“Caminante, no hay camino, se hace camino al andar”. Com este trecho do poeta e dramaturgo espanhol Don Antonio Machado, Anibal Perez, liderança indígena Warao, destacou que a migração de indígenas venezuelanos para o Brasil já completa nove anos e agradeceu o acolhimento no país.
No entanto, Anibal Perez também criticou duramente a falta de garantia de direitos humanos dos povos originários. “Nestes nove anos, a situação dos migrantes indígenas não melhorou, nada mudou. Neste momento, as famílias de migrantes indígenas de diferentes estados e cidades estão em uma condição bastante precária. E eu quero lembrá-los de que todas essas pessoas, famílias que deixam seu país de origem e migram, o fazem com o objetivo de buscar uma melhor condição de vida. Não para ficar em situação de pobreza extrema”.
O discurso foi feito durante o lançamento da segunda edição da pesquisa “Matriz de Monitoramento de Deslocamento (DTM, na sigla em inglês) Nacional sobre a População Indígena do Fluxo Migratório Venezuelano no Brasil”.
O documento é resultado de uma parceria do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e da Agência da ONU para as Migrações (OIM). O estudo contou ainda com o apoio do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), do Ministério da Justiça e da Segurança Pública (MJSP), do Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai).
Mais de 200 profissionais do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e de Direitos Humanos foram a campo realizar as entrevistas com indígenas venezuelanos. Os grupos coletaram dados em dois níveis – junto às lideranças e às chefias de famílias indígenas. O objetivo era captar aspectos culturais do processo migratório, informações sobre o acesso aos serviços no Brasil e traçar um comparativo socioeconômico dos núcleos familiares e seus membros.
Aumento do número de entrevistados
Esta segunda edição da pesquisa mostrou um avanço quantitativo importante. Desta vez, o mapeamento foi realizado em 16 estados e no Distrito Federal, contemplando as cinco regiões do país. Houve entrevistas em quase o dobro de etnias em relação à primeira edição: de sete povos, o número saltou para 13.
A maior parte das 908 famílias mapeadas (3.725 pessoas) mora no Norte (73%), principalmente no estado de Roraima, e no Nordeste (17%), majoritariamente na Paraíba. Elas pertencem a 13 etnias diferentes: Akawaio, Arekuna, Chaima, Eñepa, Jivi, Ka’riña, Kamarakoto, Macuxi, Pemón, Taurepang, Warao, Wayuu e Ye’kwana.
“A pesquisa será apresentada e utilizada na Câmara Técnica instituída no âmbito da Comissão Intergestora Tripartite (CIT) com estados e municípios, que discute migração e refúgio no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e vai nos apoiar na construção de uma política pública de assistência social que contribua na proteção de migrantes e refugiados, em especial de indígenas”, pontuou Régis Spíndola, diretor do Departamento de Proteção Social Especial da Secretaria Nacional de Assistência Social (SNAS) do MDS.
Busca por emprego é o principal motor para a migração
Os motivos mais citados pelos indígenas venezuelanos para sair da Venezuela foram: a busca por emprego (25%), seguido pela busca de atendimento médico (18%) e a reunião familiar (18%).
Além da migração internacional, em especial sobre as comunidades da etnia Warao, se mantém uma migração interna no Brasil, que também é motivada principalmente pela busca de emprego (27%) e pela reunião familiar (17%), principalmente.
O mapeamento mostrou ainda que trata-se de uma população equilibrada em relação ao gênero (51% de homens e 49% de mulheres) e jovem – 41% têm entre 20 e 59 anos, 36% entre cinco e 19 anos, e 18% entre zero e quatro anos. A média de idade nacional da população mapeada é de 21 anos.
A maior parte é nascida na Venezuela (87%) e uma parte menor no Brasil (13%), além de três pessoas nascidas na Guiana. Além disso, destaca-se a etnia Warao (71%) como a mais populosa, seguida da Taurepang (19%) e as demais presentes em uma proporção consideravelmente menor.
A escolha do Brasil como destino pelos indígenas venezuelanos se dá, principalmente, pela busca por emprego (12%), por atendimento médico (13%), em busca de segurança alimentar e por melhores condições de moradia (ambas com 10%). Nesse sentido, políticas de assistência social são fundamentais para dar a essas pessoas cidadania e condições dignas de vida.
“O Brasil espera e cobra que brasileiros e brasileiras sejam bem tratados em qualquer país do mundo e assim buscamos tratar bem imigrantes de outros países que chegam ao Brasil”, afirmou Wellington Dias, ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. “A situação de desemprego pós-pandemia, para alguns países, gerou uma presença maior de estrangeiros em vulnerabilidade social chegando ao Brasil e vamos cuidar para dar atenção e dignidade a eles”, completou.
Pesquisa pretende ajudar a consolidar políticas públicas para indígenas venezuelanos
Segundo a Assessora Especial do Chefe de Missão da OIM, Socorro Tabosa, o principal objetivo do DTM Nacional Indígena é “a ampliação da visão que temos sobre a vivência dessas pessoas indígenas em mobilidade, apontando para as especificidades que merecem atenção e cuidado. Essa pesquisa é uma tentativa de criar uma fotografia que servirá para guiar o trabalho de gestores e servidores públicos locais no atendimento especializado a essa população”.
Um desses esforços está em incluir os refugiados e migrantes no Cadastro Único, para que eles acessem os benefícios sociais. Em junho, 249.864 pessoas venezuelanas estavam inscritas no sistema. Do total de 908 famílias mapeadas pela DTM Nacional Indígena, 582 famílias estão inscritas no Cadastro Único, ou 64%.
“Pesquisas e dados são sempre fundamentais para que a gente possa, de fato, construir algo concreto, uma política de Estado. Espero que desse encontro dados concretos e propositivos sejam incluídos inclusive na construção da Política Nacional de Migração, Refúgio e Apatridia, que estamos fazendo”, ressaltou o Secretário Nacional de Justiça, Augusto de Arruda Botelho.
O evento marca, ainda, a apresentação do Observatório Interativo, baseado no mesmo banco de dados coletados junto às populações de indígenas venezuelanos, e a discussão da metodologia e resultados da pesquisa.