Este perfil é parte do Especial Mulher Migrante e Trabalho, produzido pelo MigraMundo e disponível em português e espanhol
Por Glória Branco
Versão em espanhol por Brisia Pina Zavala
A jornada de trabalho de Júlia* (identificada apenas com o primeiro nome e que preferiu não ser fotografada), 51, começa cedo rumo ao hospital em que trabalha há 12 anos. Ela sai de Interlagos e vai até o centro de São Paulo para cumprir sua etapa como auxiliar de limpeza. Chegar até aqui não foi fácil para Júlia, que deixou para trás seu passado de órfã nas montanhas na fronteira da Bolívia com o Peru.
Seu primeiro trabalho foi no Brasil, quando chegou à cidade de São Paulo em 1982. Sem saber uma palavra de português, a jovem Júlia foi recebida por uma família para trabalhar como babá. Não tinha amigos, nem família e até colocar os pés na metrópole brasileira tinha certeza que estava indo para outra parte da Bolívia.
Trabalhava sem registro, apenas em troca de comida e um lugar para dormir. Os poucos amigos que fez, e que até hoje são a família de Júlia no Brasil, eram nordestinos e assim ela já não se sentia tão só, pois eles também eram migrantes em São Paulo. Foram esses amigos que ensinaram Júlia a falar o português, andar pela cidade, cozinhar e a se adaptar à cidade.
Júlia casou com um brasileiro alguns anos depois e sua vida não ficou mais fácil. Mulherengo e irresponsável, o homem não ajudava em quase nada com as despesas da casa. Era ela quem garantia o sustento e o alimento na mesa. Fazia dupla jornada de trabalho e lutava para manter tudo em ordem. Com muita dificuldade e ainda trabalhando como babá, conseguiu comprar um terreno em Embu-Guaçú, na Grande São Paulo. Construíram uma casa e logo depois a filha nasceu.
Trabalhou até os nove meses de gestação e vinte dias após o parto da filha, voltou às atividades. Saia todos os dias de madrugada de Embu-Guaçú para trabalhar no bairro da Casa Verde, em São Paulo, carregando a filha consigo, pois precisava amamentar. Dias seguidos nessa rotina levaram Júlia ao hospital com estafa. A orientação do médico foi trabalhar menos, mas Júlia não tinha outra escolha. Ou era isso ou ela e sua família poderiam passar fome.
Quando a filha completou 5 anos, Júlia se separou do marido. Após vê-lo em um caso de infidelidade, fez as malas dela e da filha e deixou tudo para trás. Foi acolhida por suas amigas nordestinas e depois de quatro meses conseguiu alugar um cômodo, o que o salário de babá podia pagar.
Nesse mesma época com o apoio de uma amiga brasileira, Júlia procurou pelo Consulado da Bolívia e conseguiu regularizar seus documentos. Como ela também havia retomado os estudos pode, pela primeira vez, trabalhar com registro em carteira. Foi no antigo Hospital Evaldo Foz que Júlia enfim teve seus direitos como trabalhadora assegurados. Depois trabalhou na Cruz Vermelha e atualmente é funcionária em um outro hospital.
Júlia se formou como auxiliar e técnica de enfermagem, mas ainda não exerce a profissão. A filha, hoje com 24 anos, faz arquitetura na FAU/USP. Segundo as próprias palavras de Júlia, “a vida do imigrante é sempre de muita luta, mas também de muitas vitórias”.
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