Pela terceira edição seguida, uma Olimpíada contará com uma delegação composta somente por atletas com status de refugiados reconhecidos pela ONU (Organização das Nações Unidas). Ao todo serão 36 competidores que disputarão 12 modalidades nos Jogos Olímpicos de Paris, que serão realizados de 26 de julho a 11 de agosto na capital francesa.
O anúncio foi feito nesta quinta-feira (2) pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), durante cerimônia transmitida ao vivo da Casa Olímpica em Lausanne, Suíça. O tamanho da delegação é mais que o triplo da enviada para os Jogos do Rio, em 2016, quando competiu pela primeira vez com 10 atletas. Em Tóquio-2021 a equipe contou com 29 integrantes.
A equipe olímpica de refugiados selecionada para Paris-2024 vai contar com 23 homens e 13 mulheres, de 11 países de origem: Afeganistão, Irã, Síria, Sudão, Eritreia, Venezuela, Etiópia, Cuba, Sudão do Sul, Camarões e República Democrática do Congo.
Os refugiados vão competir em 12 modalidades, todas de caráter individual: atletismo, badminton, boxe, breaking, canoagem, ciclismo, judô, levantamento de peso, natação, taekwondo, tiro esportivo e wrestling.
“Com sua participação nos Jogos Olímpicos, vocês demonstrarão o potencial humano de resiliência e excelência. Isso enviará uma mensagem de esperança às mais de 100 milhões de pessoas deslocadas ao redor do mundo”, disse o presidente do COI, Thomas Bach, durante a cerimônia.
O caráter de resiliência do grupo também foi destacado pelo Alto Comissário das Nações Unidas para Refugiados, Filippo Grandi, que também lembrou que o esporte abre caminhos para que essas pessoas possam lidar com suas próprias questões. “Esses atletas representam o que os seres humanos podem fazer, mesmo diante de adversidades extremas. A equipe também nos lembra que o esporte pode ser transformador para pessoas cujas vidas foram interrompidas em circunstâncias muitas vezes angustiantes. O esporte pode oferecer um refúgio, uma fuga das preocupações diárias, uma sensação de segurança, um momento de prazer. Ele pode dar às pessoas a chance de se curar fisicamente e mentalmente, e se tornarem parte de uma comunidade novamente.”
Confira a delegação do atletas refugiados em Paris-2024
A maioria dos atletas foi selecionada entre refugiados apoiados pelo Programa de Bolsas de Atletas Refugiados, financiado pelo programa de Solidariedade Olímpica do COI gerido pela Fundação de Refúgio Olímpico.
A equipe de refugiados ainda busca a primeira medalha em Jogos Olímpicos. Dos 36 competidores, apenas dois obtiveram as vagas pelo meio convencional. Os demais 34 chegam aos Jogos Olímpicos a convite do COI. De acordo com o ACNUR (Alto Comissariado da ONU para Refugiados), a escolha baseia-se em vários critérios, incluindo, em primeiro lugar, o desempenho esportivo de cada atleta e seu status de refugiado.
Nenhum dos refugiados que vão disputar os Jogos Olímpicos de Paris está acolhido no Brasil. A maioria vive e treina atualmente em países da Europa. Veja abaixo os nomes de cada atleta, nacionalidade, modalidade e país no qual vive no momento:
- Farida Abaroge (etíope refugiada na França – atletismo);
- Omid Ahmadisafa (iraniano refugiado na Alemanha – boxe);
- Yahya Al Ghotany (sírio refugiado na Jordânia – taekwondo);
- Mohammad Amin Alsalami (sírio refugiado na Alemanha – atletismo);
- Amir Ansari (afegão refugiado na Suécia – ciclismo de estrada);
- Sibghatullah Arab (afegão refugiado na Alemanha – judô);
- Matin Balsini (iraniano refugiado na Grã-Bretanha – natação);
- Mahboubeh Barbari Zharfi (Iraniano refugiado na Alemanha – judô);
- Edilio Francisco Centeno Nieves (venezuelano refugiado no México – tiro esportivo);
- Muna Dahouk (síria refugiada na Holanda – judô);
- Jamal Abdelmaji Eisa Mohammed (sudanês refugiado em Israel – atletismo);
- Saeid Fazloula (iraniano refugiado na Alemanha – canoagem velocidade);
- Tachlowini Gabriyesos (eritreu refugiado em Israel – atletismo);
