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terça-feira, dezembro 24, 2024

Embaixada do Brasil no Irã ameaça propor fim do visto humanitário para afegãos; veja o que diz o Itamaraty

Edição da portaria atual sobre vistos humanitários para afegãos deixou um limbo jurídico que na prática suspendeu a emissão do documento, gerando problemas diversos

Um comunicado dirigido aos afegãos que ficam na porta da Embaixada do Brasil em Teerã (Irã) e que também circula em aplicativos de mensagens vem chamando a atenção pelo tom agressivo e pela ameaça de propor o fim dos vistos humanitários concedidos pelo governo brasileiro a cidadãos que fogem do grupo fundamentalista Talibã.

O texto, escrito em inglês e em farsi (idioma principal do Irã e também falado por parte da população afegã), é datado de 1º de maio e se encontra acessível no portal do Ministério das Relações Exteriores, por meio de páginas com orientações específicas para os afegãos. O documento tem um tom bastante agressivo e intimador, que destoa bastante das comunicações geralmente feitas pela chancelaria brasileira, e faz uma queixa quanto à insistência dos afegãos em obter informações sobre a retomada da análise e da recepção dos pedidos de visto humanitário.

Em tradução livre para o português, um dos trechos do documento diz: “Se vocês, afegãos, não lerem nossas mensagens e não demonstrarem intenção de respeitar nossas instruções, vocês estão deixando claro que não têm condições de viver no Brasil, pois com o comportamento que estão demonstrando estão nos dizendo que não respeitarão as leis do Brasil. Portanto, se tais aglomerações em frente à Embaixada persistirem, SEREMOS OBRIGADOS A PROPOR AO GOVERNO BRASILEIRO A REVOGAÇÃO DA POLÍTICA DE CONCESSÃO DE VISTOS HUMANITÁRIOS PARA AFEGÃOS” (no texto, o referido trecho em inglês está descrito desta forma, com todas as letras em caixa alta).

Entenda o caso

Na prática, a emissão e análise de pedidos de vistos humanitários para afegãos está suspensa desde outubro de 2023, quando uma portaria do governo federal mudou as regras para esse procedimento. Ela condiciona essa autorização de entrada no Brasil ao convite de uma ONG apta a receber e abrigar o solicitante.

O problema é que a seleção de entidades aptas para tal depende de um edital que nunca foi realizado, deixando a questão dos vistos humanitários para afegãos em um limbo normativo.

É contra essa situação de impasse que afegãos tem se aglomerado em frente à representação diplomática do Brasil no Irã, uma das duas únicas autorizadas a receber, analisar e emitir o visto humanitário para afegãos – a outra fica em Islamabad (Paquistão), ambos vizinhos do Afeganistão. E a mensagem afixada em frente à Embaixada em Teerã se dirige justamente aos afegãos que pressionam o governo brasileiro.

Em julho passado, a Justiça Federal concedeu liminar, confirmada em sentença, a um nacional do Afeganistão para que tivesse analisada a sua solicitação de visto humanitário para ingresso no Brasil, nos termos da Portaria vigente antes de outubro de 2023. A decisão atendeu a um mandado de segurança impetrado contra o setor consular da Embaixada do Brasil em Teerã.

“A falta da publicação de edital de seleção a ser promovido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, a fim de identificar a capacidade de abrigamento por organização da sociedade civil com a qual a União tenha celebrado acordo de cooperação, nos termos da Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014, bem como a avaliação de perfil individual do candidato e comprovação de capacidade de abrigamento pelas organizações da sociedade civil, não seja razão para que a Impetrada suspender os pedidos de processamento de visto humanitário com base na Portaria Interministerial n. 42 de 22 de setembro de 2023, até que sobrevenha a regulamentação do seu artigo 3º, com a efetiva publicação do referido edital”, disse trecho da argumentação do mandado de segurança, ao qual o MigraMundo teve acesso.

Outro lado

Questionada pelo MigraMundo, a Embaixada do Brasil no Irã não se manifestou até a publicação deste texto. O Itamaraty, por sua vez, informou que o governo brasileiro está “empenhado na elaboração de normativa migratória que possibilite o acolhimento humanitário dos imigrantes afegãos de forma segura, ordenada e regular”.

“A Embaixada do Brasil em Teerã tem prestado atendimento regular àqueles interessados em obter visto para o Brasil e publicou, em sua página eletrônica, informações específicas para as solicitações de vistos humanitários por cidadãos afegãos”, dissa a pasta.

A resposta do Itamaraty ao MigraMundo incluiu um link com orientações gerais aos solicitantes de visto afegãos. Por meio dele é possível acessar uma área que traz justamente a mensagem questionada pelo portal.

Quanto ao questionamento sobre uma possível mudança na política de vistos humanitários, tal como descrito no informativo aos afegãos em Teerã, tanto a Chancelaria em Brasília quanto a representação consultar no Irã não se manifestaram.

Os afegãos no Brasil e os vistos humanitários

O recente episódio a respeito dos afegãos que aguardam resposta do governo brasileiro sobre os vistos humanitários é mais um capítulo de uma história que vem colecionando solavancos.

Os vistos humanitários para afegãos foram criados pelo governo brasileiro em setembro de 2021, um mês depois de o grupo radical Talibã retomar o poder no Afeganistão e levar a um grande deslocamento de opositores para outros países.

Segundo o ACNUR, a agência da ONU para Refugiados, desde 2021 foram autorizados 13.133 vistos humanitários provisórios para afegãos no Brasil, com 10.985 efetivamente emitidos. Destes, 5.052 obtiveram autorização para estabelecer residência. Os afegãos representam ainda o quinto país com mais pessoas em necessidade de proteção internacional no Brasil, atrás de Venezuela, Haiti, Cuba e Angola.

Desde o começo, no entanto, foram diversos os episódios de choque gerados por questões como a demora, burocracia e a suspensão da emissão dos vistos. Além dos problemas encontrados pelos afegãos para obter o documento, o ingresso no Brasil ainda costuma reservar outra adversidade: a falta de abrigamento, levado parte dos recém-chegados a ter de acampar no mezanino do Terminal 2 do Aeroporto Internacional de Guarulhos.

Em outubro de 2023, entrou em vigor a portaria publicada no mês anterior pelo governo federal que fez mudanças na emissão de vistos humanitários para afegãos, limitando as representações consulares aptas a emitir o documento e condicionando sua concessão à capacidade de abrigo dos solicitantes em território brasileiro.

À época, o governo federal (por meio dos Ministérios da Justiça e das Relações Exteriores) sustentaram que a portaria de 2023 aprimora a política migratória do Brasil para pessoas afetadas pela situação de instabilidade institucional e de grave violação de direitos humanos no Afeganistão, ao assegurar uma estrutura de acolhimento prévia à efetiva chegada dos afegãos ao país.

No entanto, a medida causou preocupação e dúvidas junto a entidades da sociedade civil e outros envolvidos diretamente na questão. Por meio de nota conjunta, um grupo de 36 entidades, incluindo ONGs de apoio a migrantes, coletivos e universidades, expressou preocupação com a portaria. Elas criticaram especialmente o ponto que condiciona a emissão dos vistos humanitários ao patrocínio de uma determinada entidade ao solicitante do documento.


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