Atleta nascido no Bahrein e que vive na Austrália como refugiado foi detido na Tailândia, a pedido do governo barenita; entenda a história
Por Mathias Boni
Em Porto Alegre
Desde o último mês de novembro, um jogador de futebol, nascido no Bahrein e com status de refugiado reconhecido pela Austrália, vem sendo mantido preso em Bangkok, capital da Tailândia.
Hakeem Al-Araibi, de 25 anos, estava em viagem de lua de mel com a esposa, e foi surpreendido pela detenção por parte das autoridades tailandesas. O jogador vive no país da Oceania desde 2014 – ano em que, enquanto estava em viagem internacional com a seleção do Bahrein, decidiu não voltar ao seu país de origem, por estar sofrendo perseguição política e religiosa na sua terra natal. No país do Golfo Pérsico, à sua revelia, ele acabara de ser condenado a dez anos de prisão, acusado de terrorismo.
Desde cedo, Hakeem Al-Araibi frequentou as seleções de base do seu país, mas a sua promissora carreira – e a sua vida – começariam a sofrer ameaças em 2012. Durante aquele ano, enquanto ainda era jogador do clube Al-Shabab, ele foi surpreendido por uma abordagem policial enquanto caminhava na rua, e acabou sendo levado preso. A acusação oficial era de que ele e seu irmão haviam vandalizado uma delegacia de polícia, fato que o jogador nega absolutamente. Ele afirma que estava jogando futebol na hora do ocorrido o qual ele estava sendo acusado, e há de fato imagens que comprovam essa sua alegação, pois o jogo em que ele estava jogando estava sendo transmitido pela televisão. Mesmo com a comprovação, Hakeem ainda ficou três meses preso, só saindo mediante o pagamento de fiança. Durante o período, ele afirma que foi torturado por diversas vezes.
Essa perseguição que Al-Araibi sofre, ele acredita, começou em 2011. No contexto da primavera árabe, o seu irmão participou de protestos que criticavam o governo do Bahrein e exigiam mais democracia no país – uma monarquia constitucional onde o primeiro-ministro e todos os membros do governo são parte da família real. Passado o período das manifestações, o governo começou a perseguir e retaliar os seus críticos. Acrescenta-se a isso o fato de que o jogador e sua família serem muçulmanos xiitas, minoria no Bahrein em relação aos muçulmanos sunitas, religião da dinastia que governa o país, a família Al-Khalifa, e também das classes dominantes.
Em 2014, enquanto estava no Qatar servindo à sua seleção nacional, Hakeem foi informado de que ele e seu irmão haviam sido condenados a dez anos de prisão em razão das acusações de vandalizar a delegacia de polícia. A condenação, à sua revelia, foi baseada em uma confissão coagida de seu irmão, obtida sob sua tortura enquanto ele já estava detido. Então com 20 anos, Hakeem tomou a difícil decisão que todo migrante forçado tenta evitar ao máximo, mas acaba sendo obrigado a tomar: ele não tinha mais outra opção a não ser buscar proteção em outro país, para assegurar seus direitos humanos fundamentais, pois esses direitos não estavam mais garantidos em seu país de origem.
A jornada como refugiado
Após essa decisão, o jogador nunca mais voltou para o Bahrein. Do Qatar, ele iniciou uma viagem que passou por Irã, Malásia e Tailândia, até finalmente chegar na Austrália – onde, depois de seis meses de trânsito, ele finalmente pediu refúgio.
A Austrália é um país notadamente conhecido na comunidade internacional pela severidade das suas políticas de migração e refugiados, muitas vezes violando o próprio princípio do non-refoulement – o direito de não ser devolvido ao país de origem, principal norma internacional de proteção dos refugiados.
Mesmo com este histórico, o país da Oceania reconheceu oficialmente o status de refugiado do barenita ainda em 2014. Alguns meses depois, sua esposa se juntou a ele na Austrália, e lá eles permaneceram por mais de quatro anos, até decidirem fazer a viagem à Tailândia em novembro passado.
Antes de realizar a viagem, Hakeem Al-Araibi disse ter consultado as autoridades migratórias australianas, que lhe certificaram total segurança. Porém, para sua surpresa, assim que pousou no aeroporto de Bangkok, a polícia local já estava a sua espera. Isso se deu porque a Interpol emitiu, poucos dias antes, um alerta vermelho pedindo a prisão do jogador, solicitado pelo Bahrein.
O alerta foi erroneamente emitido pela organização internacional, pois pelas próprias regras internas da Interpol, é proibida a emissão de ordens de prisão a indivíduos oficialmente reconhecidos como refugiados. Apesar da Interpol ter cancelado a solicitação em 4 de dezembro, o cancelamento ocorreu tarde, pois Hakeem já estava sob custódia das autoridades da Tailândia.
O país do sudeste asiático não é signatário da Convenção de Genebra de 1951, principal documento mundial garantidor dos direitos dos refugiados, nem de outros relevantes tratados internacionais de Direitos Humanos. O país tem ainda um largo histórico de políticas autoritárias de migração e violadora dos direitos humanos em geral.
O governo tailandês, inicialmente, decidiu ampliar a detenção de Hakeem por 90 dias, até que tomasse uma decisão final em relação ao seu caso. O governo australiano, juntamente com a comunidade internacional e ativistas dos Direitos Humanos, está exigindo a liberação do refugiado para que ele possa voltar ao país, tendo inclusive já realizado uma reunião entre autoridades dos dois países para tratar do assunto.
O governo do Bahrein, porém, já solicitou o regresso do refugiado ao seu país de origem, afirmando que garante sua segurança, mesmo com o histórico de torturas que o próprio jogador já sofreu por lá, e com o seu irmão já cumprindo sua sentença de 10 anos de prisão.
“Eu não vou sobreviver se voltar ao Bahrein, eles vão tirar a minha vida”, disse Hakeem em recente entrevista. Até o fim da primeira quinzena do próximo fevereiro, o governo tailandês deve anunciar a sua decisão – encaminhar o refugiado de volta ao seu país de origem, violando assim o princípio do non-refoulement; ou encaminhá-lo de volta à Austrália, agindo assim em consonância com os principais tratados internacionais de Direito dos Refugiados e Direitos Humanos.
Com informações de The Guardian, Foreign Policy e SBS
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