Os casos recentes de naufrágios e afogamentos de imigrantes no mar Mediterrâneo ajudam a trazer para o debate europeu e internacional questionamentos sobre a atuação e o futuro da Frontex, a Agência Europeia de Gestão da Cooperação Operacional nas Fronteiras Externas.
Nos primeiros sete meses de 2021, o número de mortos na região central do mar Mediterrâneo foi quatro vezes superior àquele visto no mesmo período em 2020. São quase mil óbitos, com, por exemplo, duas capotagens na mesma semana em julho apenas na costa da Líbia. As águas do mediterrâneo servem como rota de migração para aqueles que saem do Oriente Médio e do norte da África em direção à Europa, com muitos partindo originalmente da África subsaariana.
A Frontex serve à União Europeia (UE) com o intuito de proteger suas fronteiras externas daqueles que chegam de fora do espaço de livre circulação europeu. De fato, a organização foi projetada para servir como uma agência de segurança fronteiriça, mas ela tem falhado em garantir os direitos dos migrantes que atravessam o mar Mediterrâneo e em preservar suas vidas.
Os casos de acidentes fatais envolvendo migrantes no mar Mediterrâneo não são isolados, e vêm crescendo recentemente. De acordo com Flavio di Giacomo, porta-voz italiano da Organização Internacional para as Migrações (OIM), patrulhas marítimas e embarcações de autoridades europeias têm diminuído ao longo dos últimos anos, o que resulta diretamente em um número maior de mortes.
Abolição da Frontex
Além da Frontex falhar em garantir uma travessia segura desses migrantes e evitar fatalidades, a agência está envolvida nos chamados pushbacks. Ele ocorre quando os migrantes são enviados de volta a seus locais de partida, muitas vezes sem sequer terem seus pedidos de refúgio analisados ou considerados, indo contra a Convenção de Genebra de 1951 e violando tanto leis da UE quanto leis internacionais, como a lei internacional do mar, que indica que os países têm o dever de proteger os indivíduos em situação vulnerável, mesmo que a embarcação não esteja na jurisdição nacional. Tais pushbacks são muitas vezes acompanhados de casos de violência, abuso e tortura.
Devido à sua interferência nesse cenário, a Frontex está sendo criticada, e ativistas pedem por sua abolição. Tal pedido – efetuado pela coalizão #AbolishFrontex – manifesta que o regime de fronteira da UE tem, além de exercido pushbacks, forçado os migrantes a percorrerem trajetos de migração perigosos, demandado que países vizinhos interrompam as migrações, e se recusado a salvá-los, como é perceptível com a diminuição recente de patrulhas.
Em 2020, surgiu um vídeo que mostrava um dos navios da Frontex criando ondas no Mar Egeu que afastou um bote carregado de migrantes. Outros casos foram investigados, como o do envolvimento de um navio da Frontex no pushback de 47 migrantes na costa da ilha grega de Lesbos, onde foi concluído que a embarcação da Frontex MAI 1103 criou ondas responsáveis por afastarem o bote.
Além disso, em agosto do ano passado, pessoas que se banhavam em praia de Lesbos relataram que viram embarcações, tanto da Frontex, quanto da OTAN, nas proximidades de um bote com migrantes que sofreu pushback e foi enviado de volta à águas turcas. Ali, de 22 anos, que estava no bote, afirmou que os passageiros imploraram para deixar eles irem para Mytilene, a capital de Lesbos, alegando que na embarcação tinham crianças. Infelizmente, mesmo com água vazando para dentro do barco, eles foram impedidos de prosseguir e tiveram que retornar para a Turquia, onde foram resgatados pela guarda costeira turca.
Esses casos se somam ao fato da Frontex não conseguir simplesmente impedir que os pushbacks ou que acidentes fatais ocorram com migrantes no mar Mediterrâneo. Um exemplo é de quando, ano passado, a guarda costeira da Grécia deixou 22 migrantes à deriva, ao mesmo tempo em que um avião de vigilância trabalhando para a Frontex sobrevoava a área, com equipamento em mãos capaz de dar assistência.
Além disso, quando abre investigações, a Frontex simplesmente questiona o governo em questão sobre os pushbacks ou acontecimentos envolvendo os botes com migrantes e aceitam qualquer resposta, sem prosseguir com investigações mais profundas.
Revisão do sistema
De acordo com Itamar Mann, professor de direito na universidade de Haifa, a Frontex está profundamente envolvida na mais gritante violação do direito ao refúgio na Europa já vista, e “como organização, [ela] está gradualmente abraçando cada vez mais a dura realidade das violações que, infelizmente, se tornaram sistemáticas”, apontando ainda a tolerância e cumplicidade da organização para as tragédias que os migrantes estão passando, e alertando que está nas mãos do público europeu e de políticos culpabilizar a organização.
Nesse sentido, houve alguma forma de progresso, ou ao menos de culpabilização. A agência está sendo duramente criticada por relatório do parlamento europeu, que advoga que o diretor da organização deveria renunciar. Mas o problema parece ser mais sistêmico do que estritamente de liderança. A autora do relatório, Tineke Strik, afirma que “Um dos problemas é que a Frontex foi concebida como uma organização de segurança, ao invés de de direitos (…) alguns dos atores ainda entendem que quando você começa a trabalhar com direitos fundamentais, você se torna menos efetivo em controle fronteiriço (…) [A Frontex] necessita trabalhar com ambos os campos, então, na realidade, não é uma discussão”.
Por outro lado, a visão de ativistas da #AbolishFrontex apresenta viés alternativo acerca do contexto, levantando a necessidade de uma revisão do sistema europeu em si em relação ao olhar existente acerca de indivíduos migrantes.
“Se realmente acreditarmos que todos os humanos são iguais, então necessitamos desmantelar os sistemas que perpetuam a desigualdade. A Frontex, como parte de um complexo industrial-fronteiriço, não tem nenhum lugar na nossa visão de uma sociedade europeia buscando por justiça e comprometida com a reparação dos impactos sofridos pelo sul global com um mindset de supremacia branca”, opina a alemã Carola Rackete, capitã de navio e uma das organizadoras da campanha.
Enquanto isso, Stéphanie Demblon, da campanha belga Agir pour la Paix, declarou que “Não estamos pedindo por uma melhor política migracional europeia: estamos demandando a abolição da Frontex e a desmilitarização das nossas fronteiras. E estamos agindo para atingir isso”.
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