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domingo, dezembro 22, 2024

Dinheiro, incerteza, estresse e solidão: migrantes na Europa falam sobre confinamento em meio ao Covid-19

Oito migrantes residentes na França e Inglaterra falaram ao MigraMundo sobre as dificuldades em meio ao confinamento estabelecido para conter o Covid-19

Por Victória Brotto
(de Estrasbourgo, na França)
leia aqui em espanhol
leia aqui em inglês

“O confinamento é como uma guerra, mas sem armas”, diz Agnes Amon Tanoh, 63 anos, refugiada da Costa do Marfim e hoje residente na cidade inglesa de Birmingham.

Ela e outros sete migrantes que vivem em países como França e Inglaterra relataram ao MigraMundo estresse, solidão, dificuldade financeira e nos estudos. Eles também falam sobre a falta de acesso a alimentos e a itens de higiene, devido ao aumento dos preços e ao fechamento de ONGs.

Dos que estão em processo de regularização, os relatos são de processos parados e de audiências por vídeo – o que pode dificultar a comunicação entre requerentes e juízes, ainda mais se o requerente não tiver uma boa conexão.

Outra barreira adicional é que bibliotecas e mediatecas, usadas por essa população com tal finalidade, estão fechadas, e muitos migrantes não conseguem pagar por uma internet razoável.

A., libanês palestino, há seis anos na Inglaterra e hoje residente da cidade de Birmingham, entrou com recurso depois que o seu pedido de asilo foi recusado.

“Eu apliquei novamente para o asilo, mas me informaram que todo os procedimentos estão parados por causa do Coronavírus. Espero que o governo faça algo porque as pessoas estão sofrendo sem o estatuto de refugiado (que lhes permite trabalhar e estudar no Reino Unido).”

A. recebe atualmente uma pequena ajuda financeira. Desde que o asilo lhe foi recusado, ele teve que parar os estudos.

Residentes próximos à cidade de Estrasburgo (onde a foto foi tirada) , refugiados relatam problemas financeiros por conta do confinamento e dificuldade no aprendizado à distância.(Victória Brotto/MigraMundo)

Tecnologia que ajuda ou dificulta?

“Uma amiga minha deveria recorrer à decisão judicial, mas não pode. O que vai acontecer? Nós não sabemos! Todas as ONGs pararam de marcar encontros físicos, as bibliotecas públicas estão fechadas, e então como conseguiremos acesso à internet se não temos computador em casa? E mesmo se tivermos, um requerente de asilo não consegue pagar por internet”, afirma Agnes.

A ONG Hope Projects é uma das entidades que oferece assistência jurídica e social para imigrantes sem moradia que tiveram seus pedidos de regularização negados na cidade de Birmingham.

“Nós tomamos muito tempo conversando com as pessoas para ter certeza que elas entenderam a situação e o que elas precisam fazer”, afirma Phil Davis, coordenador da instituição.

“Nós tomamos tempo conversando com as pessoas para ter certeza que elas entenderam a nova situação ”, diz coordenador de ONG britânica que acompanha requerentes de asilo sem moradia.(Crédito: Hope Projects/ Arquivo)

A situação atinge até migrantes que integram a equipe da entidade, como o iraniano Amir, que também dirige uma organização persa LGBT.

“Eu estou esperando para poder submeter meus documentos à corte. Com o confinamento, todos os processos estão suspensos e ninguém sabe o que pode acontecer.”

As Cortes ampliaram o número de audiências de regularização feitas por videoconferência. Apesar de representarem um meio seguro em tempos de pandemia, elas podem ser um problema para requerentes de asilo que não dominam a língua local ou que não têm acesso a uma boa conexão de internet.

Incerteza e estresse sobre regularização

Dois requerentes de asilo residentes em Estrasburgo, na França — com os quais o MigraMundo conversou — também tiveram seus pedidos de asilo negados e estão à espera da reabertura da Corte Nacional do Direito de Asilo (CNDA, em francês) para que seus recursos sejam julgados.

O governo francês ordenou o confinamento duas semanas depois deles terem sido informados da decisão negativa ao seus pedidos por asilo — a quarentena foi estendida pelo menos até o começo de maio.

E foi apenas uma semana depois que eles conseguiram saber que nenhum recurso poderia ser feito, pois a Corte estava fechada.

Para os requerentes de asilo na França que tiveram seu primeiro pedido negado é extremamente importante agir rápido. Assim que recebe-se a decisão da Corte, o requerente tem 15 dias para informar o governo se quer recorrer e se precisa de um advogado.

Uma vez com o advogado, este tem um mês para rescrever a história do seu cliente, apresentar novas provas e enviá-las aos juízes. Esses prazos foram previstos pela Reforma da Lei do Asilo e da Imigração feita pelo governo francês em 2018.

Ou seja, uma semana sem saber se pode ou não recorrer significa mais da metade do tempo que um requerente de asilo tem para reagir.

N., afegão requerente de asilo residente nas proximidades de Bordeaux, no sudoeste da França, espera a abertura da Corte National de Asilo para poder ser ouvido. Ao contrário de outros migrantes, ele conseguiu depositar seu recurso antes do confinamento.

Em entrevista por telefone, N. relatou “muito estresse psicológico” pelo fato de ter tido o seu pedido de asilo negado, por sua família ainda estar no Afeganistão, vivendo sob ameaça de morte por conta de serem cristãos em uma região de maioria muçulmana.

