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sexta-feira, julho 26, 2024

De olho em eleição, Biden endurece trato a migrantes que buscam asilo nos EUA; ONGs prometem ir à Justiça

Questão migratória está entre as principais preocupações da população dos EUA, segundo pesquisas recentes, influenciando a disputa eleitoral e sua abordagem

O governo Joe Biden tomou a medida mais dura de seu mandato em relação ao trato das migrações nos Estados Unidos. Na última terça-feira (4), o presidente – que é do Partido Democrata – emitiu uma ordem executiva que impõe uma restrição temporária ao asilo na fronteira entre o país e o México, que começou a valer já no dia seguinte.

De acordo com a medida, a fronteira com o México deverá ser fechada toda vez que o número de pessoas tentando cruzá-la superar os 2.500 por dia, na média semanal, e só será reaberta quando a média cair para 1.500. Como este número foi atingido na última semana, a barreira já entraria em vigor de imediato.

Entre as normas incluídas na determinação está uma que consiste na expulsão de imigrantes que cruzem a fronteira de forma indocumentada sem a possibilidade de ter seus pedidos de asilo atendidos. O decreto usa o termo “ilegal”, que não é empregado pelo MigraMundo. Tal medida fere o Estatuto dos Refugiados das Nações Unidas (ONU), do qual os Estados Unidos são signatários. Consequentemente, os expulsos deverão voltar ao México ou até seus respectivos países de origem.

Tentando se antecipar a críticas, Biden afirmou em discurso ainda na terça-feira que, apesar do endurecimento, ele nunca vai “demonizar imigrantes” ou se referir a eles como “envenenando o sangue de um país”, em referência a falas recentes do adversário republicano, Donald Trump, que tem ampliado a retórica anti-migração em sua tentativa de retornar à Casa Branca nas eleições deste ano.

Em discursos, Trump promete fazer um recorde de deportações caso seja eleito, acusa imigrantes de “envenenarem o sangue da nação” e associa, sem provas, o aumento do fluxo migratório à criminalidade. O candidato republicano ainda repete que imigrantes vindos de “prisões e hospitais psiquiátricos” estão entrando no país e falando línguas “que nunca nem ouvimos falar”.

Influência das eleições

O anúncio de Biden ocorre a cinco meses da eleição presidencial nos Estados Unidos, onde a pauta migratória é um dos principais temas em debate.

Uma pesquisa feita pelo Instituto Gallup divulgada no final de abril mostra que a imigração se manteve pelo terceiro mês consecutivo como a maior questão vivenciada pelos EUA na visão da população nacional. Quase 3 em cada 10 dos habitantes (27%) apontam o tema como central, muito acima dos 18% e 17% que citam governo e economia, respectivamente, como os maiores problemas.

Um outro levantamento, feito pela rede NBC em janeiro, apontou que 57% dos entrevistados acreditam que o ex-presidente Donald Trump, então favorito dentro do Partido Republicano para disputar a Casa Branca, seria mais capaz de lidar com a questão migratória do que o democrata Joe Biden, atualmente no poder e que busca a reeleição.

Vale lembrar que em 2020, quando eleito presidente, Biden derrotou o então postulante à reeleição Donald Trump e tinha como parte de seu discurso uma abordagem diferente do rival quanto às migrações. O republicano, que tem o rechaço às migrações como uma de suas bandeiras de campanha e de governo, se notabilizou por propostas como a de construir um muro contínuo ao longo de toda a fronteira com o México.

Aline Arruda, professora de Relações Internacionais do CEUB (Centro Universitário de Brasília), pontua que a questão eleitoral de fato influencia nesse endurecimento de Biden quanto às migrações.

“A questão migratória é um assunto muito delicado nos Estados Unidos. O Biden vem sendo bastante criticado por não ser tão duro na sua política. Para ter popularidade, o governo tem que demonstrar uma preocupação com o controle migratório, o que é extremamente complicado do ponto de vista humano”.

