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terça-feira, abril 23, 2024

Exclusão digital, xenofobia e falta de espaços educativos afetam crianças e jovens venezuelanos na pandemia

Acompanhamento de crianças e adolescentes pelas famílias e em espaços de cuidado é desafio apontado por organizações que acolhem imigrantes e refugiados

Por Lya Amanda Rossa

Em meio às dificuldades enfrentadas por pessoas migrantes e refugiadas no Brasil – como acesso à moradia e trabalho – muitas mães e pais tentam administrar a rotina de seus filhos entre atividades domésticas e trabalho informal para garantir alternativas de renda, num cenário econômico cada vez mais difícil com a proximidade de dezembro, quando o Auxílio Emergencial custeado pelo Governo Federal será encerrado.

O acompanhamento de crianças e adolescentes pelas famílias e em espaços de cuidado tem sido apontado como um desafio por diversas organizações que acolhem migrantes e refugiados.

O mês de novembro, inclusive, inicia com a previsão do retorno às aulas presenciais em diversos estados brasileiros. Na capital paulista, estudantes do ensino médio da rede pública devem retomar as atividades nesta terça-feira (3), ainda sem previsão de ocorrer o mesmo quanto ao Ensino Fundamental e Educação Infantil.

Acolhida na primeira infância

Os cuidados com crianças são cruciais no contexto da pandemia de COVID-19,  já que é desaconselhado pela OMS o uso de máscaras em crianças de até 5 anos.

Ilma Pereira, gerente da ONG Aldeias Infantis SOS, em São Paulo, aponta dificuldades mas também alternativas no suporte a famílias com crianças. “Nosso maior desafio é com as famílias monoparentais chefiadas por mulheres e com filhos entre dois a três anos de idade. Como essa mulher poderá se inserir no mercado de trabalho ou resolver questões de documentação sem ter com quem deixar os filhos? Um dos caminhos que temos encontrado foi o fortalecimento dos vínculos entre as mães, para que elas possam estabelecer uma rede de suporte mútuo, pois um dia essas mães sairão para moradia independente e estamos tentando construir essa resposta”. 

Ao mesmo tempo em que é difícil manter as crianças dentro de casa, faltam opções de espaços que promovam suporte para lidar com os reflexos do isolamento social em crianças e adolescentes, como a falta de integração social à cultura e língua, apoio pedagógico e o desenvolvimento de habilidades linguísticas e psicomotoras.

Tal cenário motivou a criação do projeto Casa na Luz, que atende mulheres e crianças migrantes e refugiadas para oferecer um espaço de convivência e acolhida. A pastora Eliad Dias dos Santos, idealizadora e coordenadora do projeto, conta que o objetivo inicial de atender na região da Luz, no centro de São Paulo, foi readaptada para o cenário da pandemia, com a distribuição de cestas básicas e kits de higiene. Também foram iniciadas obras para a construção do Espaço Criança, que deve iniciar a acolher de forma presencial assim que as obras sejam concluídas.

“Esse é o nosso sonho, porque as crianças necessitam de um espaço onde possam ser criança, não se preocupar com o irmãozinho, não se preocupar com arrumar a casa. Onde possam brincar, correr, se divertir e aprender. Conseguimos uma doação de livros com uma universidade para ter uma biblioteca e queremos realizar aulas de dança, capoeira e judô. Queremos que as crianças saibam que esse espaço é delas”, afirma Eliad.

A iniciativa conta com a ajuda de voluntários e doações, e está em curso uma vaquinha online para arrecadação de fundos, que pode ser acessada através deste link.

Exclusão digital

Já para crianças e adolescentes em idade escolar, a falta de acesso a celulares, internet e materiais didáticos impressos é apontada como uma das maiores dificuldades mesmo nos grandes centros, o que prejudica ainda mais pessoas que vivem próximas à fronteira, em regiões periféricas ou em formas de habitação como ocupações e comunidades sem estruturas básicas de saneamento, água e luz.

Esse é o resultado  do estudo “Ninez Venezolana- entre a espada y la Pared” (em tradução livre, infância venezuelana, entre a espada e a parede), conduzido com mais de 350 crianças e adolescentes migrantes e refugiadas venezuelanas, residentes em 7 países da América Latina, dentre eles o Brasil.

O estudo foi lançado pela World Vision Internacional em abril de 2020 e, dentre os resultados nacionais, foi constatado que 77% das crianças e adolescentes não tinham acesso à educação em razão de suspensão das aulas ou falta de matrícula. Além disso, 81% tinham acesso à internet por celular – o que está abaixo do patamar regional, em comparativo aos 91% de acesso aos meios digitais obtido por participantes de outros países da região.

crianças imigrantes
(Foto: Amanda Rossa/MigraMundo)

Luis Corzo, Gerente Sênior de Operações de Resposta Humanitária da Visão Mundial Brasil, aponta que grande parte dos 5 milhões de venezuelanos que deixaram o país desde o início da crise econômica e política são crianças, e que boa parte deles chega desacompanhado dos pais ou responsáveis, o que reforça as dificuldades encontradas em meio à pandemia de COVID-19.

“Essas crianças e adolescentes, que já viviam em situação de vulnerabilidade, acabam tendo sua situação agravada. Isso é ainda mais preocupante quando olhamos para relatos tristes e desafiadores do dia a dia, como a xenofobia, a fome, a vulnerabilidade a abusos e violências, e até o tráfico humano. São violações graves a que essas crianças ficam expostas e que exigem que organizações como a Visão Mundial permaneçam trabalhando, mesmo diante da pandemia.”

Xenofobia sutil, mas presente

Situações de xenofobia também são apontadas pelo estudo como um elemento de grande vulnerabilidade para crianças e adolescentes. Cerca de um terço dos participantes entrevistados no Brasil afirmaram que já sofreram tratamento discriminatório por serem migrantes e refugiados, e a metade afirma que já sofreu preconceito por serem venezuelanos. Muitas vezes, esse tratamento pode ocorrer de forma velada através de exclusão, desinformação ou preconceitos linguísticos.

“Sabemos que a questão da xenofobia é muito sutil, mas presente, e sabemos que eles tem dificuldades de acesso à educação e à saúde. A barreira do idioma também é um grande obstáculo, e quando a pessoa não quer ajudar, ela fala que não entendeu; sobretudo em telefonemas. Podemos achar que a língua não é uma barreira, mas isso ocorre muitas vezes com atendentes por telefone ou em bancos”, afirma Ilma.

A segunda onda de casos de COVID-19 no mundo e manutenção do fechamento das fronteiras entre o Brasil e a Venezuela aponta a perspectiva de que o isolamento tende a se manter nos próximos meses, e ressalta a necessidade de proteção a crianças e adolescentes.

“Nosso desafio é garantir condições dignas e seguras, mesmo nesse cenário, para que todas as crianças e adolescentes migrantes e refugiadas alcancem o máximo de seu potencial não apenas no futuro, mas desde agora, no presente”, completa Corzo.


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