Envolvidos na elaboração do texto defenderam o decreto das críticas feitas pela sociedade civil e dizem que “mudanças foram necessárias”
Por Rodrigo Borges Delfim
No Rio de Janeiro
Atualizado em 29/11/17, às 16h34
No primeiro evento público relacionado à Lei de Migração após sua regulamentação, que aconteceu na última terça-feira (28) no Rio de Janeiro, integrantes do governo federal envolvidos no decreto defenderam seu conteúdo. E disseram esperar que, no futuro, a sociedade entenda a necessidade das medidas tomadas.
As declarações foram dadas durante falas e questionamento recebidos durante a primeira mesa do seminário “Política e Gestão Migratória: desafios e oportunidades para o desenvolvimento do Brasil”, na Fundação Getúlio Vargas. O evento teve transmissão pela internet e o vídeo completo com a mesa pode ser assistido abaixo:
A primeira mesa do evento foi destinada justamente à nova Lei de Migração. Estiveram presentes o presidente do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) e coordenador geral de Imigração do Ministério do Trabalho, Hugo Gallo; o coordenador-geral do CNIg, Luiz Alberto Matos, e André Zaca Furquim, diretor-adjunto do Departamento de Migrações do Ministério da Justiça. O Ministério das Relações Exteriores também foi convidado a participar, de acordo com a organização, mas não enviou representantes.
“Estamos diante e uma legislação considerada de vanguarda. Mas [a regulamentação] é um caminho que precisa ser construído com muito planejamento e cuidado. Acredito que com o tempo [a sociedade] veja o quão foram necessárias essas mudanças”, apontou Gallo, que enfatizou que o decreto traz a visão técnica “daqueles que operam a migração no dia a dia”.
Para Furquim, a nova lei e o decreto despertaram o interesse da sociedade pela migração. “O debate se ampliou e é isso que queremos”.
Críticas, sociedade civil e “visão técnica”
O decreto, publicado junto com a entrada em vigor da nova lei, no último dia 21, é alvo de críticas pesadas da sociedade civil e do meio acadêmico. Diversos grupos e especialistas na temática migratória consideram que o texto desvirtua e deturpa a lei que deveria apenas regulamentar. Também questionam o espaço reduzido destinado para diálogo junto à sociedade – além da consulta pública, foram apenas duas audiências junto a integrantes da sociedade civil, em agosto e novembro.
Questionado sobre como a participação da sociedade civil foi aproveitada no decreto, Gallo disse que é difícil precisar porque elas “foram sendo incorporadas aos poucos no texto. “Foi muito difícil fazer o decreto. Fizemos reuniões dentro do possível e acredito que a sociedade civil teve participação no decreto e terá ainda mais daqui em diante. É ela que fomenta as demandas”. Ele citou como exemplo a atividade do Fórum de Participação Social, promovida pelo CNIg em São Paulo no mês de agosto.
O presidente do CNig também considerou que as críticas feitas até o momento foram de caráter ideológico e político, deixando de lado a questão operacional. “Falta uma parte mais técnica das críticas”.
De acordo com o decreto, há um prazo de 12 meses para a adequação dos sistemas do governo federal para a nova lei. E uma parte desses ajustes vai vir do próprio papel do CNig. Embora subordinado ao Ministério do Trabalho, nos últimos anos ele praticamente conduziu as políticas de migração no Brasil, mas deve ter sua atuação alterada daqui em diante.
“Sem o CNIg, não teríamos conseguido receber os imigrantes que vieram principalmente a partir de 2010. Mas nessa nova roupagem, o conselho volta a sua função original, focada na migração laboral”, indicou o coordenador do conselho, Luiz Alberto Matos.
Outra crítica ao decreto se deve ao fato dele deixar para futuras portarias dos ministérios a regulamentação de pontos-chave da nova lei, como a questão da acolhida por razões humanitárias.
Representando o Ministério da Justiça, Furquim disse que já estão em curso as primeiras resoluções normativas e portarias dos ministérios que vão regulamentar a acolhida humanitária. Segundo ele, a primeira delas será voltada para os migrantes venezuelanos e deverá sair em breve. “Diversos atos internos darão continuidade à legislação migratória, de acordo com a Lei e com o decreto”.
Dúvidas
Apesar do discurso otimista do governo, o público presente à atividade manifestou dúvidas quanto à falta de clareza de uma série de pontos do decreto, como o regime de renovação de vistos, os processos para pedido de residência permanente, multas e taxas, entre outras.
Questionados, os representantes do governo disseram que as próximas reuniões do CNIg e os ministérios já trabalham nas portarias e resoluções que vão esclarecer esses pontos. “Peço aos senhores compreensão quanto a readequação dos nossos sistemas, que vão seguir as próximas resoluções”, completou Gallo.
Os representantes do governo também procuraram enfatizar avanços do novo texto em relação ao antigo Estatuto do Estrangeiro.
Um desses pontos, citado por Furquim, é o da isenção de taxa para emissão do RNE (Registro Nacional de Estrangeiro, o “RG” do imigrante) para os imigrantes que declararem falta de recursos para o pagamento. Outro é o da garantia de defesa ao imigrante em relação às retiradas compulsórias do país (deportação, repatriação, expulsão e extradição). “O novo marco legal garante que nenhuma dessas modalidades se faça antes de se garantir o direito ao contraditório e da ampla defesa do imigrante”. Também citou que o imigrante em situação irregular, pela nova lei, possui 60 dias para se regularizar após a notificação, antes que o processo de retirada compulsória seja realizado.
A sociedade civil, no entanto, vê a regulamentação como foi feita como uma espécie de permanência do antigo marco legal na nova legislação, o que gera bastante insegurança sobre o que virá pela frente.
“Somos um país de recepção, mas há poucos imigrantes na população. A legislação como posta é um avanço, agora estamos no século XXI. O decreto, por outro lado, já sofreu críticas. É preciso estar atento às próximas resoluções”, afirmou o presidente da Comissão de Direito Internacional (OAB-RJ), Alexandre Mendonça Tolipan.
O evento
O seminário no Rio de Janeiro é um dos primeiros resultados de uma parceria entre a Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da FGV e o Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra).
Além da mesa sobre a Lei de Migração no período da manhã, aconteceram outros dois painéis durante a tarde. Uma delas debateu a necessidade de integração das bases de dados do governo federal para melhor entender a migração e as políticas a serem adotadas; e outra destacou os projetos e desafios para integração de imigrantes e refugiados à sociedade brasileira.
Nos próximos meses, outros eventos e estudos deverão ser feitos em conjunto pelas duas instituições.