantes, incluindo populações migrantes, ativistas, pesquisadores, profissionais e gestores de saúde, se reuniram de forma híbrida (presencial e online) para debater diretrizes e propor a elaboração de uma Política Nacional de Atenção à Saúde das Populações Migrantes.

A primeira Conferência Nacional Livre de Saúde das Populações Migrantes, ocorrida no último sábado (20), contou com o apoio e a organização da Frente Nacional pela Saúde de Migrantes (FENAMI). Mais de 500 pessoas compareceram presencialmente e mais de 300 participaram online, distribuídas em 27 polos presenciais localizados em 19 cidades de 13 diferentes unidades federativas.

A conferência teve como objetivo proporcionar um espaço democrático para a construção de políticas públicas de saúde no Brasil, visando ouvir e sistematizar as demandas e propostas das comunidades de migrantes, refugiados e apátridas, bem como dos trabalhadores de saúde que atuam com essas populações, gestores, organizações não-governamentais, instituições, associações e pesquisadores.

Resultados

A Conferência Nacional Livre de Saúde é parte integrante dos mecanismos de participação social em saúde e controle social do SUS. Diferentemente das conferências oficiais, as convenções livres têm caráter deliberativo e não precisam seguir formalidades como quórum mínimo, representatividade por segmentos ou eleição de delegações para a etapa principal.

A partir da Conferência livre realizada no último dia 20, foram eleitos cinco migrantes representantes titulares e outros cinco suplentes, que representarão essa população dentro da Conferência Nacional de Saúde, a ser realizada de 2 a 5 de julho em Brasília. Ao todo, 33 migrantes foram votados como candidatos nesse processo.

Além disso, o evento debateu e aprovou 24 novas propostas e diretrizes que serão levadas à etapa geral, com o intuito de criar uma Política Nacional de Atenção à Saúde das Populações Migrantes.

Alexandre Branco Pereira, coordenador da FENAMI, destacou a importância desse acontecimento, uma vez que os resultados serão encaminhados para o Ministério da Saúde, para serem utilizados no debate da Conferência Nacional de Saúde.

“Agora, temos um marco inicial, conseguimos inserir essa agenda na pauta do Ministério da Saúde. Em especial, vamos ressaltar a necessidade de construir uma política de atenção integral à saúde das populações migrantes. Essa conferência é histórica por isso, não só porque ela é a primeira nacional integrada”, explica.

Problema nacional e global

Wendy Campos, migrante venezuelana, já teve dificuldade no acesso aos serviços de saúde brasileiros. “É totalmente difícil, primeiro a parte da comunicação, porque quando a gente chega aqui não sabe se comunicar muito com as pessoas. Além disso, é um pouco difícil conseguir uma consulta. E outra questão é o preconceito. Tem algumas pessoas na saúde que têm preconceito com a gente. Não são todas, mas eu já passei por isso.”

Para a colombiana Yury Puello Orozco, eleita delegada suplente para ir até a conferência nacional de saúde defender essas propostas, as questões de saúde são quase todas as mesmas que também atingem a população brasileira mais vulnerável, porém elas acontecem de forma muito mais graves com a população imigrante. “As pessoas que já vieram de fora e sofrem das questões de saúde somadas a todos os problemas que tem uma pessoa migrante. Ou seja, a questão se potencializa com o problema do racismo e da xenofobia, por exemplo”, diz Orozco. 

A pobreza é algo afeta bastante a saúde das mulheres migrantes. Assim como as brasileiras mais vulneráveis, as migrantes não tem acesso a produtos de higiene e nem a banheiros privativos. Um estudo entre mulheres migrantes venezuelanas que vivem no Brasil apontou que quase metade das participantes que menstruam (46,4%) não receberam nenhum kit de higiene. A maioria (61%) não consegue lavar as mãos com a frequência que gostaria e não se sente segura ao usar banheiros públicos segundo o primeiro relatório mundial da OMS sobre a saúde de refugiados e migrantes. 

Além disso, segundo o documento, mulheres refugiadas e migrantes em muitas regiões da OMS relatam baixos níveis de alfabetização em saúde e conhecimento inadequado de temas de saúde reprodutiva, como o papilomavírus humano vacinação, contracepção, câncer triagem e menstruação.

Uma análise realizada em 16 países, abrangendo mais de 17 milhões de participantes de cinco regiões da OMS, constatou que os trabalhadores migrantes são menos propensos a utilizar serviços de saúde e mais propensos a sofrer lesões ocupacionais em comparação com os trabalhadores não migrantes.

Além disso, a xenofobia enfrentada pelos migrantes não apenas limita o acesso aos serviços de saúde, mas também pode levar ao desenvolvimento de doenças crônicas, síndrome de estresse e uma variedade de outros problemas, como ansiedade, distúrbios do sono e depressão.

Revalidação de diplomas

Durante a conferência, foi destacada também a necessidade de agilizar e simplificar o processo de revalidação de diplomas para profissionais estrangeiros da área de saúde. 

Essa revisão é fundamental para garantir que os profissionais migrantes possam contribuir plenamente com o sistema de saúde do país e atender às necessidades das populações migrantes de forma qualificada e eficiente.

Sobre a dificuldade de revalidar diplomas, Campos acrescenta: “Conheço muitas meninas que são enfermeiras graduadas lá na Venezuela e não conseguem trabalhar aqui. Tem uma menina que conheço que trabalhava nos melhores hospitais da Venezuela e está desempregada.”

“Bancada da saúde migrante”

Antes da Conferência Nacional Livre de Saúde das Populações Migrantes, a FENAMI já havia promovido uma mobilização ao longo das Eleições Gerais de 2022. O objetivo era de apoiar a eleição de candidatos tanto a nível regional quanto nacional comprometidos com a melhoria das condições de saúde da população migrante no Brasil.

Ao todo, a Carta Compromisso pela Saúde de Migrantes foi assinada por um total de 73 candidaturas espalhadas por 11 Estados e ligadas a oito partidos diferentes. Ao final do pleito, 35 candidatos a deputado federal e estadual foram eleitos.

O resultado foi considerado positivo por permitir, entre outras ações, a formação de uma bancada parlamentar, em nível local e nacional, que atue em favor de uma política nacional de acesso à saúde por pessoas migrantes.

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