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segunda-feira, dezembro 23, 2024

Festa do Imigrante, um encontro entre o passado e o presente das migrações

Espaço que recebeu migrantes de todo o mundo continua ligado à temática, trazendo cultura, história e reflexão

Por Rodrigo Borges Delfim
De São Paulo (SP)

Em que lugar do mundo o Chile poderia ser vizinho de Moçambique e do Vietnã ao mesmo tempo? Ou que bastariam alguns passos para ir da Coreia do Sul à Alemanha, passando por Bolívia, Síria, Camarões, Índia, Armênia, Congo e Polônia?

Para mim, essa volta ao mundo possível dentro de poucos metros quadrados é uma das grandes atrações da Festa do Imigrante, que termina neste domingo (11) em São Paulo.

Cerca de 50 nacionalidades estiveram representadas na edição deste ano, entre comunidades estabelecidas há décadas em São Paulo e outras que ainda dão seus primeiros passos.

Festa do Imigrante reuniu expressões culturais de dezenas de nacionalidades.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Uma diversidade que podia ser sentida ainda pelos aromas das barracas gastronômicas e pelos sons que saem do palco. Uma combinação possível durante a festa era ouvir música lituana, comer um mafé (arroz com galinha ao molho de amendoim) na barraca de Camarões, saborear um waffle belga e beber um chica morada peruana para acompanhar. A combinação, claro, muda de acordo com o momento e com o gosto do freguês.

Teve espaço também para o debate sobre as migrações atuais e sobre o necessário e urgente combate à xenofobia, que insiste em marcar presença no cotidiano global.

Tudo isso no espaço da antiga Hospedaria do Brás, que recebeu cerca de 2,5 milhões de pessoas de todo o Brasil e de outros países enquanto esteve em funcionamento oficial entre 1887 e 1978. E esse complexo de edifícios, pátios e jardins continua a respirar migrações graças ao Museu da Imigração e ao Arsenal da Esperança, que ocupam esse espaço histórico e atual ao mesmo tempo.

Enquanto o Museu da Imigração se propõe a discutir as migrações no passado e no presente, por meio de suas exposições e eventos que promove, o Arsenal da Esperança mantém o caráter de acolhida da antiga Hospedaria. Cerca de 1.200 pessoas dormem todas as noites nos alojamentos do Arsenal, mantido pela fraternidade católica italiana Sermig.

Alojamentos do Arsenal da Esperança acolhem alguns dos migrantes de hoje no espaço da antiga Hospedaria.
Crédito: Rodrigo Borges Delfim/MigraMundo

Será que quem passa pelos alojamentos do Arsenal consegue imaginar que todas aquelas camas disponíveis e devidamente arrumadas serão o local de descanso de centenas de pessoas em situação de rua? E será que imaginam que entre 25% e 30% dos ocupantes do Arsenal atualmente são migrantes, de países como Mali, Senegal, República Democrática do Congo e Togo?

Ou ainda, quem se serve da deliciosa culinária italiana no refeitório da Festa do Imigrante – que está no espaço do Arsenal – imagina que ainda na madrugada essas milhares de pessoas estão tomando seu café da manhã?

Em anos anteriores, sempre que passava para dar uma olhada nos alojamentos, me via dando explicações a outros visitantes que aquelas camas não eram instalações do Museu que recriavam a Hospedaria da época, mas sim camas, cobertores e colchões usados todas as noites. Até chegavam a pensar que eu era voluntário do Museu ou do Arsenal… Mas neste ano, pelo menos, tinha um voluntário que explicava pacientemente aos visitantes da Festa do Imigrante sobre aquele espaço cheio de histórias de dificuldades, mas também de sonhos e esperanças.

Ou seja, a Festa do Imigrante é uma oportunidade rara ao longo do ano de estar em contato direto com o ontem e o hoje das comunidades migrantes que fizeram e ainda ajudam a fazer a cidade. Para os que ainda não entendem essa complexidade e se apropriam de discursos xenófobos e discriminatórios, é um convite a se despir de uma vez por todas de seus estereótipos.

Para os que já entendem e valorizam essa diversidade, a Festa do Imigrante – assim como outros eventos do gênero – é uma oportunidade de rever amigos e recarregar as energias para as lutas diárias e constantes de quem acredita e sabe que a migração é um direito humano, um fenômeno social que transforma as sociedades ontem, hoje e sempre.

E que venha a edição de 2018! Eu já vou reservar na minha agenda assim que sair a data.

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