Por Rodrigo Veronezi
A Justiça Federal acolheu a Ação Civil Pública (ACP) impetrada pela Defensoria Pública da União (DPU) e pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a invasão de um abrigo para imigrantes em situação de vulnerabilidade em Pacaraima (RR) e a deportação das pessoas que nele estavam. O caso ocorreu na última quarta-feira (17).
Além de suspender a deportação, o juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, que analisou e decidiu sobre a ACP, determinou que seja permitida ao grupo o direito de buscar regularização migratória. Também proibiu que a União faça novas incursões à força em residências e ocupações fora das hipóteses constitucionalmente previstas.
“Friso, evidentemente, que esses locais não são e nem devem ser tratados como ilhas isoladas de fiscalização da atividade policial, de modo que aí se possam praticar as mais nebulosas atividades. Antes, devem apenas ser tratados com a mesma proteção que merece qualquer domicílio, protegido pela inviolabilidade constitucional”.
Ainda na decisão, o juiz aponta que, por “razões obscuras”, as portarias sobre entrada de pessoas de outros países no Brasil na pandemia impõem restrições adicionais aos venezuelanos. Esse ponto tem sido alvo de críticas da sociedade civil e da própria Justiça desde quer entraram em vigor.
“Ao tornar oficial a política pública sanitária de discriminação dos Venezuelanos como pessoas que oferecem riscos à saúde coletiva e inovar o ordenamento jurídico criando os institutos da repatriação ou deportação imediata e inabilitação de pedido de refúgio, gerou como consequências não somente as ilegais deportações de migrantes narradas nestes autos (fora as que não são objeto da demanda), como também deu azo a uma prática que não faz jus ao respeito institucional de que goza o Departamento de Polícia Federal, bem como ao grotesco episódio do dia 17/03/2021”.
Por fim, a decisão ressalta que a Lei de Migração proíbe expulsões e deportações coletivas e/ou sumárias. A legislação migratória nacional estabelece a necessidade de abertura de um processo para a deportação, mediante notificação do alvo da ação, respeitando o direito ao contraditório e à defesa.
Entenda o caso
Na última quarta-feira (17), policiais federais, militares e civis entraram no Abrigo São José, em Pacaraima (RR), mantido por religiosas católicas, alegando verificar uma denúncia de aglomeração no local, onde viviam cerca de 70 pessoas, todas mulheres e menores de nacionalidade venezuelana.
Segundo a entidade que administra o local, os agentes de segurança entraram no local encapuzados. As pessoas abrigadas no local seriam deportadas, porque se encontravam em situação indocumentada.
Uma das religiosas que dirigem o abrigo, a Irmã Ana Maria da Silva, 60, chegou a ser detida e levada à delegacia para prestar depoimento. “Eu me senti como se fosse a maior traficante de drogas do mundo. Eles entraram aqui sem ordem judicial e me levaram para a delegacia de camburão. Qual é o meu crime, abrigar grávidas e crianças que estariam na rua?”, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo.
A deportação foi impedida por uma intervenção da DPU, sendo as pessoas levadas para um dos abrigos da Operação Acolhida no município. Em seguida, foi feita a ACP (Ação Civil Pública), acolhida pela Justiça.
“Há indícios que levam a crer que o suposto descumprimento de normas sanitárias não passou de um pretexto para a realização de novas deportações sumárias”, dizia a ação.
A partir do ocorido em Pacaraima, o Conselho Nacional dos Direitos Humanos emitiu uma recomendação aos órgãos de segurança para que “não promovam buscas domiciliares sem ordem judicial com objetivo de identificar pessoas migrantes em situação de irregularidade”.
Mobilizações de imigrantes e sociedade civil
A invasão do abrigo em Pacaraima despertou reações e manifestações de repúdio da sociedade civil e de imigrantes no Brasil.
Poucas horas após o ocorrido, entidades da sociedade civil de todo o Brasil se mobilizaram e elaboraram uma carta de repúdio. O documento foi divulgado já tarde de sexta-feira (19), com 136 adesões.
“Temos acompanhado e vemos com indignação reiterados ataques aos direitos da população migrante no que diz respeito ao acesso a serviços de saúde e assistência social, independentemente de seu status migratório, contrariando o que é previsto na Lei de Migração”, diz trecho da carta.
Entre outros pontos, as instituições apontam ainda para a existência de uma tendência à criminalização de ações assistenciais e humanitárias por parte do governo federal.
“A assistência social e humanitária prestada a migrantes em situação irregular por entidades da sociedade civil tampouco é ilegal, uma vez que não se objetiva atingir fins lucrativos nem o incentivo à migração irregular com este trabalho, mas tão somente salvaguardar a sobrevivência, a dignidade e o acolhimento de pessoas em situações de extrema vulnerabilidade que deveria ser garantido pelo próprio Estado”, prossegue o texto.
A Rede de Venezuelanos no Brasil também emitiu uma declaração conjunta, repudiando os acontecimentos em Pacaraima.
“Destacamos que, agir humanitariamente em assistência de pessoas em situação de extrema vulnerabilidade e evidente necessidade de acolhida / apoio, constitui um ato de solidariedade, necessário e que deve ser prestado a todo ser humano, independentemente do seu status migratório particular, em atenção a convenções e tratados internacionais”.
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