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terça-feira, novembro 26, 2024

Dez motivos pelos quais o Brasil pode ser um porto seguro real para refugiados 

Muito embora medidas de integração cultural e laboral ainda estejam aquém, é inegável que esforços conjuntos do governo brasileiro, sociedade civil e terceiro setor, além do “calor brasileiro”, têm sido fundamentais para fazer do país um oásis migratório

Por André Naddeo
Diretor-Executivo do Planeta de TODOS

Um rápido esclarecimento antes de elencar os pontos principais desse artigo: há muito trabalho ainda a ser feito quanto ao processo de acolhimento de pessoas refugiadas no Brasil. A carência de um processo de mediação cultural e alternativas de integração sócio-laboral, em se tratando de culturas mais alheias e distantes à nossa, ainda faz com que muita gente utilize o país como trânsito para outros países. 

O caso dos afegãos, que vêm chegando há mais de dois anos, é o resumo da ópera: muitos preferiram perseguir o sonho dos Estados Unidos — via rotas irregulares e inseguras — porque faltou uma resposta mais clara e objetiva, após inúmeros vistos humanitários concedidos. O caos no aeroporto internacional de Guarulhos foi o mais expressivo exemplo. 

Dito isso, na esteira de um relatório recente das Nações Unidas (Acnur) que coloca o Brasil como potencial “campeão global” no acolhimento de refugiadosnós como Planeta de TODOS, e experientes no processo de acolhimento de vulneráveis por todo o mundo, elencamos dez motivos pelos quais o país pode ser, sim, considerado um porto seguro real para pessoas refugiadas. Especialmente se as medidas acima forem, de fato, colocadas em prática com um leque mais amplo de nacionalidades.

1) O grande diferencial do Brasil neste contexto migratório é a garantia de que as pessoas refugiadas podem ter acesso a vias legais de chegada, ou seja, sem recorrer ao mercado do tráfico de pessoas — fato comum na Europa. Os afegãos que chegaram ao país, por exemplo, desde o retorno do grupo radical Talibã ao poder (agosto, 2021) recorreram a rotas seguras, com o devido visto humanitário concedido e voos de carreira. Como qualquer ser humano deveria fazer, sem arriscar a vida. 

O país tem se mostrado muito aberto na concessão da proteção internacional de refugiados (prevista na Convenção de Genebra, 1951) o que, por si só, já serve de exemplo ao Velho Continente. Não é preciso ser um gênio para entender que, quando as fronteiras são fechadas e não existe a possibilidade de solicitação de asilo, quem agradece são as diversas máfias operantes no mundo. Para se ter uma ideia, o tráfico de pessoas no mundo hoje só gera menos renda a criminosos do que armas e drogas.  

2) Muito embora o Brasil ainda tenha grande parte da sua população dependente do mercado informal, a condição de uma pessoa refugiada, ao pisar legalmente em terras brasilis, é a mesma de um brasileiro: acesso ao SUS, CPF, CTPS…Ou seja, pode fazer um contrato CLT, ter os seus direitos garantidos e impostos, devidamente pagos. Só não pode votar nas eleições e participar de concurso público, mas ainda assim, em comparação (outra vez) com o contexto europeu, é muito mais humano. Na Europa, a condição de solicitante de asilo te coloca num macabro processo de “limbo social”, que é quando a pessoa não sabe se vai ser aceita naquele país e vive em eterna dúvida sobre se deve, por exemplo, aprender ou não a língua local. 

3) Nunca antes na história desse país o ESG esteve tão em voga. O termo, que no inglês significa Environmental, Social e Governance (meio ambiente, social e governança) veio para ficar no mundo corporativo. Diversas empresas entenderam que a alocação de pessoas refugiadas não só traz mais dinamismo aos valores e missões de cada uma, como também as ajudam a atingir suas respectivas metas de ESG. 

4) Aliás, falando em mundo corporativo e recursos humanos, é inegável para qualquer gestor que os refugiados e refugiadas pelo mundo trazem consigo dois elementos considerados fundamentais numa entrevista de emprego: coragem e resiliência. Com medidas mais efetivas de integração laboral, facilmente as empresas abrirão cada vez mais vagas para que estes seres humanos possam obter a sonhada emancipação social. Desde que abrimos nosso primeiro projeto social no Brasil, em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, a receptividade e a busca orgânica de empresas pelos nossos residentes têm nos surpreendido positivamente. 

5) Falando ainda do acolhimento brasileiro, temos sentido por aqui que o tema do refúgio fica fora do “Fla x Flu” político ou da polarização entre esquerda e direita. Naturalmente, a curiosidade brasileira pelos estrangeiros gera um acolhimento apolítico da causa, bem diferente do que acontece, por exemplo, nos EUA e na Europa, onde o tema da imigração é totalmente capaz de influenciar eleições e ainda carrega muita xenofobia/ignorância.

6) O Brasil é um prato cheio para “professores refugiados”, dado o nosso gap educacional na questão linguística — apenas 5% dos brasileiros falam inglês fluentemente, por exemplo. Portanto, abre-se uma chance enorme de que esse intercâmbio de línguas tome mais corpo e aumente o nosso coeficiente. O Instituto Adus, por exemplo, sediado em São Paulo e há anos envolto na questão do refúgio, tem um programa brilhante nesse sentido. 

7) Pelo seu passado migratório e também por ser um grande “liquidificador cultural”, o Brasil já é acolhedor por si só. Afinal, nos parecemos com todo mundo. Qualquer um pode se passar por um brasileiro(a). Recentemente, trouxemos um ex-residente de nosso programa, que vive em Atenas, na Grécia (onde ainda temos um projeto social, aliás) para uma série de palestras e eventos. Originário de Mianmar e da etnia rohingya (a mais perseguida do mundo), ele me confessou que foi a primeira vez em que chegou num país estrangeiro sem que as pessoas o olhassem de maneira estranha ou apontassem. Se sentiu parte, se sentiu “mais um”, exatamente a maneira como deveria ser em qualquer sociedade séria.

8) A nossa gastronomia é muito rica e fica claro pelo amplo leque de opções que o Brasil é um vasto cardápio de temperos de acordo com a região em que se está  ou o restaurante/mercado escolhido. Há diversas opções — diferentemente de outros países — de sabores que é quase impossível que um ou uma não se sinta acolhido(a) também nesse sentido.

9) Muitos refugiados têm em seus respectivos ideais o conceito de que Europa e Estados Unidos são um paraíso e é recorrente que esse sonho alimentado na terra natal desmorone uma vez que o processo de asilo é iniciado — basta ver a quantidade de estrangeiros que dormem nas ruas nesses países (considerados) de primeiro mundo. O Brasil, no entanto, é mais na velha máxima da “vida como ela é”. Todos e todas sabem que não se trata de um país rico e que é preciso lutar desde o início pela emancipação social. É pé no chão! 

10) Por fim, e não menos importante, o Brasil ainda oferece um interessante processo de naturalização: após o reconhecimento do status de refugiado(a), são quatro anos para que seja autorizado o pedido de nacionalidade. É um tempo razoavelmente curto — em comparação com outros países — o que automaticamente traz um processo de pertencimento. Não que seja fácil a espera, mas o vislumbre é real e palpável.

Sobre o autor

André Naddeo é jornalista com passagem pelas redações dos principais portais do país. Há oito anos, “chutou o balde” e começou a trabalhar com refugiados de mais de 26 nacionalidades. Idealizou um programa inovador de acolhimento e integração sociocultural de jovens refugiados e hoje é diretor-executivo da ONG Planeta de TODOS.

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