- Eyeru Gebru (etiópe refugiada na França – ciclismo de estrada);
- Yekta Jamali Galeh (iraniana refugiada na Alemanha – levantamento de peso);
- Fernando Dayán Jorge Enríquez (cubano refugiado nos Estados Unidos – canoagem velocidade);
- Dorian Keletela (congolês refugiado na França – atletismo);
- Adnan Khankan (sírio refugiado na Alemanha – judô);
- Perina Lokure (sul-sudanesa refugiada no Quênia – atletismo);
- Iman Mahdavi (iraniano refugiado na Itália – wrestling);
- Farzad Mansouri (afegão refugiado na Grã-Bretanha – taekwondo);
- Alaa Maso (sírio refugiado na Alemanha – natação);
- Kasra Mehdipournejad (iraniano refugiado na Alemanha – taekwondo);
- Cindy Ngamba (camaronense refugiada na Grã-Bretanha – boxe);
- Dina Pouryounes Langeroudi (iraniana refugiada na Holanda – taekwondo);
- Mohammad Rashnonezhad (iraniano refugiado na Holanda – judô);
- Amir Rezanejad (iraniano refugiado na Alemanha – canoagem slalom);
- Ramiro Mora Romero (cubano refugiado na Grã-Bretanha – levantamento de peso);
- Nigara Shaheen (afegã refugiada no Canadá – judô);
- Luna Solomon (eritreia refugiada na Suíça – tiro esportivo);
- Saman Soltani (iraniana refugiada na Áustria – canoagem velocidade);
- Musa Suliman (sudanês refugiado na Suíça – atletismo);
- Manizha Talash (afegã refugiada na Espanha – breaking);
- Hadi Tiranvalipour (iranianoa refugiado na Itália – taekwondo);
- Jamal Valizadeh (iraniano refugiado na França – wrestling;
- Dorsa Yavarivafa (iraniana refugiada na Grã-Bretanha – badminton)
Sob nova bandeira
Os Jogos Olímpicos de Paris serão os primeiros nos quais os refugiados vão competir com uma bandeira própria – na edições anteriores (Rio-2016 e Tóquio-2021) a equipe era representada pelo emblema olímpico.
A nova representação conta com um coração ao centro originado do logotipo da Fundação Olímpica de Refugiados. Ele visa representar o pertencimento que a equipe espera inspirar e que atletas e pessoas deslocadas ao redor do mundo encontraram por meio do esporte.
“Este emblema nos une. Todos nós somos unificados por nossa experiência – embora todos diferentes, todos tivemos uma jornada para chegar onde estamos. Os atletas não estão representando um país específico, estão representando a Equipe Olímpica de Refugiados – ter nosso próprio emblema cria um senso de pertencimento e nos capacita a também representar a população de mais de 100 milhões de pessoas que compartilham essa mesma experiência. Mal posso esperar para usá-lo com orgulho!”, disse Masomah Ali Zada, ciclista de origem afegã que competiu em Tóquio e que volta aos Jogos no posto de chefe de missão da equipe olímpica de refugiadas.
Valorização ou estigmatização?
Há quem defina a equipe como um centro de representatividade da população em deslocamento forçado e dos potenciais que possui. Por outro lado, há especialistas que consideram que um time formado por refugiados reforça o estigma desses indivíduos em uma situação de limbo, sem pertencimento a uma nação – ou seja, sem representar nem o país de origem, nem o de acolhimento.
Esse debate foi abordado no MigraMundo em uma publicação de setembro de 2021, poucas semanas após os Jogos de Tóquio.
“Não seria um símbolo de esperança ainda maior para os refugiados em todo o mundo se esses atletas recebessem a cidadania em seu país de refúgio e fossem escolhidos para a seleção nacional?”, disse à época o pesquisador do Centro de Estudo de Refugiados da Universidade de Oxford e ex-chefe de Desenvolvimento de Políticas e Avaliação do ACNUR, Jeff Crisp.
Delegado do Congresso de Refugiados de Maryland (EUA), Teklit Michael – nascido na Eritreia – fez dois contrapontos. Da mesma forma em que ele reforça que ‘ser rotulado como refugiado é ter o resto de sua identidade arrancado de você’, ele conclui que “graças à equipe apátrida do ACNUR nas Olimpíadas, há uma visibilidade crescente do fato de que, com oportunidades, os refugiados podem ser muito mais”.