Ele e sua família fugiram para o Irã com o objetivo de embarcar para a Europa, mas a sua esposa e suas filhas foram deportadas porque não tinham vistos. Hoje, ele está confinado em um apartamento com outros requerentes de asilo, de onde espera a reabertura da corte que irá julgar o seu recurso.

“A minha situação é muito muito difícil, mais do que estar confinado, o meu problema é que o governo francês não acredita em mim.”

Esperar até a reabertura dos processos não altera em nada os direitos dos requerentes de asilo na França. Elas continuam tendo o direito de permanecer no país e de morar nos alojamentos sociais. Porém, com a corte fechada, as assistências jurídicas gratuitas foram suspensas até o fim do confinamento.

Dificuldades financeiras

A síria Reem Alkhatib, 40, vive na cidade de Wissembourg, há 50 quilômetros de Estrasburgo (França) após ter fugido com os dois filhos fugindo da guerra no país natal. Ela relata dificuldades para pagar as contas desde que o restaurante onde trabalha fechou.

Reem, assim como 6,9 milhões de pessoas na França (de acordo com informações do Ministério do Trabalho), recorreu ao seguro desemprego parcial. Mas para ela, o recurso não é o suficiente.

A síria Reem, que relata dificuldade financeiras mesmo com ajuda anunciada pelo governo francês.
(Crédito: Arquivo pessoal)

De acordo com o decreto do dia 25 de março feito pelo governo francês, para evitar que contratos de trabalho fossem rompidos, o trabalhador que não puder trabalhar durante o confinamento pode pedir seguro-desemprego parcial. O regime estabelece 70% do salário bruto ou 84% da hora trabalhada.

“Com o seguro-desemprego parcial, eu consigo no máximo mil euros, mas as minhas contas são mais altas do que isso”, conta ela. “Eu vou ter que trabalhar nas fábricas, tem muita gente fazendo isso porque não tem escolha. É perigoso porque o risco de infecção pelo vírus é alto, mas eu não tenho outra opção.”

Alguns dias depois, Reem informou à reportagem que conseguiu um trabalho temporário como cozinheira em uma casa de repouso. A refugiada síria falou ainda que o governo francês deveria saber que refugiados e imigrantes mais pobres são “uma das partes mais frágeis da população.”

“Nós não temos o domínio da língua, nem temos tantos conhecidos aqui no país, por isso fica difícil de se virar em uma hora dessas.”

Na Inglaterra, a marfinense Agnes vive a mesma dificuldade que Reem, porém não encontrou uma solução para pagar as contas. “Como agente de limpeza, eu só recebo pelas horas trabalhadas. Assim, enquanto durar o confinamento, eu não receberei nenhuma salário.”

Em pronunciamento recente, o diretor da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom , afirmou que era responsabilidade dos governos cuidarem de seus cidadãos, principalmente dos mais vulneráveis.

Solidão e saúde mental

 “A maioria dos refugiados e requerentes de asilo são pessoas que vivem sozinhas em países estrangeiros. Eles normalmente participam de encontros organizados pelas ONGs justamente para socializar”, afirma Agnes.   

“Como ninguém pode sair nem continuar suas atividades como antes, todos se sentem tristes, confusos e isso afeta a saúde mental e psicológica das pessoas”, afirma A, palestino requerente de asilo na Inglaterra.

O sírio Mohammad Ahmad, 33 anos, refugiado residente nos arredores de Paris, também falou parou de participar de encontros que lhe ajudavam a praticar o francês. “Eu ia para lá para conversar com as pessoas e praticar o meu francês, mas hoje não dá. Está tudo fechado”, afirma ele.

Mohammad foi preso duas vezes pelas forças opositoras ao regime sírio, e hoje se vê confinado em um pequeno apartamento social na periferia parisiense.

Já Amin Tatari, refugiado sírio de 23 anos que retomou os estudos no colegial depois que ingressou no sistema de educação francês, segue as aulas de casa, em uma pequena cidade próxima à Estrasburgo.

“A maioria dos professores mandam documentos explicando a matéria por e-mail, junto com os deveres. Eu tenho que ler e tentar entender sozinho”, conta. “Mas como o francês não é a minha língua mãe eu encontro muita dificuldade”, conta Amin, que diz gastar até 10 horas por dia estudando.

Amin Tatri, 23 anos, sírio refugiado em território francês relata dificuldades para seguir ensino à distância. (Crédito: Arquivo Pessoal)

O iraniano Amir fala ainda sobre relatos de requerentes de asilo que não tem papel higiênico nem itens de limpeza nas residências fornecidas pelo governo britânico.  “Nós esperávamos que as autoridades dessem mais atenção às pessoas, que não foram informadas e assistidas da maneira que deveriam”, afirma.

“Uma senhora requerente de asilo têm duas filhas e descobriu essa semana que está grávida. E então toda a sua família teve que se isolar por causa do risco”, relata Agnes. Além da comida, essa senhora teve que comprar um pacote de internet para as duas meninas acompanharem as aulas.

Ainda no Reino Unido, uma pessoa refugiada do Zimbabue relata “muito estresse” por estar sozinha com o filho bebê. “Para sair para fazer compras eu preciso levá-lo (…) me assusta pensar que ele pode ser infectado.”


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