O democrata ainda é alvo de críticas da ala mais progressista de seu partido, que defende uma abordagem mais humanitária para a migração e vê na recente ordem uma concessão aos conservadores com fins eleitoreiros.

Trecho do muro da fronteira com os EUA em Ciudad Juárez, México. (Foto: Alejandro Cartagena/Unsplash)

Contestações à vista

A determinação autorizada por Biden é semelhante a uma tentativa feita por Trump em 2018, barrada pela justiça. Organizações Não-Governamentais, inclusive, já afirmam que vão contestar judicialmente a medida.

“Era ilegal sob Trump e não é menos ilegal agora”, afirmou em nota a União Americana pelas Liberdades Civis (ACLU, na sigla em inglês), que liderou a acusação contra a tentativa do governo anterior de bloquear o asilo em 2018, resultando na interrupção da política por tribunais federais.

Em entrevista ao canal CNN, Todd Schulte, presidente da ONG FWS.us, que defende uma reforma geral do sistema judicial nos EUA, apontou a ordem de Bidem como “um passo na direção errada” tanto em termos de manter a promessa de nossa nação aos mais vulneráveis quanto de ter uma fronteira ordenada e segura. “Deveríamos construir vias legais para reduzir a pressão na fronteira e também proporcionar alívio aos Dreamers, cônjuges indocumentados de cidadãos dos EUA, indivíduos elegíveis para o TPS e outros que viveram neste país, muitas vezes durante décadas”.

“Consideramos esta ordem preocupante, especialmente dada a realidade de que a capacidade limitada nos pontos de entrada muitas vezes significa que aqueles que fogem da perseguição enfrentam longos tempos de espera em situações perigosas antes de poderem iniciar o processo de solicitação de asilo. Como resultado, muitos são levados a buscar segurança em outros pontos de entrada”, afirmou a ONG World Relief, por meio de comunicado à imprensa.

Em análise sobre a medida anunciada por Biden, o American Migration Council apontou que a ordem não interromperá os encontros na fronteira e não resolverá os atrasos no processamento das solicitações de asilo. E que somente uma ação do Congresso para reformar o sistema de imigração quebrado pode resolver os problemas.

“Instamos o Congresso a trabalhar em conjunto com o Presidente Biden para melhor equipar nosso sistema de asilo, contratando mais oficiais de asilo, juízes de imigração e pessoal de apoio; expandir os esforços regionais para compartilhar o trabalho crítico de resposta ao aumento do deslocamento; melhorar o processamento de asilo e refugiados; e comunicar mudanças de políticas aos solicitantes de asilo e às comunidades receptoras, capacitando as pessoas a tomarem decisões informadas. Atualmente, o governo não está oferecendo nem investimentos nem soluções. Essencialmente, está torcendo para que o sistema de asilo se conserte sozinho”.

Contradições

Apesar do apelo eleitoral que o maior controle sobre a migração exerce sobre candidatos e parte da sociedade estadunidense, a professora Aline Arruda aponta que há uma contradição importante nesse sentimento, uma vez que a população migrante é importante para a economia dos Estados Unidos.

Um levantamento da Comissão de Orçamento do Congresso dos EUA indica que imigrantes indocumentados vão gerar 1,7 milhão de empregos apenas em 2024 no país e garantir mais 7 trilhões de dólares no PIB estadunidense em dez anos.

Especialistas, contudo, reconhecem a dificuldade existente em levar tal mensagem ao eleitorado médio, mais aberto a discursos que evocam uma abordagem mais securitária do processo migratório.

“A migração ainda, hoje em dia, infelizmente é tratada como um caso de segurança, até mesmo em países que dependem da mão de obra migrante, como os EUA. Isso é uma contradição. Uma economia avançada como a dos EUA não só comporta esses estrangeiros como depende deles no mercado de trabalho, mesmo daqueles que são indocumentados. Isso é indiscutível, mas não há um reconhecimento dessa contribuição”, completa Arruda.

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