O dia 3 de outubro de 2013 entrou negativamente para a história das migrações com uma tragédia nas proximidades de Lampedusa, uma pequena ilha no sul da Itália. O naufrágio com um barco lotado de migrantes que tinha saído da Líbia matou 368 pessoas e chocou a Europa à época.
O caso chamou a atenção para uma situação que já se arrastava à época no Mediterrâneo. Nos 20 anos anteriores ao naufrágio de 2013, pelo menos 20 mil pessoas tinham morrido nas águas da costa italiana na tentativa de chegar à Europa.
Um ano depois, a OIM (Organização Internacional para as Migrações) publicou um relatório intitulado Fatal Journeys (Viagens Fatais, em tradução livre) e iniciou o Missing Migrants Project, iniciativa que desde então vem contabilizando mortes e desaparecimentos de migrantes em travessias mundo afora.
Os dados do Missing Migrants Project vem consolidando ao Mediterrâneo alcunhas nada edificantes, como de “cemitério de migrantes” e de travessia migratória mais letal do mundo, especialmente na região conhecida como Mediterrâneo Central – que compreende Itália e Malta do lado europeu e Líbia e Tunísia na margem africana.
Também após o 3 de outubro de 2013, foi fundado na Itália o Comitato 3 ottobre (Comitê 3 de outubro, em tradução livre), ONG italiana com o objetivo de sensibilizar o público sobre os temas da inclusão e acolhimento através do diálogo com cidadãos, estudantes e instituições. A entidade promoveu mobilizações na Itália ao longo da última semana, lembrando a data e cobrando ações dos governos locais para evitar novas tragédias.
Salvar vidas como imperativo moral
Dez anos depois, no entanto, as tragédias continuam a ocorrer. E em maior frequência, com mais vítimas.
O ano de 2023 registrou o primeiro trimestre mais mortal desde 2017. E apenas neste ano, até 2 de outubro, 2.517 pessoas foram registradas como mortas ou desaparecidas apenas no Mediterrâneo Central.
“Raramente uma semana passa sem histórias de tragédias e incidentes dramáticos em todo o mundo, seja no mar ou em rotas terrestres. Eles se tornaram alarmantemente comuns, embora possam ser evitados. A necessidade de oferecer uma resposta significativa não pode mais ser adiada. Salvar vidas não é uma opção, é uma obrigação jurídica. É um imperativo moral”, disseram, em nota conjunta, a diretora-geral da OIM, Amy Pope, e o alto comissário da ONU para Refugiados, Filippo Grandi.
As duas agências da ONU cobram dos Estados o compromisso com medidas concretas para evitar a ocorrência de novas tragédias, como rotas seguras e regulares de migração e de asilo.
“Solicitamos esforços redobrados para fortalecer a cooperação em operações coordenadas de busca e resgate; garantir que migrantes e refugiados recebam assistência emergencial; acabar com a criminalização, obstrução ou dissuasão daqueles que prestam ajuda humanitária; estabelecer caminhos regulares e eficazes que atendam às necessidades e respeitem os direitos humanos de todos os envolvidos; combater o tráfico e a exploração; e coletar dados para prevenir e solucionar casos de migrantes e refugiados desaparecidos, tornando-os públicos”, prossegue a nota.
Também por meio de nota relativa aos dez anos do naufrágio em Lampedusa, a PICUM (Platform for Undocumented Migrants) fez coro aos apelos das Nações Unidas.
“A única maneira de evitar mais mortes no Mediterrâneo é abrir rotas regulares seguras, com procedimentos justos de asilo e permissões de trabalho dignas, para que as pessoas não precisem depender do contrabando e de jornadas “irregulares” arriscadas e caras”.
Respostas europeias
Os governos nacionais, no entanto, têm agido na direção oposta. Em 25 de fevereiro, a Itália aprovou uma lei que dificulta o socorro a sobreviventes no mar por ONGs. Um dia depois, um novo naufrágio na costa sul do país matou mais de 60 pessoas, em sua maioria originárias do Afeganistão, Paquistão, Irã e Somália.
Em 17 de setembro, em visita a Lampedusa, que viveu um novo pico de chegada de migrantes nos dias anteriores, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a questão requer uma “resposta europeia” e prometeu medidas, incluindo o reforço das missões navais no Mediterrâneo e apoio à Itália no processamento de solicitações de asilo.
“Nós decidiremos quem vem para a União Europeia e em que circunstâncias. Não os contrabandistas”.
Meses antes, em julho, o governo italiano e a Tunísia firmaram um acordo para impedir a saída de imigrantes. No entanto, as chegadas recentes mostraram que tal ação, assim como as anteriores, não conseguiu impedir o fluxo migratório.
“Punir as pessoas por se mudarem para a Europa não reconhece nem aborda por que as pessoas se mudam em primeiro lugar, nem quais opções têm para fazê-lo com segurança e dignidade, seguindo rotas “regulares” (quase inexistentes). As pessoas se mudam. Sempre o fizeram e sempre o farão”, ressaltou a PICUM, em nota.